quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Pastores e mercenários

“Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6, 24).

            A caridade evangélica nos ensina que não devemos julgar a fé do próximo. Somente Deus conhece a fé que reside no coração das pessoas. Por isso, nossa reflexão não é um julgamento sobre a fé, mas uma análise de um fenômeno social. A religião é este fenômeno social e cultural que pode ser submetido ao nosso juízo. Este juízo deve ser feito com humildade, liberdade e caridade. 

Não se trata de julgar no sentido condenatório do termo, mas de analisar a realidade à luz da genuína fé cristã, para descobrirmos aquilo que é de Deus e o que é dos homens. Inicialmente, é preciso afirmar, categoricamente, o seguinte: Religião é criação humana, e fé é dom gratuito de Deus para a salvação da humanidade. Não podemos, de forma alguma, confundir religião com fé, pois são duas realidades diferentes.  

            Nossa pretensão é denunciar o amor ao dinheiro presente nas Igrejas cristãs. Cremos que nenhuma delas está livre desse mal. Em todas encontramos pessoas que optaram por servir ao dinheiro em detrimento do serviço a Deus. Nossa denúncia se dirige a todos os cristãos que desprezam a Deus e se apegam ao dinheiro, especialmente aqueles que exercem ministérios em nossas Igrejas. Tanto na Igreja Católica quanto nas Igrejas denominadas evangélicas, encontramos pastores apegados ao dinheiro.

Pastores apegados ao dinheiro não são verdadeiros pastores, mas mercenários. Estes exercem seu ministério com um único objetivo: Ganhar dinheiro. E a realidade do Brasil tem mostrado que eles tem ganhado muito dinheiro. São milhões de reais adquiridos em nome de Jesus! Na verdade, eles não agem em nome de Jesus, pois não foram enviados para roubar o dinheiro do povo, mas para cuidar do rebanho do Senhor.

            Na Igreja Católica cresce cada vez mais o número dos padres cantores, que conseguem vender inúmeras cópias de seus CDs e DVDs, além dos contratos caríssimos para fazer shows. A destinação da fortuna arrecadada é duvidosa. Sabemos da aquisição de carros e casas de luxo; propriedades urbanas e rurais caríssimas; contas bancárias recheadas de dinheiro; sem contar a vaidade das vestimentas, do cuidado excessivo com o corpo através das cirurgias plásticas, entre outros adereços e usos que não se prestam a ministros consagrados para o anúncio da Boa Notícia do Pobre Jesus de Nazaré. Além dos padres cantores, nada comprometidos com as grandes causas do Reino de Deus, também encontramos outros padres, que como párocos e vigários (entre outros ofícios), exploram o povo de Deus, arrecadando e acumulando altas somas de dinheiro.  

Particularmente, conheço um padre, que deve ter seus dez ou quinze anos de ministério, e que já possui uma fortuna avaliada em alguns milhões de reais. E para completar, nas últimas eleições, foi eleito deputado estadual. Qualquer fiel que reze um Pai nosso bem rezado diariamente percebe, ao olhar nos olhos dele, a falta de vocação para o ministério ordenado. É um mercenário clássico: Sabe falar bonito, prega bem as próprias ideias, utiliza-se de paramentos caríssimos que impressionam os fieis, tem semblante piedoso, entre outras características. Os três nomes que tem ganhado maior destaque na mídia são o Pe. Fábio de Melo, Pe. Reginaldo Manzotti e o Pe. Alessandro Campos. Estes são padres cantores.

            Quando olho para os que são realmente mercenários, fico me perguntando: Será que este padre não tem bispo? Por que os bispos fazem silêncio diante de tamanho escândalo? Por que não escutam a exortação do Papa Francisco, que tem convidado a uma vida simples e despojada? Por que as pessoas se deixam tão facilmente enganar pelo discurso falacioso desses falsos pastores? Por que são tão protegidos e conseguem tanto sucesso? Será que não param para pensar a respeito do mal que fazem ao povo de Deus e à Igreja? Por que esta situação não é causa de protestos por parte dos católicos mais comprometidos com a evangelização do mundo? Por que não são expulsos dos seminários aqueles que explicitamente demonstram o interesse de trilhar o mesmo caminho? Por que não são obrigados a prestar contas do dinheiro que arrecadam em suas atividades? Para responder a estas e tantas outras perguntas seria necessário escrever uma obra volumosa, exclusivamente voltada para a abordagem dessa realidade tão perigosa. O problema é grave e amplo. Infelizmente, o número dos envolvidos não é tão pequeno como se imagina.

            No mundo ‘evangélico’ neopentecostal não é diferente. Podemos encontrar inúmeros pastores que vivem explorando o povo de Deus. Recentemente, em um dos canais de televisão, escutei de um deles a seguinte ‘revelação’: “O Senhor Jesus está me revelando que precisa de 300 mil dizimistas para doar um dízimo mensal de 300 reais!” Não duvido que conseguirá encontrar tais dizimistas. E após a suposta revelação, o suposto pastor foi aplaudido de pé pela multidão de fieis que o rodeava. Basta ligar a televisão para encontrá-los.

Eles exploram sem nenhum pudor. Arrecadam fortunas, que os tornam milionários. Pregam a prosperidade de vida: “Entrega a tua vida e os teus bens ao Senhor Jesus e ele tudo fará por ti!”. Esta é a lógica do discurso deles: Quanto mais você investir dinheiro na fé, mais ela tornará a pessoa bem-sucedida na vida. Para eles, a fé não está separada do dinheiro. Este é como que o combustível daquela. Esta é uma ideologia que não tem nada que ver com Jesus. Trata-se de um mal que Jesus condenava nos mestres da lei e fariseus de sua época.  

            Como saber se o pastor é verdadeiro ou falso? No evangelho segundo João, Jesus responde claramente (cf. Jo 10, 1 – 16): Pastor é aquele que entra pela porta, que chama as ovelhas pelo nome, que as conduz e que dá a vida por elas. E quem é o mercenário? É aquele que rouba, mata e destrói, que abandona as ovelhas quando ameaçadas pelo lobo. Pelas palavras de Jesus, todo pastor que não cuida das ovelhas do rebanho, na verdade, não é pastor, mas mercenário.  

Hoje, os mercenários não se importam com a situação espiritual de suas ovelhas. Não as conduzem a Deus, mas aproveitam-se delas para se enriquecerem. Utilizam-se de falsas promessas, falsas visões e revelações, falsas curas, e reflexões que distorcem o verdadeiro sentido da mensagem de Jesus. Investe-se principalmente nas supostas curas e na promessa de prosperidade. Ocupam-se também das supostas possessões diabólicas. Tudo converge para a constituição de um negócio que rende muito dinheiro, e que não se sabe ao certo o quanto é declarado à receita federal. Os três nomes de maior destaque e que estão entre os mais ricos são o Bispo Edir Macedo, da Universal do Reino de Deus; o apóstolo (é assim mesmo que se autodenomina!) Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus e o pastor Silas Malafaia, da Associação Vitória em Cristo.

            Afinal de contas, qual foi o mandato missionário de Jesus? “Ide e evangelizai” (Mc 16, 15): eis a missão dos verdadeiros discípulos missionários. Nenhum discípulo de Jesus recebeu dele a ordem para criar instituições que visassem arrecadar dinheiro em seu nome para o enriquecimento de líderes religiosos. O Cristianismo, com seu aparato institucional, que muitas vezes exige grandes somas de dinheiro para se manter, não é obra de Jesus. E quando este aparato institucional não está a serviço dos empobrecidos deste mundo, seu destino é fatal: Somente serve para promover e manter privilégios para pessoas e grupos determinados. Independentemente da função que ocupam (leigos e ordenados, fieis e pastores), todos possuem a mesma missão: Evangelizar. Esta é a missão de nossas Igrejas.  

Quando não evangelizam, desviam-se de sua missão fundamental, entregando-se às vaidades e apegos, fazendo alianças com os poderosos, reforçando, desse modo, as forças contrárias ao Reino de Deus, que operam neste mundo. O evangelho de Jesus nos convida à missão, assim como nos exorta a denunciarmos o mal do apego ao dinheiro no interior de nossas Igrejas e no mundo. Este apego não pode ser tolerado, pois provoca a destruição das comunidades cristãs, impedindo-as de seguir Jesus na opção pelos pobres, segundo a vontade de Deus. Tanto no mundo quanto no interior de nossas Igrejas, tal apego também gera corrupção de toda espécie, como as que temos assistido nos noticiários todos os dias.

Tiago de França

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