“Um
profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares” (Mc
6, 4).
Em Nazaré, sua terra natal, acompanhado com seus
discípulos, Jesus não foi acolhido. Além de não ter sido acolhido, o povo de
Nazaré não acreditou na sua palavra, mas ficaram se perguntando pela origem de
sua sabedoria e de seus milagres. O povo não compreendeu o mistério que
envolvia a pessoa de Jesus. Para eles, seu conterrâneo não passava de um filho
de carpinteiro, nascido de Maria. Diante dessa triste situação, Jesus ficou
admirado com a falta de fé de seus conterrâneos, “e ali não pôde fazer milagre
algum. Apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos”.
O que esta visita de Jesus à sua terra natal nos ensina? O
texto mostra que o povo de Nazaré não viu nada de extraordinário na pessoa de
Jesus. De fato, se fazemos uma leitura bem feita das narrativas evangélicas,
logo constatamos que Jesus, humanamente falando, não tinha nada demais: era um
homem comum, igual aos demais. Além de ser um homem comum, tinha algumas
atitudes que eram tidas como suspeitas pelas autoridades civis e religiosas da
época como, por exemplo, sua resistência quanto ao cumprimento de determinadas
leis religiosas que marginalizavam as pessoas. Em muitas ocasiões, escandalizava
os mais piedosos da religião. Ele não era sacerdote nem doutor da lei. Estes eram
considerados os sábios do povo. Apesar disso, Jesus tinha algo que estes
doutores desconheciam: O livre acesso ao Pai, pois participava de sua
intimidade, e isto lhe deu o conhecimento da sabedoria divina.
Hoje, nossas Igrejas possuem seus sacerdotes e doutores. Muitos
destes reconhecem o mistério que envolve a pessoa de Jesus. Os que não
reconhecem são aqueles que exercem funções ministeriais e magisteriais como
meros funcionários. Isto tem sido denunciado, incansavelmente, pelo papa
Francisco, desde o início de seu pontificado. Os estudos teológicos ao longo da
história são consideráveis, desenvolveram-se gradativamente e chegaram a um
nível admirável, mas não basta ser teólogo para conhecer o mistério de Jesus. Este
conhecimento não está restrito aos estudos teológicos, mas é vivencial. É preciso
se encontrar com Jesus. Além disso, é preciso abrir-se a ele. É necessário
participar da sua vida.
Até hoje permanece a tendência, entre os pobres do povo,
de se dar somente valor e ouvidos aos discursos dos doutores. Aqui me recordo
de um fato significativo. Certo dia, no Instituto onde eu cursava Teologia, foi
convidado para falar em uma semana teológica, um doutor em Bíblia. Seu discurso
foi longo e rigorosamente elaborado. O doutor tinha estudado no Pontifício
Instituto Bíblico de Roma. Parecia um profundo conhecedor das letras bíblicas. Ao
final da conferência, cheguei à conclusão de que era um doutor da lei, que
desconhecia a pessoa de Jesus. Suas palavras mostravam claramente que conhecia
intelectualmente Jesus, mas que não tinha se encontrado, ainda, com o Mestre de
Nazaré. Sua arrogância intelectual era repugnante. Falava de um Jesus que não
era o mesmo das narrativas evangélicas. Saí da conferência me perguntando: O
que realmente este homem aprendeu com seu doutorado em Sagradas Escrituras? Resposta:
Aprendeu a ser arrogante!
Por outro lado, temos na Igreja grandes mestres nas
Escrituras Sagradas, que além de ser doutos na compreensão intelectual, também
o são na vida. Aqui posso citar dois nomes que são reconhecidos na Igreja do
Brasil: um já falecido, Pe. José Comblin; outro ainda vivo, Frei Carlos
Mesters. O primeiro foi um dos maiores profetas da Igreja no nordeste
brasileiro. Sua obra teológica é incontestável. Exerceu a sua profecia com
liberdade e ousadia. Morreu unido a Jesus, e seu testemunho edifica a Igreja
dos Pobres. Era belga de nascimento e dotado de uma rara inteligência e
venerável humildade. O segundo, nasceu na Holanda e é frade carmelita, está com
83 anos de idade. Profundo conhecedor das Escrituras e o único no Brasil que
ousou traduzir a Bíblia para o povo, numa linguagem acessível. Não estamos
falando de tradução das letras, de uma língua para outra, mas da tradução do
seu significado, de sua mensagem de libertação. Sua obra é reconhecida por
todos como uma dádiva divina. É um dos profetas da Igreja no Brasil, respeitado
e querido por todos aqueles que se interessam por uma leitura transformadora da
palavra de Deus.
Ninguém precisa ser doutor em Bíblia ou em Teologia para compreender
os mistérios de Deus. É verdade que os estudos bíblicos e teológicos são
importantes, mas por si mesmos somente formam doutores. Para serem discípulos
missionários de Jesus, os doutores precisam se colocar no caminho de Jesus, e
isto não ocorre quando ficam isolados em seus confortáveis escritórios e
bibliotecas. A verdadeira sabedoria teológica nasce quando a Bíblia é lida no
lugar da manifestação de Deus na história: nas periferias do mundo. Neste santo
lugar, onde vivem os empobrecidos, o Espírito de Deus revela o mistério divino.
Misturado com os pecadores públicos, Jesus conheceu a sabedoria de Deus. As mulheres
e homens, inseridos nos lugares da manifestação de Deus, por meio do Espírito,
conhecem o mistério divino. O Espírito revela as profundezas de Deus a todo
aquele que se abre à sua ação. É algo que nenhuma palavra humana consegue
traduzir com plenitude, pois se trata de uma revelação misteriosa do mistério. Este
é aberto a todos, mas poucos conseguem penetrá-lo.
Por fim, eis algumas perguntas para a nossa meditação e
oração pessoal: Como tenho me relacionado com Jesus? Sou como os seus
conterrâneos? Reconheço e creio no mistério que envolve a sua pessoa? Sou seu amigo,
ou minha relação é superficial e, por vezes, ocasional? Tenho caminhado com
ele, ou somente o procuro quando preciso de um milagre? Creio na sua mensagem
de libertação, ou somente o admiro? Tenho seguido seus passos, ou somente
simpatizo-me com sua pessoa? Não basta rezar, ir à igreja, confessar-se e
comungar, “pagar” o dízimo e participar das festas religiosas, cumprir os
preceitos religiosos e ser piedoso. Jesus quer discípulos missionários, que
unidos a ele transformem este mundo naquilo que Deus quer: Um mundo de irmãos,
no qual se acabe a cultura da eliminação do outro. Ele nos convida a
participarmos de sua vida. É arriscado, mas é algo lindo de viver!
Tiago de França
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