Fazer a vontade de Deus: eis a
condição essencial para ser irmão de Jesus. Não há nenhuma outra condição senão
esta. Não precisamos inventar outras porque Jesus somente estabeleceu uma. O
desafio é conhecer a vontade de Deus e praticá-la na vida. Não basta
conhecê-la, mas é necessário praticá-la. Na verdade, sem a prática não há
conhecimento da vontade divina, pois ela vai se revelando na medida em que o
seguidor de Jesus vai se colocando em seu caminho. Portanto, somente a conhece
quem se arrisca no caminho de Jesus. Esta parece ser a via necessária para tal
conhecimento.
Neste
sentido, os estudiosos em Bíblia e os especialistas em religiões não podem
afirmar que conhecem a vontade divina somente porque vivem por conta dos
estudos das coisas relacionadas a Deus. Estudar teologia, Bíblia e religião é
necessário, mas não dá acesso ao conhecimento pleno da vontade de Deus.
Colocando-se no caminho de Jesus, o discípulo missionário
vai descobrindo a vontade de Deus. Não se trata de ter acesso a um conceito,
rigorosamente elaborado e contido nos tratados de mística, espiritualidade e
teologia. Esses conceitos são frutos da imaginação e da inteligência humana.
São até bonitos e doces à audição, mas Deus não está preso a eles. Deus e sua
vontade não são conceitos abstratos, mas realidade encarnada no meio do mundo.
A
vontade divina é conhecida em meio às idas e vindas da vida. Deus fala a partir
da realidade da vida humana. Por isso, é preciso aprender a discernir, e o dom
do discernimento passa, necessariamente, por três atitudes fundamentais: saber
ouvir, saber enxergar e permanecer acordado. Falar é importante, mas
para discernir é preciso também saber silenciar. Vamos compreender melhor o dom
do discernimento, pois dele depende a conversão do discípulo missionário de
Jesus.
Saber ouvir significa aprender a obedecer.
Em um mundo marcado por revoltas, é necessário redescobrir o dom da obediência
à voz do Espírito Santo. É preciso obedecer para conhecer a vontade de Deus. Não
se trata de obedecer às leis religiosas impostas em nome de Deus como se
correspondessem, exatamente, à sua vontade. Muitas vezes, o que ocorre nas
Igrejas cristãs é que as pessoas procuram mais conhecer somente as leis
religiosas e menos a vontade de Deus.
Certamente,
as leis religiosas tem a sua importância e seu lugar na vida cristã, mas por si
mesmas não levam ninguém ao cumprimento da vontade divina. O discípulo missionário
precisa aprender a ouvir a Deus falando na realidade da vida, pois ao
identificar a voz de Deus ser-lhe-á revelada sua missão naquela determinada
realidade. Deus fala e mostra o que se deve fazer. É preciso ouvir as pessoas e
ao mundo. Onde está Deus falando em meio ao barulho e a confusão do mundo? O
que ele está dizendo? Para onde está apontando?...
Saber enxergar significa aprender a
situar-se na realidade. Onde o discípulo missionário precisa armar a
sua tenda? Impulsionado pelo amor, quem segue Jesus aprende a enxergar a vida
com os olhos da fé, com os olhos de Jesus. Enxergar como Jesus significa ver o
mundo e as pessoas com os olhos da compaixão, que não se trata se sentir pena
das pessoas, mas compadecer-se delas, assumindo as suas dores, entrando, assim,
em comunhão de vida. Para isto, é preciso aproximação, sensibilidade e
disponibilidade; mas antes é preciso não se recusar à visão da realidade.
Fazer-se
de cego é ser omisso, e a omissão é um pecado grave. No discernimento, o
Espírito Santo concede o dom da visão da realidade. O cristão aprende, desse
modo, a ver a Deus na carne sofrida do outro. Como seguir Jesus sem vê-lo no
meio do povo, inserido na vida do povo de Deus? Sem esta visão não existe
seguimento. A visão leva à inserção na vida cotidiana das pessoas. Portanto,
não se trata de mera contemplação passiva, mas de contemplação ativa.
Permanecer acordado significa estar atento e
vigilante diante dos sinais dos tempos. Em um mundo marcado pelo
barulho e pela dispersão, somente quem permanece atento e vigilante consegue
conhecer a vontade de Deus. A atenção é um dom de Deus. Pessoas desatentas não
conseguem enxergar o outro, não conseguem ver a Deus no outro; logo, não dão
conta de seguir Jesus.
Também
o dom da vigilância foi recomendado por Jesus. A vigilância ativa é a espera
laboriosa do Reino de Deus. Significa agir sob a orientação do Espírito Santo
com a plena consciência de que somos apenas trabalhadores, semeadores da
semente, pois o seu germinar e frutificar não dependem do semeador, mas é dom
misterioso da ação amorosa e silenciosa de Deus.
Por fim, não poderíamos nos esquecer de mencionar que a
oração também é um dos lugares de encontro com Deus, ferramenta indispensável
para conhecermos a sua vontade. Tanto na oração comunitária, nas assembleias
dos fieis, quanto na oração pessoal, Deus fala ao coração de seus filhos e
filhas, revelando-lhes a sua vontade, em vista da edificação de seu Reino.
Deus
não revela a sua vontade para que as pessoas construam um projeto intimista de
felicidade. Isto jamais ocorre. O verdadeiro cristão jamais diz: “Quero cumprir
a vontade de Deus porque quero ser feliz!” De fato, ser feliz não é um pecado e
Deus não se opõe à felicidade humana, mas Ele não se submete à mera satisfação
dos desejos humanos. Deus não compactua com o nosso egoísmo. Por isso, quem
quiser conhecer a sua vontade e praticá-la na vida precisa se dispor a amar até
as últimas consequências, pois é no amor que se conhece e se ama a Deus. Fora
do amor não há conhecimento e cumprimento da vontade divina, não há salvação.
Tiago de França
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