terça-feira, 27 de setembro de 2016

As dificuldades do amor humano

Seria o amor contraditório? Por que as pessoas dizem que se amam e, de repente, se veem odiando? Por que, tão fácil e rapidamente, saem de uma situação amorosa intensa para uma situação de total indiferença?

O ser humano conhece mesmo o amor, ou tudo não passa de uma projeção de sua mente? Por que as pessoas optam pelas ilusões ao invés de abraçarem o amor? O que impede o amor fluir na vida humana? Qual será seu maior inimigo?

Teríamos que escrever uma obra volumosa para responder a estas perguntas e, mesmo assim, ficaria muita coisa para ser dita. As reflexões sobre o amor tendem ao infinito porque o amor não se deixa engessar nos conceitos oriundos da linguagem humana. Mesmo assim, ousemos algumas afirmações que podem, pelo menos, apontar um horizonte de compreensão.

Atualmente, o dado preocupante é: os relacionamentos duram muito pouco. Amizades, namoros, noivados, casamentos etc. É verdade que, na vida, nada dura para sempre. Mas é verdade também que nunca na história humana, os relacionamentos duraram tão pouco como nos dias atuais.

Hoje, tudo se desfaz num estalo de dedos! Emprega-se o verbo descartar também para as pessoas. Estas são descartadas como um copo descartável, que depois de usado é jogado no lixo. Muitas vezes, sem nenhum sentimento e sem peso na consciência, as pessoas dizem: “Ah, depois de certo tempo não curti permanecer com ele/ela, então descartei!”

O tempo atual é marcado pela coisificação das pessoas em todos os setores da vida humana. No campo dos afetos a realidade é assustadoramente desumana. Esta é uma das marcas mais vergonhosas do nosso tempo.

A análise de todas as causas que provocam esta situação vergonhosa sempre conduz a uma causa maior, que é comum a todos os casos: um profundo egoísmo que se manifesta na satisfação descarada dos interesses pessoais. Não se trata do interesse de ser feliz, mas do interesse de ser feliz apesar do outro, aproveitando-se do outro, em detrimento do outro.

Estar com o outro sem a preocupação se este realmente está feliz. Neste sentido, as pessoas poderiam encarar a seguinte pergunta, respondendo-a com sinceridade e verdade: o que realmente procuro quando me relaciono com as pessoas? O que busco na amizade, no namoro, no casamento, nas minhas relações interpessoais?

O amor tem uma característica que não pode jamais estar ausente da relação entre as pessoas que se amam: a gratuidade. Onde não há gratuidade, não há amor.

Como se pratica a gratuidade? É tudo muito simples. O amor enquanto gratuidade se revela quando a pessoa deixa o outro livre. A pessoa se recusa a dominar o outro. Não existe gratuidade sem liberdade. Esta revela àquela.

Em tudo o que faz, pensa e fala, a pessoa deixa o outro livre. Onde há amor de verdade as pessoas são livres, e esta liberdade gera um ambiente de muita confiança e tranquilidade. O outro não se sente sufocado e coagido, mas se sente bem, sendo o que realmente é.

Ser o que realmente é: eis a consequência da liberdade nos relacionamentos verdadeiramente alicerçados no amor. Sem liberdade, o outro passa a mentir porque termina exercendo papeis, sendo aquilo que não é, escondendo a sua verdadeira personalidade. A partir daí o relacionamento se transforma numa mentira, e esta não dura por muito tempo.

O ser humano, muitas vezes, é tão masoquista, que consegue passar toda uma vida num relacionamento sem amor. Por exemplo, em um casamento. Há casais que iniciam o namoro, casam-se, tem filhos, chegam à velhice e morrem sem jamais ter conhecido o amor. É assustador, mas isso existe. Passa-se a vida inteira alimentando uma aparência de amor.

É o tipo de casamento que existe em função da sociedade, para que todos possam ver que há amor e felicidade, sendo que, na verdade, o amor nunca esteve presente e somente há sofrimento. Observando muitas famílias, é o que podemos ver: inúmeros casais mergulhados no sofrimento, insistindo na ilusão, amarrados por laços de interesses.

Falta a coragem necessária para trilhar o caminho da libertação. Muitos cônjuges até dizem: “Para onde vou à essa altura da vida? Vou ficar por aqui mesmo. Não sou feliz, mas me sinto seguro/a. Não quero me arriscar”. Esta é a expressão típica de quem encontrou segurança, mas não amor e felicidade no casamento.

Desse modo, vemos que o egoísmo não é compatível com o amor. Os que estão livres do mal do egoísmo são chamados a aprender a lidar com aquilo que é diferente no outro. Este é um desafio a ser vivido cotidianamente.

Considerando que toda pessoa é única no seu jeito de ser e de compreender a vida, os casais precisam praticar as virtudes da tolerância e da compreensão. Compreender para tolerar: eis uma virtude a ser adquirida com o hábito.

A virtude exige reciprocidade. Se somente uma das partes a pratica, o relacionamento não dura. Em todo relacionamento há erros e desentendimentos. O conflito é inerente à condição humana. O problema não é o erro, mas o que as pessoas fazem ao errar.

Há pessoas que se aproveitam do erro do outro para livrar-se dele. Neste caso, o erro não passa de uma desculpa; desculpa que será usada para tentar justificar o fim do relacionamento. Este tipo de desculpa é muito utilizado por pessoas oportunistas.

Os casais que se amam verdadeiramente, aproveitam as ocasiões de erros e desentendimentos para refletirem melhor sobre a vida que levam. E aqui aparece outro valor imprescindível que acompanha o verdadeiro amor: a humildade. Nos relacionamentos, quando a humildade está presente, praticamente tudo é superável.

Quem errou, ou provocou o desentendimento deve ser humilde para reconhecer sua culpa; e quem foi vítima da situação provocada também deve ser humilde para perdoar e acolher o outro em seu arrependimento. Onde não há humildade não existe tolerância.

A pessoa humilde tem a profunda convicção de que todo mundo comete erros, em menor ou maior grau, e sabe que todos necessitam da compreensão e do acolhimento. Nenhum relacionamento sobrevive sem acolhida e compreensão recíprocas. A reciprocidade deve ser uma regra para a boa convivência.

Para isto, é preciso renunciar ao orgulho e à arrogância e abraçar a humildade. Pessoas orgulhosas e arrogantes podem até falar bonito sobre o amor, mas não conseguem amar e, por isso mesmo, vivem na solidão e são infelizes.

O amor não é abstrato, não é uma teoria, mas é uma experiência inerente à condição humana. Toda pessoa nasceu para amar e ser amada. É no amor que as pessoas se realizam e encontram a felicidade. E esse amor se manifesta de várias formas. É da essência do amor a pluralidade de manifestação.

O amor não tolera homogeneidade. Saber lidar com o diferente faz parte da arte do bem viver. Em todos os tipos de relacionamentos não se convive com o que é igual, mas com o diferente. Nenhum ser humano é cópia perfeita do outro. Somos singulares e irrepetíveis, e jamais a humanidade deixará de ser plural.

O amor sempre exige saída de si mesmo na direção do outro. Sem essa saída de si mesmo é impossível amar o outro. Mas, sair para fazer o quê? Para cuidar do outro. O cuidado é a característica fundamental do amor. É a forma concreta de como ele se manifesta.

O cuidado é como que a materialização do amor. As pessoas falam e fazem declarações de amor, e só há verdade nestas falas e declarações se forem acompanhadas do cuidado. Este constitui ação desinteressada, visando somente o bem-estar do outro, a sua felicidade.

Cuidar é sentir-se responsável pelo outro, mas não se resume semente no sentir, mas deve-se demonstrar tal responsabilidade na ação. No dia em que as pessoas se libertarem do egoísmo, aprender a compreender e tolerar o outro, e se decidir pela responsabilidade para com este outro, então o amor será a palavra de ordem de suas vidas, e as contradições da condição humana serão gradativamente superadas. Somente assim a felicidade se tornará possível.


Tiago de França

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