No Brasil, celebra-se hoje,
16 de agosto, o dia do filósofo. Quem é o filósofo e o que ele faz? O filósofo
é um homem do pensamento e da ação refletida. É falsa a ideia de que o filósofo
vive no mundo das ideias, distante da realidade. Pelo contrário, trata-se de
alguém que está inserido na realidade e a enxerga de forma profundamente
reflexiva. Em outras palavras, o filósofo é alguém que enxerga a vida como ela
é, e isto é profundamente filosófico.
Ocupado com a perigosa arte de pensar, o filósofo vive,
permanentemente, analisando a realidade, procurando compreendê-la na sua
simplicidade. Não é verdade que os filósofos falam de coisas de outro mundo. O seu
mundo é o mundo de todos. Em relação aos demais homens, qual é o seu
diferencial? O filósofo não aceita as coisas dadas, tais como elas aparecem. Ele
aceita a realidade, desvelando-a, portanto, tirando-lhe o véu. Procura nas
entrelinhas o sentido e o alcance de todas as coisas. Nada lhe é indiferente. Tudo
pensa e reelabora.
A mente do filósofo é esclarecida porque alcançou a
maioridade intelectual. É alguém que está muito além do senso comum. Desconfia e
questiona toda espécie de unanimidade. Discorre sobre qualquer assunto porque
sobre tudo se interessa: política, economia, arte, religião, matemática,
música, enfim, a cultura humana de modo geral. O filósofo é alguém que faz a experiência
permanece do despertar. Vive acordado e não se entrega à ilusão. Aparentemente,
nada há nele nada que aparente anormalidade, mas não se confunde com a
normalidade do comum dos mortais. Sem sentir-se superior a ninguém, vive a
dimensão extraordinária da vida.
O filósofo não sabe viver sem que esteja ocupado com algum
pensamento. Esta é a sua distração. Nele não há dispersão, mas imersão. Não se
identifica com o superficial, mas com aquilo que é essencialmente complexo. Enquanto
os demais homens se ocupam com a especificidade de seus afazeres e somente se
habituam a saber fazer algo de útil à vida humana, o filósofo está ocupado com
a busca da verdade de todas as coisas, inclusive da própria verdade. É alguém
que descobriu que pode mergulhar em si mesmo, naquilo que há de mais sombrio,
fascinante, intrigante e revelador.
A observação das pessoas e de seus contextos lhe é tarefa
peculiar. Seu instrumento de trabalho é a razão que desconhece limites. É figura
sofisticada, que gosta de aventurar-se nas trilhas do saber. Toma consciência de
que quanto mais conhece, mais o saber lhe escapa. Não aceita respostas prontas
e dogmáticas, mas prefere apegar-se à pergunta. E é assim porque sabe que a
pergunta não permite apegos, mas deslocamentos constantes e desafiadores. Não é
necessariamente ateu. O ateísmo é uma escolha, não é uma consequência do ser
filósofo. Quando crente, reelabora a crença em Deus, despindo-o das armadilhas
ilusórias das construções conceituais oriundas das culturas dos povos.
O filósofo é homem da linguagem e da alteridade. Domina a
palavra numa tentativa infinita e instigante de expressar o que pensa e o que
sente, na certeza humilde de reconhecer-se limitado em sua tarefa de
expressividade. Não há conceito que enquadre o seu pensar e seu agir. Sua mente
e personalidade não se submetem ao juízo dos homens.
Não se
sente julgado ou qualificado por ninguém. É livre e dado à liberdade. Aí está o
tom misterioso de sua identidade. Não tem medo da verdade, mas vive em função
de sua busca. Não depende dos títulos universitários e das honrarias para ser
reconhecido como tal. Este reconhecimento não constitui a meta de sua vida. No filósofo
autêntico não há vaidade porque é pessoa da procura, e quem procura ainda não encontrou
plenamente o que busca, e se não encontrou, não tem a posse de nada. No fim da
vida, o filósofo conclui sua jornada do jeito que a iniciou: com um forte
desejo de saber mais como as coisas realmente são. Este espírito inquietante de
busca da verdade é a sua riqueza, e não há prisão neste mundo capaz de aprisioná-lo
na sua jornada.
Na minha
experiência pessoal, encontrei-me com a filosofia. Fui iniciado nela. Não de
qualquer jeito, mas com gosto e identificação. Hoje, ela não me larga mais. Para
onde olho e para onde me dirijo, em tudo a encontro. Ela obrigou-me a voltar-me
para dentro de mim mesmo, numa aventura desafiadora. Tenho descoberto muitas
coisas e enxergado muitas dimensões. Trata-se de um espanto e encantamento que não
passam.
É tarefa
de gente corajosa, que tem sede de sentido, de autenticidade e tranquilidade de
espírito. Os pensadores da tradição filosófica muito me ajudaram e ajudam, mas
há uma tarefa que é somente minha: a de encontrar e experimentar o sentido
último da minha vida e da vida como um todo. A filosofia é a única capaz de
apontar a direção. Como não sou um filósofo ateu, a teologia ajuda-me a pensar
e a sentir o verdadeiro gosto da vida; vida que é dom e felicidade, aqui e a
agora. Isto é ser filósofo.
Tiago
de França
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