Seria o amor
contraditório? Por que as pessoas dizem que se amam e, de repente, se veem
odiando? Por que, tão fácil e rapidamente, saem de uma situação amorosa intensa
para uma situação de total indiferença?
O ser humano conhece
mesmo o amor, ou tudo não passa de uma projeção de sua mente? Por que as
pessoas optam pelas ilusões ao invés de abraçarem o amor? O que impede o amor
fluir na vida humana? Qual será seu maior inimigo?
Teríamos que
escrever uma obra volumosa para responder a estas perguntas e, mesmo assim,
ficaria muita coisa para ser dita. As reflexões sobre o amor tendem ao infinito
porque o amor não se deixa engessar nos conceitos oriundos da linguagem humana.
Mesmo assim, ousemos algumas afirmações que podem, pelo menos, apontar um
horizonte de compreensão.
Atualmente, o
dado preocupante é: os relacionamentos duram muito pouco. Amizades, namoros,
noivados, casamentos etc. É verdade que, na vida, nada dura para sempre. Mas é
verdade também que nunca na história humana, os relacionamentos duraram tão
pouco como nos dias atuais.
Hoje, tudo se
desfaz num estalo de dedos! Emprega-se o verbo descartar também para as pessoas. Estas são descartadas como um
copo descartável, que depois de usado é jogado no lixo. Muitas vezes, sem
nenhum sentimento e sem peso na consciência, as pessoas dizem: “Ah, depois de
certo tempo não curti permanecer com ele/ela, então descartei!”
O tempo atual é
marcado pela coisificação das pessoas
em todos os setores da vida humana. No campo dos afetos a realidade é
assustadoramente desumana. Esta é uma das marcas mais vergonhosas do nosso
tempo.
A análise de
todas as causas que provocam esta situação vergonhosa sempre conduz a uma causa
maior, que é comum a todos os casos: um
profundo egoísmo que se manifesta na satisfação descarada dos interesses
pessoais. Não se trata do interesse de ser feliz, mas do interesse de ser
feliz apesar do outro, aproveitando-se do outro, em detrimento do outro.
Estar com o
outro sem a preocupação se este realmente está feliz. Neste sentido, as pessoas
poderiam encarar a seguinte pergunta, respondendo-a com sinceridade e verdade: o que realmente procuro quando me relaciono
com as pessoas? O que busco na amizade, no namoro, no casamento, nas minhas
relações interpessoais?
O amor tem uma
característica que não pode jamais estar ausente da relação entre as pessoas
que se amam: a gratuidade. Onde não
há gratuidade, não há amor.
Como se pratica
a gratuidade? É tudo muito simples. O amor enquanto gratuidade se revela quando
a pessoa deixa o outro livre. A pessoa se recusa a dominar o outro. Não existe
gratuidade sem liberdade. Esta revela àquela.
Em tudo o que
faz, pensa e fala, a pessoa deixa o outro livre. Onde há amor de verdade as
pessoas são livres, e esta liberdade gera um ambiente de muita confiança e
tranquilidade. O outro não se sente sufocado e coagido, mas se sente bem, sendo
o que realmente é.
Ser o que
realmente é: eis a consequência da liberdade nos relacionamentos
verdadeiramente alicerçados no amor. Sem liberdade, o outro passa a mentir
porque termina exercendo papeis, sendo aquilo que não é, escondendo a sua
verdadeira personalidade. A partir daí o relacionamento se transforma numa
mentira, e esta não dura por muito tempo.
O ser humano,
muitas vezes, é tão masoquista, que consegue passar toda uma vida num
relacionamento sem amor. Por exemplo, em um casamento. Há casais que iniciam o
namoro, casam-se, tem filhos, chegam à velhice e morrem sem jamais ter
conhecido o amor. É assustador, mas isso existe. Passa-se a vida inteira
alimentando uma aparência de amor.
É o tipo de
casamento que existe em função da sociedade, para que todos possam ver que há
amor e felicidade, sendo que, na verdade, o amor nunca esteve presente e
somente há sofrimento. Observando muitas famílias, é o que podemos ver:
inúmeros casais mergulhados no sofrimento, insistindo na ilusão, amarrados por
laços de interesses.
Falta a coragem
necessária para trilhar o caminho da libertação. Muitos cônjuges até dizem: “Para onde vou à essa altura da vida? Vou
ficar por aqui mesmo. Não sou feliz, mas me sinto seguro/a. Não quero me
arriscar”. Esta é a expressão típica de quem encontrou segurança, mas não
amor e felicidade no casamento.
Desse modo,
vemos que o egoísmo não é compatível com o amor. Os que estão livres do mal do
egoísmo são chamados a aprender a lidar com aquilo que é diferente no outro. Este
é um desafio a ser vivido cotidianamente.
Considerando que
toda pessoa é única no seu jeito de ser e de compreender a vida, os casais
precisam praticar as virtudes da tolerância e da compreensão. Compreender para
tolerar: eis uma virtude a ser adquirida com o hábito.
A virtude exige
reciprocidade. Se somente uma das partes a pratica, o relacionamento não dura.
Em todo relacionamento há erros e desentendimentos. O conflito é inerente à
condição humana. O problema não é o erro, mas o que as pessoas fazem ao errar.
Há pessoas que
se aproveitam do erro do outro para livrar-se dele. Neste caso, o erro não
passa de uma desculpa; desculpa que será usada para tentar justificar o fim do
relacionamento. Este tipo de desculpa é muito utilizado por pessoas
oportunistas.
Os casais que se
amam verdadeiramente, aproveitam as ocasiões de erros e desentendimentos para
refletirem melhor sobre a vida que levam. E aqui aparece outro valor
imprescindível que acompanha o verdadeiro amor: a humildade. Nos relacionamentos, quando a humildade está presente,
praticamente tudo é superável.
Quem errou, ou
provocou o desentendimento deve ser humilde para reconhecer sua culpa; e quem
foi vítima da situação provocada também deve ser humilde para perdoar e acolher
o outro em seu arrependimento. Onde não há humildade não existe tolerância.
A pessoa humilde
tem a profunda convicção de que todo mundo comete erros, em menor ou maior grau,
e sabe que todos necessitam da compreensão e do acolhimento. Nenhum
relacionamento sobrevive sem acolhida e compreensão recíprocas. A reciprocidade
deve ser uma regra para a boa convivência.
Para isto, é
preciso renunciar ao orgulho e à arrogância e abraçar a humildade. Pessoas
orgulhosas e arrogantes podem até falar bonito sobre o amor, mas não conseguem
amar e, por isso mesmo, vivem na solidão e são infelizes.
O amor não é
abstrato, não é uma teoria, mas é uma experiência inerente à condição humana. Toda
pessoa nasceu para amar e ser amada. É no amor que as pessoas se realizam e
encontram a felicidade. E esse amor se manifesta de várias formas. É da
essência do amor a pluralidade de manifestação.
O amor não
tolera homogeneidade. Saber lidar com o diferente faz parte da arte do bem
viver. Em todos os tipos de relacionamentos não se convive com o que é igual,
mas com o diferente. Nenhum ser humano é cópia perfeita do outro. Somos singulares
e irrepetíveis, e jamais a humanidade deixará de ser plural.
O amor sempre
exige saída de si mesmo na direção do
outro. Sem essa saída de si mesmo é impossível amar o outro. Mas, sair para
fazer o quê? Para cuidar do outro. O cuidado é a característica fundamental do
amor. É a forma concreta de como ele se manifesta.
O cuidado é como
que a materialização do amor. As pessoas falam e fazem declarações de amor, e
só há verdade nestas falas e declarações se forem acompanhadas do cuidado. Este
constitui ação desinteressada, visando somente o bem-estar do outro, a sua felicidade.
Cuidar é sentir-se responsável pelo outro, mas não se resume semente no sentir, mas deve-se demonstrar tal
responsabilidade na ação. No dia em que as pessoas se libertarem do egoísmo,
aprender a compreender e tolerar o outro, e se decidir pela responsabilidade
para com este outro, então o amor será a palavra de ordem de suas vidas, e as
contradições da condição humana serão gradativamente superadas. Somente assim a
felicidade se tornará possível.
Tiago de França
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