“Agora,
diz o Senhor, voltai para mim com todo o vosso coração” (Joel
2, 12).
Amigos/as, irmãos/ãs no
Cristo Jesus,
Graça e paz!
Espero que esta minha partilha fraterna da Palavra os
encontre na alegria e na paz de Deus. Alegria e paz são dádivas concedidas pelo
próprio Deus por meio de seu Espírito. Não podem ser concedidas nem encontradas
neste mundo, marcado por inúmeras injustiças que nos entristecem e nos tiram a
paz. Certamente, o mundo oferece pequenos momentos de gozo e satisfação, mas
são experiências que passam, que não permanecem e que não preenchem a nossa
vida. Somente Deus mesmo, em sua infinita bondade e misericórdia, é quem pode
nos oferecer, na gratuidade e na liberdade, aquela alegria e paz que duram para
a vida eterna. Preenchidos por esta alegria e paz somos enviados a transmiti-las
às pessoas, especialmente as que se encontram atribuladas e aflitas, afetadas
pelas angústias e pelo desespero. Somos, portanto, a alegria e a paz de Deus na
vida dessas pessoas.
Quaresma é tempo de deserto e de escuta atenta da palavra
de Deus. Atualmente, falar de deserto parece algo estranho. Em um mundo marcado
pelo barulho e pela pressa, deserto é sinônimo de esquisitice. A mulher e o
homem pós-modernos, acostumados a uma vida intensa e preenchida de
compromissos, não encontram tempo para ir ao deserto. Mais do que isso,
apresentam resistências porque o deserto as angustia, causando-lhes medo. Neste
sentido, é muito comum encontrarmos pessoas que não conseguem separar alguns
minutos das 24 horas do dia para fazer silêncio diante de Deus. Fogem do
silêncio e perdem a audição. A experiência bíblica mostra que Deus fala no
silêncio. É neste que Ele fala ao coração das pessoas e estas conseguem ouvir a
sua voz. Precisamos, urgentemente, recuperar o silêncio em nós e em nossas
relações. Deus quer nos falar.
De coração aberto, contrito e humilde somos capazes de
ouvir a voz de Deus. Ele quer abrigar-se em nosso coração. Fazendo morada em
nós, Deus se revela e nos faz conhecer a nós mesmos, profundamente. É o
mistério da revelação do amor. A Quaresma é um convite à abertura do coração. Vejamos
a profecia de Joel: “Voltai para mim com
todo o vosso coração”. Esta é a voz de Deus, o seu convite. Deus não quer
corações divididos, mas inteiros e disponíveis para o amor. É sua vontade
libertar nossos corações de todos aqueles sentimentos ruins, de todos aqueles
projetos de morte, que tendemos a cultivar quando nos afastamos Dele. Despojados
do ódio, do rancor, do ressentimento, da cobiça, da inveja, da mágoa e de todos
os outros sentimentos diabólicos que pretendem nos dominar, estaremos livres
para vivermos o amor no encontro com o outro. Desse modo, Quaresma é tempo de
purificação, de refazimento do caminho, de reencontro consigo mesmo em Deus.
Nossas Igrejas e o mundo atual precisam, urgentemente, de
pessoas convertidas. A conversão não acontece do dia para a noite, mas é um
processo lento e duradouro. Trata-se de uma realidade que dura até o grande dia
do nosso encontro com Deus. Pessoas convertidas não são pessoas perfeitas, que
não pecam. Somente Deus é perfeito, ninguém mais. Assim, convertidas são
aquelas que crendo em Deus, colocam-se no caminho do seu Filho Jesus, o Cristo.
Quem se coloca no caminho de Jesus trilha o caminho da conversão. Esta é uma exigência
do caminho. Quem não procura se converter, ou seja, voltar-se para Deus,
acolhendo-o no coração, não pode afirmar que segue Jesus. Pode até ser
religioso/a, mas não segue Jesus. A conversão é cotidiana e acontece no
seguimento a Jesus de Nazaré.
Certamente, estamos cansados de encontrar pessoas
arrogantes, orgulhosas, frias, indiferentes, insensíveis, ríspidas, duras de
coração etc. Há inúmeros fatores que explicam tais posturas e/ou modos de ser. São
inúmeras as influências e as experiências de vida que cada pessoa tem. Como dizia
o filósofo espanhol Ortega y Gasset: “Eu
sou eu e minhas circunstâncias”. Se assim considerarmos, compreenderemos
melhor as pessoas. Veremos que elas não são más porque querem. Aliás, veremos
que elas não são, essencialmente, más. A espiritualidade cristã nos ensina que
as pessoas praticam maldades, mas não são más em si mesmas. Não há filhos de
Deus e filhos do demônio, mas somente filhos de Deus. Somente Deus é o Criador
e Pai da vida. Somos, em Cristo Jesus, filhos amados Dele.
Esta compreensão a que nos referimos no parágrafo anterior,
quando unida à misericórdia, torna-se fonte de alegria, paz e felicidade. Vivemos
numa sociedade marcada pela intolerância, que se manifesta de várias formas. Umas
delas, a intolerância religiosa, é a que mais tem chamado a atenção. O desrespeito
à religião do outro é uma das formas abomináveis de violência. A radicularização
da fé tem provocado muitos conflitos e derramamento de sangue em muitas partes
do mundo. Nas relações interpessoais, as pessoas estão cada vez mais
intolerantes e impacientes. Essa cultura da intolerância gera muita violência na
família, na escola, nas Igrejas e na sociedade. Passa-se por cima do outro com
muita facilidade e este comportamento vergonhoso se impõe violentamente, de
modo que tende a ser considerado normal. O dado curioso é o seguinte: Muitos
dos que assim procedem costumam frequentar o culto religioso nos fins de
semana. São pessoas aparentemente religiosas, que se utilizam do culto para
tentar se justificar diante de Deus.
Esta experiência fecunda da compreensão acontece quando
nos colocamos no lugar do outro. O que eu faria e como eu seria se estivesse no
lugar dele/a? Esta é a pergunta que devemos nos fazer, constantemente. Somente assim
compreenderemos os motivos pelos quais as pessoas são do jeito que são. A compreensão
nos leva ao entendimento da realidade do outro. Além disso, nos leva também ao
encontro das suas necessidades, portanto, chama-nos a sermos solidários. Desse modo,
a “globalização da indiferença”, expressão do papa Francisco, por ocasião de
sua mensagem quaresmal deste ano, pode ser vencida. A indiferença é um pecado
gravíssimo! Quem é indiferente ao outro e ao que acontece no mundo não poderá
participar do Reino de Deus. Em Cristo Jesus, somos irmãos e chamados a viver
na fraternidade, cultivando o amor, a fé, a esperança, a compreensão e a
liberdade. Que nesta Quaresma, o Espírito do Senhor nos mantenha firmes neste
bom propósito.
Recomendo-me,
como sempre, às vossas preces, na certeza de que as faço sempre por cada um de
vocês. Feliz itinerário quaresmal a todos/as!
Fraternalmente,
no Cristo vivo e ressuscitado,
Tiago de França
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