domingo, 8 de fevereiro de 2015

A oração e o ativismo na vida cristã

“De madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus se levantou e foi rezar num lugar deserto” (Mc 1, 35).

            Na vida cristã deve existir equilíbrio entre contemplação e ação. Há os que querem viver adorando a Deus somente na oração, assim como há os que somente querem adorá-lo na ação. Cada um apresenta suas próprias justificativas. Não questionamos a reta intenção para com Deus, mas a vida virtuosa se encontra no equilíbrio entre contemplação e ação. Ambas formam uma única realidade: o seguimento de Jesus de Nazaré. Nossa meditação deseja contribuir com alguns pensamentos sobre este equilíbrio necessário. O nosso modelo por excelência é Jesus, o Filho amado de Deus Pai.

            Conta o evangelho segundo Marcos (cf. Mc 1, 29 – 39), que Jesus passou pelo mundo fazendo o bem: curando os doentes e libertando as pessoas da opressão do demônio. Conta também, que durante a noite, de madrugada, Jesus procurava um lugar deserto para rezar, para o silêncio e meditação. Ele sabia dosar bem ação e contemplação. Não era um monge, vivendo no isolamento da solidão do deserto, nem era um sacerdote do Templo, ocupado com vários sacrifícios. Era um missionário que vivia a itinerância, encontrando-se com as pessoas, despojadamente. Um missionário livre, revelador da presença libertadora de Deus.

            A oração verdadeira é aquela sintonizada com as mãos e com o coração. Os livros litúrgicos que orientam a oração comunitária são importantes, mas a oração pessoal precisa ser diálogo com o Pai de Jesus e nosso Pai. A sós com Deus não precisamos ler para Deus uma oração. Esta não é mera leitura. No diálogo, a gente fala a partir do coração. A palavra deve vir das entranhas de nosso ser. Trata-se de uma conversa franca e aberta com Aquele que nos ama e nos quer bem, que deseja entrar em comunhão conosco. Ele vem a nós. A iniciativa é sempre dele. Sabendo que somos limitados e que não sabemos bem como falar, Ele nos envia o Espírito que nos ensina a linguagem do amor. É por meio dessa linguagem que conhecemos o Pai e permanecemos com Ele na oração.

            Rezar não é simplesmente passar alguns minutos na presença do Pai. Muito antes do nascimento e muito além de nossa morte, já estamos Nele. Por isso, a oração é um estado permanente de comunhão com Deus. O Pai está naquele que o acolhe. Isto é oração. Acolhê-lo e viver em sintonia com esta misteriosa presença em nosso íntimo é oração. A organização da vida humana nos exige que reservemos um tempo, assim como Jesus, para nos deliciarmos com mais intensidade desta presença, para senti-la, escutá-la com a merecida e necessária atenção. O Pai fala no silêncio do lugar deserto, e este não precisa ser, necessariamente, um lugar físico, mas um mergulho em uma parcela do tempo corrido do cotidiano. A vida mística ensina que uma pessoa pode estar no silêncio do deserto, em oração ao Pai, em qualquer lugar e/ou circunstância.

            O efeito disso é maravilhoso. Não há palavras para descrever o que acontece nessas horas e na vida de quem assim procede. Encontra-se, desse modo, o Pai em todas as coisas. Ele pode ser visto rindo, chorando, de braços abertos, recolhido... no outro. Essa visão do Pai é misteriosa porque Ele se encontra nas pessoas e lugares que realmente surpreendem e escandalizam. Para os místicos, Deus é um escândalo! Ele é Amor e todos sabemos que o Amor surpreende, ultrapassa a tudo e a todos. E o curioso é que tudo acontece na simplicidade e na humildade. A oração é este caminho que conduz à experiência do encontro fecundo e revelador, que conduz ao conhecimento perfeito do Amor em nós.

            Nossas Igrejas e nosso mundo carecem de pessoas orantes, que aprendem na oração o valor e o sentido do encontro com o outro. Há tantos louvores em tantos cultos, mas tão pouca intimidade com o Pai. As pessoas reservam uma ou duas horas semanais para o culto em suas Igrejas e pensam que estão fazendo muita coisa. Outras rezam um pai nosso apressado e já se sentem justificadas. Outras, ainda, nem disso se lembram. Estão ocupadas com suas preocupações, com o bom êxito de seus afazeres, com o sucesso de suas carreiras. No fim, deixam este mundo angustiadas porque, muitas vezes, não encontraram a felicidade que tanto procuravam.

            “Se você quiser servir a Deus, faça poucas coisas, mas as faça bem!” Este refrãozinho da espiritualidade franciscana nos revela duas questões importantes. A primeira consiste no fato de que não precisamos fazer tantas coisas. Estas tendem a nos sufocar. Quando morremos, as coisas ficam e alguém nos substitui na realização delas. Logo cairemos no passado das boas ou más recordações. O serviço a Deus acontece naquilo que fazemos no pouco e no bem feito. A pessoa que vive em comunhão com Deus está em paz consigo mesma e tudo realiza com amor e sem pressa, sem aquela preocupação em ser o centro das atenções somente porque teve êxito. Fazer muito e com a obsessão pela perfeição é ativismo doentio, angustiante e assassino. Isto tem gerado pessoas insuportáveis porque angustiadas, ansiosas, depressivas etc. É o grande mal da vida pós-moderna.

            A segunda consiste no fato de que sem conteúdo espiritual o cristão não consegue ir muito longe. O fracasso espiritual é bem pior do que o material. Geralmente, as mazelas espirituais desgastam e matam mais. O desespero do mundo é um retrato dessa situação. Fazer algo bem feito ultrapassa o bom êxito material. As ações humanas possuem um toque de espiritualidade. Não fazemos simplesmente por fazer. Toda ação envolve afeto, e para aquele que crê, envolve também a fé naquele Pai que se revela na ação amorosa. Por fim, consideremos esta sentença de ordem espiritual: Ser contemplativo na ação significa em tudo encontrar a presença de Deus, em tudo ser esta presença infinitamente amorosa e redentora. Somente assim, escaparemos do vazio existencial que tem tomado inúmeras pessoas que já não encontram sentido naquilo que julgam ser e naquilo que procuram fazer.

Tiago de França

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