De uns tempos pra cá, o
terrorismo tem se manifestado de forma cada vez mais cruel e destruidora.
Recentemente, foi a vez de Paris, na França: um atentado ao jornal Charlie
Hebdo, que vitimou doze pessoas. A Al-Qaeda do Iêmen assumiu a
responsabilidade. Em um vídeo, a organização terrorista afirma que o atentado é
uma resposta à publicação de diversas charges do profeta Maomé, por parte do
jornal francês. Nasser bin Ali al-Ansi, braço iemenita da Al-Qaeda, ao se
referir ao atentado, denominou-o “como vingança pelo mensageiro de Deus”. Dois
irmãos agiram em nome da organização terrorista, Cherif e Said Kouachi. A
Europa se encontra em estado de alerta e pânico. 2015 se inicia com derramamento
de muito sangue na França e no Oriente, principalmente nos países atingidos
pela sede de vingança dos terroristas.
Imediatamente após o atentado, inúmeros franceses, dentro
e fora do país, iniciaram uma espécie de campanha favorável ao jornal atingido,
campanha que ganhou o nome de “Je suis Charlie” (Eu sou Charlie). A mídia
neoliberal em todo o mundo também adotou a campanha. Parte-se da ideia de que o
ataque terrorista, além de ceifar a vida de doze integrantes do jornal,
atingiu, sobretudo, a liberdade de expressão. Isto é o que se tem, incansavelmente,
repetido nos últimos dias. A mídia oficial francesa se uniu aos sobreviventes
do Charlie Hebdo e publicou uma nova edição do jornal, com a figura do profeta
Maomé chorando, com as expressões “Tout est pardonné” (Tudo está perdoado) e
“Je suis Charlie”. Agora, toda a Europa declarou uma verdadeira caça aos
terroristas, reforçando a segurança nas ruas, instituições e fronteiras,
prendendo e procurando suspeitos.
O que entender por liberdade
de expressão e liberdade de imprensa? Quando não alicerçada no respeito, na
responsabilidade e na solidariedade, a liberdade se transforma em libertinagem.
Ser livre não é fazer e dizer tudo o que se quer. Isto é falta de
responsabilidade. No estado democrático de direito, a diversidade da
coletividade precisa ser assegurada e respeitada. Há uma tentação que persegue
tanto a religião quanto aqueles que pregam a liberdade de expressão e de
imprensa: a imposição de suas respectivas ideologias.
Nas
religiões, os extremistas tendem a impor suas crenças e ideologias. A imprensa
procura fazer a mesma coisa. As capas do jornal francês, que se referem à
religião são vergonhosamente ridículas e, portanto, ofensivas, pois fere o
direito à liberdade religiosa. No estado democrático de direito, as pessoas
devem ter assegurado o direito de professar a sua fé, participando da religião
que quiser. Em uma das capas do jornal francês, referindo-se ao cristianismo,
aparece uma charge da Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo), num coito anal a
três. Isto é liberdade de expressão? Isto é forma respeitosa de crítica à
religião? Na verdade, trata-se de uma irresponsável ridicularização da fé
religiosa, que deveria ser punida na forma da lei.
Sabemos
bem que no Islamismo, muito mais que em outras religiões, há extremistas que
não toleram provocações. Estes interpretam a lei islâmica ao pé da letra,
levando ao extremo a defesa da religião. Desse modo, era previsível o ataque ao
jornal Charlie Hebdo, pois as charges nas quais aparece o profeta Maomé são
desrespeitosas e provocativas. É verdade que os extremistas se utilizam do nome
do profeta Maomé e do próprio Alá (Deus) para legitimar seus ataques, mas é
verdade também que eles escolhem os alvos de acordo com as provocações que
recebem. O ataque em si é condenável, certamente; mas é também condenável a
maneira como o jornal se dirige às religiões.
Nenhum
direito fundamental é absoluto. Neste sentido, a liberdade de expressão e de
imprensa precisa ser assegurada dentro dos limites da legalidade. O que
acontece com muitos europeus é isto: assim como os extremistas islâmicos
deturpam o autêntico sentido da religião e da fé para atacar aqueles que julgam
seus inimigos, a imprensa cai no mesmo pecado: se utiliza da liberdade de
expressão para atacar a religião. Desse modo, ambos cometem um gravíssimo crime
contra a verdadeira democracia.
No
Brasil, situação semelhante acontece com a revista Veja. Esta não respeita os
limites da legalidade quando quer caluniar e difamar pessoas, instituições e
governos. Juntamente com outros meios de comunicação, esta revista deturpa os
fatos e informações, escandalosa e intencionalmente. Na última corrida
presidencial, deu provas de sua capacidade de manipulação da realidade. A
ausência de regulação da mídia tende a tornar a situação cada vez pior. A
demonização dos movimentos sociais e dos governos de esquerda da América Latina
é a bandeira levantada pela Veja. Mantida e dirigida por gente da classe média,
tem prestado um desserviço ao país, causando confusão e ferindo a autêntica
liberdade de expressão, direito constitucionalmente assegurado, entre outros.
Chefes
de estado e de governo europeus planejam se unir contra o terrorismo, com
medidas de segurança possíveis. A iniciativa é louvável, mas, por si só, não
resolve o problema. A Europa precisa rever a maneira como acolhem e tratam os
muçulmanos e judeus que chegam para viver em seus países. Caso se estabeleça
uma cultura antissemita e antimuçulmana, certamente, a situação vai piorar. Os
excessos cometidos pelos agentes responsáveis pela segurança devem ser evitados.
Judaísmo e Islamismo não são os inimigos da Europa, mas os extremistas que se
utilizam da religião para a realização de atentados que visam semear e reforçar
a cultura da eliminação das diferenças. Esta cultura de eliminação é que
precisa ser combatida com ousadia e veemência; cultura que tem tomado o mundo
inteiro.
Por
fim, não
sou Charlie porque, como seguidor de Jesus de Nazaré, sou a favor da
cultura do respeito, da tolerância, da promoção da dignidade humana, do
reconhecimento e aceitação da diversidade cultural e religiosa e da justiça que
promove a paz. Por isso, em comunhão com o evangelho de Jesus, Boa Notícia da
liberdade e da paz, sou contra a mídia neoliberal que semeia o ódio e a
intolerância cultural e religiosa. Solidarizo-me com os familiares das vítimas
do jornal Charlie Hebdo e coloco-me radicalmente contra a ridicularização das
religiões efetivada por seus integrantes. Não há liberdade de expressão e de
imprensa sem respeito às culturas e às religiões. Criticar é necessário, mas ridicularizar
não!
Tiago
de França
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