domingo, 13 de setembro de 2015

Tempos sombrios

“Dentro de mim uma voz dizia: - Continua procurando a presença de Deus!” (Sl 26, 9).

            O Espírito do Senhor é a força reveladora da vontade de Deus, que nos faz olhar este mundo, concedendo-nos a visão da realidade, e nesta se encontra Deus, trabalhando incansavelmente. Os céticos dirão que Deus, se existir, está sentado no seu trono, divertindo-se com os homens em guerra. Este não é o Deus de Jesus, mas dos céticos. Estes não entendem da dinâmica divina. O verdadeiro Deus e Pai de Jesus não age segundo a lógica desse mundo. Os eruditos deste mundo não conseguem compreender a pedagogia divina, pois tal compreensão foi reservado aos pequeninos e aos místicos.

            Vivemos em tempos sombrios: A morte reina no mundo, e os pecados se multiplicam: Vítimas inocentes, aos milhões, tombam. A terra está cansada de receber tanto sangue e tantos corpos dilacerados. Indígenas, imigrantes, refugiados, homossexuais, prostitutas, menores infratores, viciados... Há uma multidão de aflitos, desesperados, desorientados, que olham para um lado e para outro e não enxergam luz no fim do túnel... Há rios de lágrimas, jorrando em todas as partes da terra, por causa do luto e da dor... O povo de Deus em marcha, sofrendo diuturnamente, padece as dores do parto. Clamam, dia e noite, pela libertação. O que dizer diante de uma situação tão sombria e cruel?...

            Os descrentes procuram a solução no poder, no dinheiro, na sorte e até no acaso. Alguns pensam que tal situação é normal, que o mundo tem que ser assim mesmo. Para eles, seria inevitável tal situação. Neste sentido, vigora a lei do mais forte. Sobrevive quem pode, quem não pode deve morrer. Esta é a lógica do mundo, dominado pelo sistema capitalista: Não há lugar para pessoas financeiramente fracas e impotentes. Os detentores do poder que fazem o sistema vigorar não estão preocupados com a vida dos fracos e indefesos. Se estes puderem consumir, bem; se não podem, devem ser marginalizados porque não servem para nada. E assim, as pessoas vão sofrendo e morrendo, e o número é incalculável.

            Olhando para Jesus, despindo-o das roupagens religiosas, encontramos uma saída para todas as nossas crises. A solução é gratuita, mas exige renúncia. Aqui está o primeiro entrave da questão: Na pós-modernidade, as pessoas não gostam sequer de ouvir falar da palavra renúncia. Isto ocorre porque são apegadas a si mesmas, ao poder, ao dinheiro e ao prestígio. Sabem que tais coisas lhes fazem mal, mas insistem em continuar tomando o veneno. Há muita insanidade mental na pós-modernidade. A escravidão aos próprios instintos chegou em um nível tão terrível que as pessoas encontram alegria naquilo que somente gera sofrimento e morte. Estão dominadas, surdas e cegas. A situação é patologicamente grave. Uma grande parcela da humanidade está gravemente enferma, em fase terminal, na UTI.

            A solução que pode salvar toda a humanidade passa pelo sim e não pelo não. É tudo muito simples, mas exigente. Podemos nomear a proposta de Jesus: Amor. Trata-se de uma proposta que ultrapassa as fronteiras religiosas. Crentes e ateus podem vivê-la. Como é o amor ensinado por Jesus? Ele exige doação. Sem esta não há amor, mas aparência de amor. E aqui está o mal da maioria das pessoas que afirmam que se amam na atualidade: Amam, mas não se doam. Isto é uma contradição. Aí não há amor, mas aparência. É como aquela linda melancia, de uma casca bem colorida, mas que, por dentro, está podre, imprópria para o consumo. As pessoas cuidam da aparência, ficando lindas por fora, mas são podres por dentro: Cheias de malícia, maldade e confusão.

            São assim e ainda saem gritando para que todos escutem: “Eu sou feliz!” O que chamam de felicidade é, na verdade, o inferno já neste mundo. O curioso é que elas sabem que mentem, mas insistem na mentira. Há uma boa dose de masoquismo na vida de inúmeras pessoas. Elas se recusam à verdade e ao amor, optando pela mentira e pelo desamor. Facilmente, cometem atrocidades de toda espécie porque desconhecem o amor. Não dão amor porque o desconhecem, nunca ousaram conhecê-lo na prática. Então, segundo a proposta de Jesus, o primeiro passo seria uma purificação da realidade pessoal: Quem sou? O que procuro? Quero mesmo amar as pessoas? Eu amo a mim mesmo? Aceito-me como sou? O que quero quando saio de mim mesmo e caminho na direção do outro? Tenho caminhado na direção do outro, ou estou encerrado no egoísmo?...

            As pessoas precisam tomar uma decisão: Ou abrir-se ao amor-doação, ou continuar trilhando o caminho da morte. Somente há estes dois caminhos, e o tempo da vida é curto para perdermos tempo na indecisão. O amor-doação se vive no tempo e no espaço: Ele é real, não abstrato. Ele se manifesta na relação entre pais e filhos, fieis e pastores, patrão e empregado, vítima e ofensor, entre enamorados, na amizade, na cordialidade, no reconhecimento da importância e do lugar do outro. Manifesta-se, sobretudo, na solidariedade. Esta deveria permanecer em todas as relações entre os homens e na relação deste com a natureza. Quando o amor se manifesta, a pessoa se liberta. Ela sente o seu poder transformador. Ele não somente gera sensação de leveza e liberdade, como também desperta na pessoa uma vontade ainda maior de continuar amando. O amor se multiplica infinitamente na vida dos amantes.

            Quando o amor chega ao mais profundo do nosso ser, às nossas entranhas e coração, então estamos livres: Somos incapazes de odiar, de tratar o outro com frieza e indiferença, de tirar a vida do outro, de sentir inveja, de ridiculizar o outro, de perseguir, difamar, injuriar e caluniar, de sermos desonestos, mentirosos, ladrões, enfim, o amor nos torna incapazes do mal. Cremos que por este caminho chegaremos à nova humanidade, constituída de pessoas sadias e comprometidas com a justiça, com a verdade e com a liberdade. Por que tanta corrução e morte? Porque os seres humanos que estão envolvidos nestas realidades são pessoas desumanas, doentes, perturbadas, ambiciosas, cruéis, mentirosas etc.; e são assim porque se recusam ao amor. Ao invés de trilharem o caminho da doação, preferem viver em função da satisfação de seus desejos egoístas.

            Cremos na importância dos investimentos nos setores públicos, assim como no avanço da tecnologia, mas tais coisas, por si mesmas, não resolvem porque a maioria dos que lidam com elas é doente, são pessoas egocêntricas e ambiciosas. E estão em toda parte: na família, na religião, na política, na economia e nos diversos setores da sociedade. Os desvios de conduta ética e moral são assustadores. Somente o amor-doação é capaz de libertar as pessoas de seus desvios. As condenações judiciais e demais sanções são necessárias numa sociedade de gente desequilibrada, mas, por si mesmas, não resolvem. Podemos criar leis e sanções para toda espécie de crime, a história mostra que tais mecanismos não convertem o ser humano. Se todos buscassem amar, verdadeiramente, tais mecanismos seriam desnecessários. Precisamos, urgentemente, repensar as instituições a partir do amor-doação, pois somente assim o bem comum é preservado e promovido. Não adianta termos excelentes leis e boas instituições se os que nelas operam são doentes, dominados pela sede de prestígio, poder e riqueza.

            A esperança cristã aponta para o futuro. No amor, podemos construir um futuro feliz e uma humanidade nova. No amor, as pessoas são leves e livres, comprometidas e felizes. O mundo precisa de pessoas assim: Que trabalhem acreditando na possibilidade de outro mundo possível. Isto não é mera utopia, mas uma realidade possível. Se o mal ainda não tomou a totalidade da humanidade é porque temos pessoas que vivem o amor, que se doam em prol do próximo, que vivem na esperança. A recompensa de tudo isso é o próprio amor, pois nele está a recompensa para aqueles que o praticam. A linguagem humana é incapaz de traduzir a intensidade e os sentimentos internos das pessoas que recebem tal recompensa. É algo extraordinário, que faz o ser humano descobrir-se, evoluir, transcender-se, alcançar a verdadeira felicidade. Por isso, ao invés de nos entregarmos ao desânimo e às murmurações, entreguemo-nos ao amor, pois somente assim encontraremos o verdadeiro sentido da nossa vida, e este mundo se tornará menos cinzento e mais cheio de vida.

Tiago de França

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