segunda-feira, 13 de julho de 2015

O despojamento para a missão

“Recomendou-lhes que não levassem nada pelo caminho, a não ser um cajado; nem pão, nem sacola, nem dinheiro na cintura. Mandou que andassem de sandálias e que não levassem duas túnicas” (Mc 6, 8 – 9).

            Quando Jesus enviou seus discípulos em missão, dentre outras recomendações lhes pediu que se tornassem pessoas despojadas. Trata-se de uma das exigências da missão. Dificilmente esta pode ser realizada com êxito se não há despojamento. Para ser missionário, o cristão precisa ser livre. Sem despojamento não há liberdade para a missão. O próprio Jesus é o exemplo por excelência de missionário livre, e na liberdade cumpriu a missão que lhe foi dada pelo Pai: inaugurar no mundo o Reino de Deus.

            Tendo cumprido a vontade do Pai, Jesus quis que seus discípulos fizessem a mesma coisa. Para continuar a sua missão no mundo, os cristãos precisam trilhar os passos dele: Abraçar, definitivamente, o caminho da humildade e do despojamento. Ser despojado não significa vestir um hábito religioso, segundo o modelo medieval, e sair pelo mundo chamando a atenção das pessoas. Esta é uma das tendências de jovens religiosos que fundam comunidades neopentecostais no cristianismo atual. Não é deste tipo de despojamento que estamos falando. Este é um despojamento aparente que, na verdade, de despojamento não tem nada.

            O verdadeiro despojamento não é bem visto pela maioria dos cristãos. Muitos até acham bonito, mas não o desejam para si. Ter somente onde dormir, o que vestir e comer, saúde para manter-se vivo, ao estilo de vida dos pobres, constituem algo indesejável para a maioria. Aderir ao estilo de vida de Jesus: pobre, sem ter onde reclinar a cabeça. Aos olhos de muita gente, hoje em dia, tal coisa soa como exagero. É assim porque as pessoas procuram carro do ano, casas demasiadamente confortáveis, computadores e celulares de última geração, viagens nacionais e internacionais caras, roupas e adereços caros, altos salários etc.  

Isto ocorre tanto entre os seculares quanto entre muitos religiosos. Dizia-me, certa vez, um seminarista de uma grandiosa congregação religiosa: “Não vejo a hora de professar os votos, para eu ser um homem rico!” A partir do voto de pobreza, os religiosos tem todas as seguranças possíveis. O voto de pobreza os liberta da pobreza! Muitos levam uma vida simples, mas suas ordens e congregações são ricas. Quando adoecem, por exemplo, são atendidos nos hospitais caros, para tratamentos caríssimos, pois possuem ótimos planos de saúde. Se o leitor acha que é exagero, então procure uma congregação religiosa e informe-se sobre os direitos dos religiosos após a profissão solene dos votos. Neste sentido, se tais instituições religiosas não oferecessem tamanhas seguranças, o número dos jovens que as procuram seria bem menor.

            Os que são contrários à pobreza ensinada por Jesus, argumentam que ele não foi contra a riqueza, que comeu na casa de Zaqueu, que ensinou a abundância, que desejou vida digna para todos etc. É preciso que saibamos diferenciar pobreza de miséria. Jesus não pregou a miséria, mas a pobreza como condição fundamental para a missão. Para Jesus, os pobres são felizes, e a miséria deve ser erradicada. Miséria é a condição de vida que está abaixo da pobreza. Nela se encontram todos aqueles que não possuem as condições básicas para uma vida digna: os sem casa, sem trabalho, sem comida, os que não tem acesso à saúde etc. 

Quando Jesus fala de abundância, ele não está, de forma alguma, exaltando a vida dos ricos nem a riqueza. Vida em abundância é vida digna para todos, que todos possam ter o necessário para viver dignamente. Os adeptos da teologia da prosperidade ensinam que Jesus condenou a pobreza e defendeu a ideia de que todas as pessoas fossem ricas. Esta tese não encontra nenhum fundamento em Jesus e sua prática missionária. É pura invenção humana, portanto, deturpação do evangelho de Jesus.

Na Igreja, tanto para os que exercem a missão em vocações específicas (ministério ordenado e consagração religiosa) quanto para os demais serviços ao povo de Deus, a recomendação de Jesus é a mesma: Sede missionários pobres para o serviço dos pobres! Fora disso não há como ter uma Igreja verdadeiramente missionária e pobre. Nesta mesma linha, discorreu belamente o papa Francisco em sua encíclica Evangelii Gaudium. O grande e grave problema é que tanto as palavras de Jesus quanto as do papa Francisco são mais elogiadas que observadas. Causam muita comoção e pouca conversão. O estilo de vida de Jesus é exigente e radical, para manter-se nele é preciso permanecer em plena comunhão com ele; do contrário, não há como perseverar no caminho.

Por fim, eis algumas afirmações que resumem nossa meditação à luz do evangelho de Jesus:

1) Jesus pregou a pobreza com o testemunho da própria vida, e disse não à miséria. Ele não fez opção pelos pobres porque nasceu e viveu como pobre. Opção pelos pobres faz quem é rico, convertendo-se à pobreza. Deus, em seu infinito amor, optou pelos pobres ao fazer Jesus nascer entre os pobres, numa família pobre de Nazaré. Esta opção divina já acontece desde o Antigo Testamento. A revelação bíblica fala claramente, desde Abraão até Jesus, da opção de Deus pelos pobres;

2) Quem não vive o estilo de vida de Jesus é incapaz de segui-lo. Não adianta tentar justificar riqueza adquirida, lícita ou ilicitamente. O que vem além do necessário é supérfluo, portanto, empecilho para a missão;

3) A conversão estrutural e pastoral da Igreja passa, necessariamente, pela pobreza. Somente aderindo ao estilo de vida de Jesus, a Igreja será, verdadeiramente, a Casa e a Advogada dos Pobres. Enquanto estiver atrelada aos poderosos e a seu estilo de vida, sempre será olhada com desconfiança e seu discurso continuará não sendo escutado;

4) Jesus não condenou os ricos à perdição eterna, nem os excluiu do Reino de Deus, mas os chamou à conversão à pobreza. Sem esta conversão não adianta ser bom católico, pois fora dessa conversão não há autêntico cristão;

5)  Ser livre para a missão não é somente ser despojado de bens materiais, mas de toda espécie de sentimento e formas de proceder que escravizam: espírito de superioridade, arrogância, orgulho, vaidade, aspereza, inveja, ambição, apego ao poder e ao prestígio etc. O missionário livre conhece seus próprios limites, reconhece-se pecador e seu proceder é o de um irmão, não de um senhor da vida do outro. Apresenta-se como enviado por Jesus, portador de uma mensagem de vida e de liberdade. É sal e luz do mundo, como o seu mestre Jesus. Não tem medo de ser livre e na liberdade persevera até às últimas consequências. 

Tiago de França 

Nenhum comentário: