sábado, 30 de janeiro de 2016

A missão dos profetas

“Em verdade vos digo que nenhum profeta é bem recebido em sua pátria” (Lc 4, 24).

            Deus escolhe algumas pessoas, lhes concede o dom da profecia e as envia em missão. Segundo as Escrituras, esta escolha e consagração acontecem já no ventre materno (cf. Jr 1, 4 – 5). Por isso, o profeta não é escolhido, consagrado e enviado por um homem ou por uma instituição religiosa, mas pelo próprio Deus. Isto significa que ele não pode deixar-se prender por nada, mas é orientado pelo Espírito de Deus, que o ilumina, guia e sustenta na missão. Este é o primeiro ponto a ser considerado na bela e arriscada vocação profética.

            Deus envia o profeta para determinada época e circunstâncias. Ele é enviado para transmitir a palavra de Deus, e esta palavra é colocada em sua boca pelo Espírito de Deus. Por isso, o profeta não pode anunciar suas próprias ideias, levando as pessoas a pensar que estas são palavras de Deus. Esta palavra é a única que salva e deve ser anunciada sobre os telhados, em alto e bom tom, com toda a clareza e liberdade possíveis. Humanamente, o profeta não tem força para nada. É uma pessoa entregue à força de Deus. Carrega consigo a força divina, que é o Espírito de Deus. Confia plenamente nesta força divina e não se apega às seguranças do mundo. Este é o segundo ponto a ser considerado.

                Há profetas dentro e fora das Igrejas e das religiões. Podem ser religiosos, ou não. Alguns frequentam o culto, outros não. Há até profetas que presidem o culto. Estes, geralmente são perseguidos pelas instituições religiosas porque exercem a profecia no interior da religião. Não há religião que aceite plenamente os profetas porque estes denunciam as infidelidades e os desvios que se cometem em nome de Deus. Muitas vezes, são expulsos das instituições religiosas, assim como Jesus foi expulso pelos seus próprios conterrâneos (cf. Lc 4, 28 – 29). Jesus despertou a fúria em seus conterrâneos e não foi tolerado. O profeta é um homem livre, é um peregrino da liberdade, entregue à vontade de Deus. Este é o terceiro ponto a ser considerado.

            Por ser livre e guiado pelo Espírito de Deus, enxerga o mundo com os olhos da fé. Contemplativo e ativo, anuncia o Reino de Deus, apontando para os sinais da presença de Deus no mundo. O Espírito de Deus lhe concede os dons da visão e do discernimento. Na oração e no contato com a realidade encontra a ação amorosa de Deus. Despojado de todo espírito de perturbação e desespero, o profeta é um homem de paz, um promotor da paz. Não de uma falsa paz, oriunda de meros acordos humanos, alicerçados em interesses pessoais e corporativistas; mas de uma paz que é fruto do anúncio do evangelho e da denúncia das injustiças que ceifam a vida do povo de Deus. Este é o quarto ponto a ser considerado.

            Por fim, alguns profetas chegam à coroa do martírio: São brutalmente assassinados por causa do Reino de Deus. Jesus, o Profeta dos pobres, foi assassinado na cruz. Sua morte é fruto de sua adesão à vontade de Deus Pai. O derramamento de sangue é como que a prova da fidelidade do profeta à missão recebida. Muitas vezes, o profeta sabe que seu sangue está prestes a ser derramado, mas permanece fiel. Pode até sentir medo e angústia, mas o Espírito de Deus o sustenta diante das perseguições, incompreensões, ameaças e agressões. O sangue dos profetas caído na terra faz os corações das mulheres e homens de boa vontade arder de alegria e júbilo, infundindo-lhes o dom da fé no Deus que permanece fiel. Este é o quinto e último ponto a ser considerado em nossa humilde reflexão.

            E, para concluir, é preciso considerar a alegria e a confiança do profeta em Deus. Quando reza, o profeta mergulha mais profundamente no seio da Trindade Santa. Muitas vezes, nada fala nem pensa, mas permanece em silêncio diante do mistério grandioso de Deus. Este vai se revelando, mostrando a sua beleza e o seu amor.  

O profeta é um místico que tem a graça de experimentar a beleza e o amor de Deus. E este mesmo Deus o toma para si, na liberdade que lhe convém, conquistando seu coração, amando-o infinitamente. Entregue ao gozo dessa alegria perfeita e libertadora, o profeta já não sente mais falta de absolutamente nada. E na sua bondade, Deus o assiste em suas fraquezas e necessidades. Desse modo, na contemplação do mistério do amor divino, o profeta permanece em plena sintonia com Deus, fazendo sua vontade, gozando da felicidade plena, sendo amigo de Deus, desde agora e por toda a eternidade...


Tiago de França

Na foto, José Comblin (1923-2011), profeta da liberdade.

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