terça-feira, 16 de agosto de 2016

O filósofo e o filosofar

       
       No Brasil, celebra-se hoje, 16 de agosto, o dia do filósofo. Quem é o filósofo e o que ele faz? O filósofo é um homem do pensamento e da ação refletida. É falsa a ideia de que o filósofo vive no mundo das ideias, distante da realidade. Pelo contrário, trata-se de alguém que está inserido na realidade e a enxerga de forma profundamente reflexiva. Em outras palavras, o filósofo é alguém que enxerga a vida como ela é, e isto é profundamente filosófico.

       Ocupado com a perigosa arte de pensar, o filósofo vive, permanentemente, analisando a realidade, procurando compreendê-la na sua simplicidade. Não é verdade que os filósofos falam de coisas de outro mundo. O seu mundo é o mundo de todos. Em relação aos demais homens, qual é o seu diferencial? O filósofo não aceita as coisas dadas, tais como elas aparecem. Ele aceita a realidade, desvelando-a, portanto, tirando-lhe o véu. Procura nas entrelinhas o sentido e o alcance de todas as coisas. Nada lhe é indiferente. Tudo pensa e reelabora.

       A mente do filósofo é esclarecida porque alcançou a maioridade intelectual. É alguém que está muito além do senso comum. Desconfia e questiona toda espécie de unanimidade. Discorre sobre qualquer assunto porque sobre tudo se interessa: política, economia, arte, religião, matemática, música, enfim, a cultura humana de modo geral. O filósofo é alguém que faz a experiência permanece do despertar. Vive acordado e não se entrega à ilusão. Aparentemente, nada há nele nada que aparente anormalidade, mas não se confunde com a normalidade do comum dos mortais. Sem sentir-se superior a ninguém, vive a dimensão extraordinária da vida.

        O filósofo não sabe viver sem que esteja ocupado com algum pensamento. Esta é a sua distração. Nele não há dispersão, mas imersão. Não se identifica com o superficial, mas com aquilo que é essencialmente complexo. Enquanto os demais homens se ocupam com a especificidade de seus afazeres e somente se habituam a saber fazer algo de útil à vida humana, o filósofo está ocupado com a busca da verdade de todas as coisas, inclusive da própria verdade. É alguém que descobriu que pode mergulhar em si mesmo, naquilo que há de mais sombrio, fascinante, intrigante e revelador.

        A observação das pessoas e de seus contextos lhe é tarefa peculiar. Seu instrumento de trabalho é a razão que desconhece limites. É figura sofisticada, que gosta de aventurar-se nas trilhas do saber. Toma consciência de que quanto mais conhece, mais o saber lhe escapa. Não aceita respostas prontas e dogmáticas, mas prefere apegar-se à pergunta. E é assim porque sabe que a pergunta não permite apegos, mas deslocamentos constantes e desafiadores. Não é necessariamente ateu. O ateísmo é uma escolha, não é uma consequência do ser filósofo. Quando crente, reelabora a crença em Deus, despindo-o das armadilhas ilusórias das construções conceituais oriundas das culturas dos povos.

        O filósofo é homem da linguagem e da alteridade. Domina a palavra numa tentativa infinita e instigante de expressar o que pensa e o que sente, na certeza humilde de reconhecer-se limitado em sua tarefa de expressividade. Não há conceito que enquadre o seu pensar e seu agir. Sua mente e personalidade não se submetem ao juízo dos homens.

Não se sente julgado ou qualificado por ninguém. É livre e dado à liberdade. Aí está o tom misterioso de sua identidade. Não tem medo da verdade, mas vive em função de sua busca. Não depende dos títulos universitários e das honrarias para ser reconhecido como tal. Este reconhecimento não constitui a meta de sua vida. No filósofo autêntico não há vaidade porque é pessoa da procura, e quem procura ainda não encontrou plenamente o que busca, e se não encontrou, não tem a posse de nada. No fim da vida, o filósofo conclui sua jornada do jeito que a iniciou: com um forte desejo de saber mais como as coisas realmente são. Este espírito inquietante de busca da verdade é a sua riqueza, e não há prisão neste mundo capaz de aprisioná-lo na sua jornada.

Na minha experiência pessoal, encontrei-me com a filosofia. Fui iniciado nela. Não de qualquer jeito, mas com gosto e identificação. Hoje, ela não me larga mais. Para onde olho e para onde me dirijo, em tudo a encontro. Ela obrigou-me a voltar-me para dentro de mim mesmo, numa aventura desafiadora. Tenho descoberto muitas coisas e enxergado muitas dimensões. Trata-se de um espanto e encantamento que não passam.

É tarefa de gente corajosa, que tem sede de sentido, de autenticidade e tranquilidade de espírito. Os pensadores da tradição filosófica muito me ajudaram e ajudam, mas há uma tarefa que é somente minha: a de encontrar e experimentar o sentido último da minha vida e da vida como um todo. A filosofia é a única capaz de apontar a direção. Como não sou um filósofo ateu, a teologia ajuda-me a pensar e a sentir o verdadeiro gosto da vida; vida que é dom e felicidade, aqui e a agora. Isto é ser filósofo.

Tiago de França

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