A paz é uma necessidade
humana e um valor imprescindível, uma riqueza sem a qual não podemos viver com
saúde, com dignidade. Quem não experimenta a paz encontra-se inquieto,
angustiado, ansioso, em estado de tensão permanente, perturbado.
O mundo está cheio de gente
perturbada. Basta olhar para o semblante das pessoas, para enxergar a falta de
paz. O número de gente perturbada é assustador. Geralmente, as pessoas
desconhecem o silêncio. Passam todo o dia afetadas pela agitação de uma vida
apressada, sem sossego.
Até nas pequenas cidades
interioranas, encontramos as pessoas agitadas. E esta agitação se manifesta de
várias formas: excesso de fala; pressa ao caminhar e ao comer; olhares
apressados; fadiga; dores no corpo; intestino preso; dores na cabeça e tantos
outros sintomas e patologias.
A tranquilidade e a
serenidade se tornam cada vez mais raras. Chama a atenção de todos, a pessoa
serena e tranquila, mansa e desapegada. Viver agitado/a virou comportamento
padrão. Por trás de tudo isso, há inúmeros fatores, internos e externos. Os
externos são visíveis e mais palpáveis, portanto, de fácil compreensão. Os
internos são mais complexos e, por isso mesmo, de difícil percepção.
Queremos, muito brevemente,
falar de um deles: a falta de
reconciliação consigo mesmo. Inúmeras pessoas que habitam este mundo não
são reconciliadas consigo mesmas. O que significa reconciliar-se consigo mesmo,
e quais as consequências da ausência deste tipo de reconciliação? Vamos pensar
um pouco.
Pensemos em três situações,
que, aparentemente, são as mais recorrentes: 1) Há pessoas que não se perdoam
pelos erros que cometeram; 2) Há outras que não se aceitam como são e 3) Há,
também, aquelas que não conseguem se reconciliar com o seu passado sombrio.
Nos três casos, temos um
ponto em comum: a falta de reconciliação. Vamos empregar o seguinte significado
para esta reconciliação: aceitar a realidade, passada e presente, como ela é,
sem fugas nem justificativas sem fundamento.
Neste sentido,
reconciliar-se consigo mesmo é viver de forma integrada, sem divisões e
conflitos internos; tornar-se inteiro, sem fragmentações. Ser um todo unitário,
e não um ser despedaçado, feito cacos de vidro que somente cortam as mãos
daqueles que não sabem pegá-los para jogá-los fora.
Há inúmeras pessoas que não
se aceitam como são: não aceitam o corpo que tem; a cor da pele, o tipo de
cabelo, a maneira de ser, de agir e de pensar. Outras são revoltadas com a vida
que levam (não aceitam o namoro, o casamento, os filhos, o trabalho, a casa
onde moram, os vizinhos, os amigos, a condição social na qual estão inseridas
etc.).
Há outras que passaram por
experiências amargas no passado. Algumas foram vítimas, outras foram autoras de
atos que lhes causam profunda vergonha e ódio de si mesmas e dos outros. São
revoltadas. Não conseguiram superar.
Muitas fazem questão de
ficar “remoendo” a situação, trazendo, constantemente, à memória. Alimentam o
remorso, o ressentimento. O passado mal resolvido passou a ser “o pão” de cada
dia.
A falta de aceitação da
própria realidade é o grande mal que as afeta. E isto causa em muitas pessoas
vários tipos de doenças físicas e psicológicas: úlceras, gastrite, pressão
arterial alta ou baixa, dores musculares, excesso de fome ou falta de apetite,
desânimo, tristeza, ansiedade, angústia, irritação excessiva e constante,
síndromes, depressão.
Entre outros tantos
problemas, esta última tem levado muitas pessoas ao suicídio. As pessoas vão
perdendo o sentido da vida. Quando não vivem confinadas no isolamento, não
conseguem se relacionar bem com os outros. Vivem metidas em constantes
conflitos e frustrações.
Por fim, resta-nos afirmar,
categoricamente, que só há um caminho para que tais pessoas alcancem a paz: buscar aceitar a realidade como ela é.
Esta aceitação é reconciliação. Em relação ao passado, nada se pode fazer. Ao
passado não se volta. Bom ou ruim, tudo ficou para trás. No passado não se mexe
mais. O passado não existe. Só existe na mente daqueles que insistem em
mantê-lo vivo.
Em relação ao presente,
deve-se mudar aquilo que é possível ser mudado. Há situações que podem ser
mudadas, pois está ao alcance do querer das pessoas. Se estas querem, podem
mudar. Se não querem, nada pode ser feito.
Quando algo pode ser mudado,
tudo começa pelo querer. Nada resiste ao desejo de mudança. Quando se quer, se
consegue. A mudança passa, necessariamente, pela aceitação da realidade, seja
ela qual for.
Mas há situações que não
podem ser mudadas, pois não dependem da vontade daquele que deseja a mudança. Deve-se
aceitar aquilo que não se pode mudar. Nenhuma revolta resolve o problema;
antes, agrava-o, tornando-o insuportável.
Pessoas revoltadas não são
felizes nem permitem que os outros sejam. São mal-amadas e mal resolvidas,
portanto, mesmo sem querer, incomodam aqueles que estão ao seu redor. Geralmente,
pessoas mal-amadas e revoltadas são, no máximo, toleradas.
A paz interior começa quando
a pessoa se encontra integrada consigo mesma. Sem harmonia interior não há paz.
Isolada e encerrada em seus conflitos internos, a pessoa caminha
inevitavelmente para a morte do corpo e do espírito.
O mundo carece de pessoas
pacíficas e pacificadoras. Não é possível oferecer aquilo que não se tem. Uma
pessoa que não tem paz não consegue ser pacífica. Ter paz não é ter um conceito
de paz, mas experimentá-la na própria carne, na própria vida. Trata-se de um
exercício ascético que deve durar por toda a vida.
Enquanto esta paz for
recusada, continuaremos assistindo à deplorável e assustadora realidade de
milhões de pessoas, que procuram a paz fora de si mesmas, refugiando-se nas
ilusões e nos falsos pensamentos e sentimentos, nos prazeres momentâneos
geradores de alegrias passageiras, criando para si mesmas um mundo fantasioso,
que não se sustenta porque não tem raízes na vida real.
Portanto, deixemos a vida
florescer. Sejamos, pois, pacíficos e pacificadores! Para isto ocorrer, a vida
nos convida à visão da realidade, tal como ela é, na sua beleza e simplicidade,
contradições e desafios, sentido e utopia. Somente assim, poderemos conviver
bem com os outros, com todo o universo e com Deus. Nada nos faltará, e seremos,
de fato, felizes.
Tiago de França
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