Era o dia 24 de março de
1980, durante uma celebração eucarística os militares mandam assassiná-lo. O arcebispo de El Salvador, na
América Central, estava exercendo a sua profecia: denunciava a ditadura dos
militares, que ceifavam a vida dos pobres. Sua profecia era forte: alegria dos
pobres. À luz do evangelho de Jesus, dom Oscar Romero pregava com a mesma
autoridade de Jesus.
A
rádio católica transmitia suas homilias. Seu conteúdo é admirável:
profundamente teológico, alicerçado na palavra de Deus e na genuína tradição de
Jesus. Denunciava, com coragem e ousadia profética, as mentiras e a violência
do sistema opressor. Chamado pelo papa João Paulo II para recolher-se ao
silêncio omisso e pecaminoso, em nome do evangelho desobedeceu. Santa desobediência!
Dom Oscar Romero estava consciente de sua missão, da sua
entrega pelo Reino. Sabia que corria riscos. As ameaças eram constantes e
quanto mais se intensificavam, mais ele proclamava o evangelho sobre os
telhados de El Salvador. Parte do clero de sua Igreja particular se colocou do
lado dos militares covardes e sanguinários. É sempre assim. Na Igreja de Jesus
todos os ministros são enviados, mas muitos se recusam a abraçar a missão.
O
medo e a covardia dominam muitos. Mesmo ungidos com o óleo santo, fecham-se ao
Espírito que clama desde as profundezas das periferias do mundo. E Jesus chamou
o arcebispo Oscar Romero para as periferias, para ver de perto as suas feridas
nos corpos dilacerados das vítimas. E o pastor fiel do povo de Deus ouviu, se
compadeceu e se aproximou para cuidar das feridas abertas com o óleo da
misericórdia. Não quis imitar o sacerdote e o levita da parábola do bom
samaritano. Quanta santidade!
Diante da dor dos pobres, que sem força assistem à
desmoralização política e ao risco de um golpe à democracia brasileira,
perguntamos pelos pastores do povo de Deus. O que estão fazendo? O que estão
falando? Como estão se posicionando? De que lado estão?... Há notas tímidas. Apoios
diplomáticos. Há uma sensação de que tal situação não é coisa para religião se
meter. Para que serve, então, religião? Para a realização ordenada de rituais? Para
construir templos religiosos em função da arrecadação financeira?...
Aloísio
Lorscheider, Helder Câmara, Antônio Fragoso, Luciano Mendes, Ivo Lorscheider,
Tomás Balduíno, Clemente Isnard... Quanta falta faz à vossa Igreja, meu Deus,
estes bispos! Na Contramão do evangelho, desde o santuário da Mãe Aparecida,
envergonhando o episcopado brasileiro, eis a fala de um bispo: “Irmãos e irmãs,
vamos pisar a cabeça da serpente, daqueles que se autodenominam jararacas!”
Posteriormente, no contexto da expressão, descobre-se que o bispo estava se
referindo, em plena liturgia, ao ex-Presidente Lula, um dos presidentes da
história republicana que mais ajudou na emancipação dos pobres. Quanta
hipocrisia religiosa!
Dom Oscar Romero tornou-se modelo de bispo para a Igreja
pós-Vaticano II. Homem aberto à ação de Deus, cumpriu sua missão até as últimas
consequências. Abrir-se à ação divina significa doar-se nas grandes causas do
Reino de Deus; significa escutar o chamado de Jesus e aderir ao seu caminho:
caminho estreito e perigoso; caminho de incompreensões e perseguições, de
martírio e de ressurreição. Dom Oscar Romero é uma testemunha fiel do Cristo
ressuscitado.
Com
o barco em alto mar, não voltou atrás. Seguiu adiante e recebeu a coroa do
martírio, participando da morte de Jesus e com Jesus foi ressuscitado. A sua
memória permanece viva para sempre. A Igreja na América Latina tem no seu
testemunho uma inspiração para continuar nas lutas do povo por libertação. Que a
celebração destes dias santos na liturgia da Igreja, possamos aprender com dom
Oscar Romero a sermos verdadeiros cristãos, mulheres e homens ressuscitados,
anunciadores da Ressurreição de Jesus desde a realidade das vítimas que,
diuturnamente, clamam por justiça em todas as partes do mundo.
Tiago de França
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