terça-feira, 28 de junho de 2016

Por que o deputado Jair Bolsonaro possui tantos admiradores no Brasil?

      Cremos que o leitor deve saber quem é Jair Bolsonaro. Trata-se de um deputado federal pelo PSC, do Rio Janeiro. Nascido em Campinas, em 1955, é militar da reserva e cumpre, atualmente, seu sexto mandato na Câmara dos Deputados. Nas últimas eleições, foi o deputado mais votado do Rio de Janeiro. É conhecido por defender a ditadura militar e por considerar a tortura uma prática legítima; é inimigo do comunismo e alinhado aos discursos de extrema-direita.

No dia 21 de junho se tornou réu por incitação ao estupro no Supremo Tribunal Federal, pois em dezembro de 2014, em discurso na Câmara, disse que não “estupraria” Maria do Rosário, ex-ministra de Direitos Humanos do governo Dilma, porque “ela não merecia”. Hoje, dia 28 de junho, o Conselho de Ética da Câmara instaurou processo contra ele por apologia ao crime de tortura. A instauração do processo no Conselho de Ética se deve ao fato de o deputado Jair Bolsonaro ter homenageado o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, reconhecido pela justiça brasileira como torturador no período da ditadura militar (1964 – 1985), ao proferir seu voto na votação de abertura do processo de impeachment na Câmara, realizada no dia 17 de abril deste ano.

Sucintamente, este é o perfil do mencionado deputado. Para conhecê-lo melhor basta escutar seus discursos na Câmara e nas entrevistas que concede aos jornais e nas redes sociais. A respeito das duas situações apontadas no parágrafo anterior, que o levaram aos processos devidamente instaurados, cremos que não precisamos nos demorar muito para que o leitor perceba que se tratam de situações criminosas. Quando um homem se dirige a uma mulher, afirmando que não a estupra porque ela não merece, fica patente a incitação ao estupro. E se ela merecesse, ele a estupraria? Esta é a pergunta que revela a incitação.

Qualquer pessoa pode sentir vontade de estuprar alguém. A mera vontade, por mais doentia que seja, uma vez não exteriorizada nem materializada não constitui crime. Sentir vontade de matar uma pessoa não é crime, mas ameaçar e matar uma pessoa é crime. O mesmo se pode falar do estupro. No estado democrático de direito, no qual as pessoas tem o direito de ser respeitadas na sua dignidade, constitui crime qualquer incitação à violência, principalmente a violência de ordem sexual. No caso em questão, o deputado faltou com o respeito em relação a parlamentar. De acordo com as regras que norteiam a conduta no parlamento, a situação constitui crime e quebra de decoro parlamentar.

A imunidade parlamentar não confere respaldo a nenhum parlamentar cometer incitação ao crime. Considerando que a imunidade não é absoluta, nenhum parlamentar pode se utilizar dela para cometer crimes. Tal imunidade, prevista no art. 53 da Constituição da República, imuniza o parlamentar por suas palavras, opiniões e votos no exercício do mandato. Isto significa que a Constituição deseja resguardá-lo para que efetue sem embaraço o seu mandato, a serviço do bem comum. Portanto, quando o parlamentar se aproveita de tal imunidade para exteriorizar seus preconceitos e fobias, entende-se que a imunidade não o alcança. Afinal de contas, nenhum parlamentar digno de respeito necessita de recorrer ao preconceito e às fobias para o exercício ético de seu mandato.

O mesmo podemos afirmar quanto à homenagem feita pelo deputado Jair Bolsonaro ao falecido coronel Brilhante Ustra. Este coronel do Exército Brasileiro foi condenado, em 2008, pelo juiz Gustavo Santini Teodoro, da 23ª Vara Cível de São Paulo, por sequestro e tortura. Ele era chefe do DOI-CODI do II Exército, em São Paulo, órgão encarregado da repressão aos opositores da ditadura militar. Portanto, o coronel foi devidamente reconhecido como torturador.

Em plena Câmara dos Deputados, ao homenageá-lo, o deputado Jair Bolsonaro fez apologia à tortura. Isso é indiscutível. Se homenagear um torturador não constitui apologia à tortura, então constitui o quê? Patriotismo? Saudosismo? Mera opinião?... E para confirmar a veracidade do crime, ao prestar homenagem ao torturador, o deputado fez questão de acrescentar que o dito coronel era “o pavor de Dilma Rousseff”. Este acréscimo se deve ao fato de a Presidenta afastada ter sido torturada durante a ditadura militar. Isso não constitui apologia ao crime de tortura? Claro que sim. E se é apologia ao crime de tortura, o deputado quebrou o decoro parlamentar e seu mandato deve ser cassado na forma da lei.

Tendo analisado ambas as situações, vamos tentar responder à pergunta que intitula o presente artigo. O que significa admirar uma pessoa? Admira-se aquilo com o qual se identifica. Há uma identificação entre o admirador e o admirado. Por isso, é correto afirmar que quando admiramos alguém estamos nos identificando com a maneira de ser deste alguém. A via oposta também é verdadeira: Quando alguém nos desagrada, procuramos evitar porque justificamos que o que desagrada faz mal, não edifica. Sendo assim, os admiradores do deputado Jair Bolsonaro se identificam com ele, pois o consideram interessante. Aliás, mais do que interessante, o consideram como alguém digno de ser escutado, aplaudido e venerado. A veneração à sua imagem é tão grande, que se passou a cogitar a possibilidade de sua candidatura à Presidência da República. Para nós, isto é um grave problema e continuaremos demonstrando os motivos.

Somos um País formado por um povo conservador e violento. A imagem que se vende do Brasil, de que somos um povo pacífico e acolhedor, é falsa. Somos um povo sangrento. Os índices da violência estão aí para confirmar nossa tese. Segundo o Atlas da Violência 2016, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, somente em 2014, foram assassinadas quase 60 mil pessoas no Brasil (59.627 homicídios). Somos um povo intolerante. Ignoramos as manifestações das diferenças culturais. Matamos pessoas por causa de sua orientação sexual, por causa de sua religião e por causa de sua condição social, entre outros fatores. Ainda consideramos o negro inferior ao branco. Cremos que por ser negra, a pessoa tende naturalmente ao crime. Enfim, são inúmeros os absurdos que se praticam entre nós.

Na política, podemos encontrar bancadas parlamentares intituladas “bancada da Bíblia”, “bancada da bala”, “bancada evangélica”, entre outras expressões do conservadorismo político. Misturamos política e moral. Insistimos na ideia de que a política precisa ser norteada por doutrinas religiosas, especialmente as mais fechadas, conservadoras e, portanto, ultrapassadas. Temos um discurso conservador, mas nossa conduta é duvidosa. O famoso “jeitinho brasileiro” revela a ética que vigora em nosso País: Ética da conveniência. A ética daquilo que me convém não constrói um País justo e fraterno, mas apenas legitima a continuidade da má política, que está a serviço da opressão dos mais fortes sobre os mais fracos.

Este espírito conservador e corrompido está por trás da admiração que muitas pessoas tem pelo deputado Jair Bolsonaro. Esta é a primeira premissa reveladora. Quem possui o mínimo de entendimento do significado de democracia, liberdade, direitos humanos, ética (não a da conveniência), autenticidade, integridade, reta intenção, diversidade etc., não se identifica com políticos da qualidade do Jair Bolsonaro. Não há democracia que sobreviva ao discurso ultraconservador. Por essência, todo conservador é antidemocrático porque não aceita a diversidade da cultura, da religião, dos modos de ser, de pensar e de viver. A pessoa conservadora não aceita o novo porque deseja conservar o que considera a verdade absoluta e inquestionável. Não é aberta ao diferente que as circunstâncias oferecem, diuturnamente.

Uma segunda premissa que precisa ser considerada é a sede de vingança que impera na sociedade brasileira. “Bandido bom é bandido morto!” Esta é a fala dos conservadores em matéria de violência. Defende-se a pena de morte, a prisão perpétua, a tortura e a lei do talião como instrumentos necessários para a erradicação da violência. Na verdade, tais instrumentos já constituem violência contra o ser humano. Nos Estados Unidos da América, onde vigora a pena de morte em alguns estados, podemos encontrar a maior população carcerária do planeta. Nos Estados Unidos, são mais de dois milhões de encarcerados. Isto é apenas um dos elementos que provam que a pena de morte não reduz a violência em lugar nenhum do mundo.

Não se resolve o problema da violência prendendo, torturando e matando pessoas. Quanto mais se prende, mais aparecem pessoas para serem presas. Violência somente gera violência. Os noticiários estão aí, diuturnamente, nos mostrando que somos uma nação sedenta de sangue, e o derramamento de sangue tende a aumentar porque queremos mais sangue. As pessoas não tem nenhum pudor em afirmar que são favoráveis à violência. Vivemos na cultura da eliminação do mais fraco. Sobrevive quem é forte.

Na Alemanha nazista, Hitler dizia que pessoas fracas não servem para viver, precisam ser eliminadas. Esta mentalidade ganhou o mundo. Em nossas relações interpessoais, somos vingativos. Se alguém nos incomoda e nos faz o mal, então procuramos estratégias para destruí-la, para eliminá-la do nosso campo de visão. Curiosamente, esta forma de pensar e de agir está presente no maior país cristão do mundo: o Brasil! De modo geral, os cristãos invocam Jesus, mas não aderem à cultura da paz ensinada por ele. O deputado Jair Bolsonaro se diz cristão, mas é a favor da tortura de seres humanos! Quem tem sede de sangue e se identifica com a cultura da eliminação do outro, o admira e venera.

Muitas outras premissas poderiam ser levantadas, mas estas são as principais, as mais reveladoras do que estamos assistindo hoje. Considerando o conservadorismo reinante no parlamento brasileiro, os pares do deputado Jair Bolsonaro irão absolvê-lo. Talvez o Supremo Tribunal Federal, formado por juízes togados, o condene. Talvez. Assim nos pronunciamos porque o Supremo tem decidido estranhamente em alguns casos, sem nenhuma preocupação com a justiça de muitas decisões. Por isso, queremos finalizar este breve artigo, indicando um possível remédio para a cura do mal da política brasileira. E que mal é este? O mal da política separada da ética, separada da promoção do bem comum e da dignidade da pessoa humana.

Em 1968, Paulo Freire, pensador da educação para a liberdade, publicou uma obra intitulada Pedagogia do Oprimido, na qual podemos encontrar o seguinte pensamento: “Somente quando os oprimidos descobrem o opressor, e se engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos, superando, assim, sua “convivência” com o regime opressor. Se esta descoberta não pode ser feita em nível puramente intelectual, mas da ação, o que nos parece fundamental é que esta não se cinja a mero ativismo, mas esteja associada a sério empenho de reflexão, para que seja práxis”. O que ele quis dizer com estas palavras? Vamos ousar algumas afirmações que podem traduzir o pensamento deste grande cientista da educação que, infelizmente, é tão esquecido por nós.

Primeiro, é preciso descobrir o opressor. Quem está oprimindo? Se as pessoas não conseguem enxergar a opressão, então jamais conseguirão se libertar. Quem não consegue detectar o opressor corre o risco de ver nele alguém que ajuda, que beneficia, sem o qual não se pode viver.

Segundo, é preciso engajamento de forma organizada, luta. Engajamento é sinônimo de ação no meio do mundo. A vida humana é ação e é na ação que o homem se transforma e se liberta. Trata-se de uma ação organizada, associada, planejada. Não estamos falando de movimento de gente arruaceira que não sabe o que quer. Isto não é ação, mas exposição ao ridículo, como temos assistido em muitas manifestações no Brasil.

Terceiro, é necessário crer em si mesmo. A crença em si mesmo supera a conivência com tudo aquilo que oprime e aliena. Crer em si mesmo é descobrir-se nas próprias capacidades. Não estamos falando de isolamento no próprio ego. Não se trata de egolatria. Não somos ilhas, somos interdependentes.

Por fim, é necessária reflexão, muita reflexão. Refletir sobre si mesmo e sobre o mundo. Levar a sério o empenho de reflexão significa descobrir as causas que levam à ocorrência dos fatos e aos contextos. Não existe libertação possível na negação do pensar.

Aos admiradores do deputado Jair Bolsonaro, resta-nos fazer um convite: Pensem sobre as seguintes perguntas, que julgamos fundamentais: Por que o admiro? O que há na personalidade dele que tanto me atrai? Por que somos idênticos na forma de pensar? Esta maneira de pensar é capaz de promover a igualdade entre as pessoas? Por que toda unanimidade tende ao retrocesso? Por que não ouso discordar? Vale a pena ser violento?... As possíveis respostas a estas perguntas, quando feitas na sinceridade a na verdade, podem ajudar muitas pessoas a se libertarem da imagem deste opressor de nosso cenário político. Estas são as provocações que pensamos em compartilhar no curto espaço destas reflexões.

Tiago de França 

Nenhum comentário: