sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Reconciliar-se consigo mesmo. Pensamentos (XIX)

A paz é uma necessidade humana e um valor imprescindível, uma riqueza sem a qual não podemos viver com saúde, com dignidade. Quem não experimenta a paz encontra-se inquieto, angustiado, ansioso, em estado de tensão permanente, perturbado.

O mundo está cheio de gente perturbada. Basta olhar para o semblante das pessoas, para enxergar a falta de paz. O número de gente perturbada é assustador. Geralmente, as pessoas desconhecem o silêncio. Passam todo o dia afetadas pela agitação de uma vida apressada, sem sossego.

Até nas pequenas cidades interioranas, encontramos as pessoas agitadas. E esta agitação se manifesta de várias formas: excesso de fala; pressa ao caminhar e ao comer; olhares apressados; fadiga; dores no corpo; intestino preso; dores na cabeça e tantos outros sintomas e patologias.

A tranquilidade e a serenidade se tornam cada vez mais raras. Chama a atenção de todos, a pessoa serena e tranquila, mansa e desapegada. Viver agitado/a virou comportamento padrão. Por trás de tudo isso, há inúmeros fatores, internos e externos. Os externos são visíveis e mais palpáveis, portanto, de fácil compreensão. Os internos são mais complexos e, por isso mesmo, de difícil percepção.

Queremos, muito brevemente, falar de um deles: a falta de reconciliação consigo mesmo. Inúmeras pessoas que habitam este mundo não são reconciliadas consigo mesmas. O que significa reconciliar-se consigo mesmo, e quais as consequências da ausência deste tipo de reconciliação? Vamos pensar um pouco.

Pensemos em três situações, que, aparentemente, são as mais recorrentes: 1) Há pessoas que não se perdoam pelos erros que cometeram; 2) Há outras que não se aceitam como são e 3) Há, também, aquelas que não conseguem se reconciliar com o seu passado sombrio.

Nos três casos, temos um ponto em comum: a falta de reconciliação. Vamos empregar o seguinte significado para esta reconciliação: aceitar a realidade, passada e presente, como ela é, sem fugas nem justificativas sem fundamento.

Neste sentido, reconciliar-se consigo mesmo é viver de forma integrada, sem divisões e conflitos internos; tornar-se inteiro, sem fragmentações. Ser um todo unitário, e não um ser despedaçado, feito cacos de vidro que somente cortam as mãos daqueles que não sabem pegá-los para jogá-los fora.

Há inúmeras pessoas que não se aceitam como são: não aceitam o corpo que tem; a cor da pele, o tipo de cabelo, a maneira de ser, de agir e de pensar. Outras são revoltadas com a vida que levam (não aceitam o namoro, o casamento, os filhos, o trabalho, a casa onde moram, os vizinhos, os amigos, a condição social na qual estão inseridas etc.).

Há outras que passaram por experiências amargas no passado. Algumas foram vítimas, outras foram autoras de atos que lhes causam profunda vergonha e ódio de si mesmas e dos outros. São revoltadas. Não conseguiram superar.

Muitas fazem questão de ficar “remoendo” a situação, trazendo, constantemente, à memória. Alimentam o remorso, o ressentimento. O passado mal resolvido passou a ser “o pão” de cada dia.

A falta de aceitação da própria realidade é o grande mal que as afeta. E isto causa em muitas pessoas vários tipos de doenças físicas e psicológicas: úlceras, gastrite, pressão arterial alta ou baixa, dores musculares, excesso de fome ou falta de apetite, desânimo, tristeza, ansiedade, angústia, irritação excessiva e constante, síndromes, depressão.

Entre outros tantos problemas, esta última tem levado muitas pessoas ao suicídio. As pessoas vão perdendo o sentido da vida. Quando não vivem confinadas no isolamento, não conseguem se relacionar bem com os outros. Vivem metidas em constantes conflitos e frustrações.

Por fim, resta-nos afirmar, categoricamente, que só há um caminho para que tais pessoas alcancem a paz: buscar aceitar a realidade como ela é. Esta aceitação é reconciliação. Em relação ao passado, nada se pode fazer. Ao passado não se volta. Bom ou ruim, tudo ficou para trás. No passado não se mexe mais. O passado não existe. Só existe na mente daqueles que insistem em mantê-lo vivo.

Em relação ao presente, deve-se mudar aquilo que é possível ser mudado. Há situações que podem ser mudadas, pois está ao alcance do querer das pessoas. Se estas querem, podem mudar. Se não querem, nada pode ser feito.

Quando algo pode ser mudado, tudo começa pelo querer. Nada resiste ao desejo de mudança. Quando se quer, se consegue. A mudança passa, necessariamente, pela aceitação da realidade, seja ela qual for.

Mas há situações que não podem ser mudadas, pois não dependem da vontade daquele que deseja a mudança. Deve-se aceitar aquilo que não se pode mudar. Nenhuma revolta resolve o problema; antes, agrava-o, tornando-o insuportável.

Pessoas revoltadas não são felizes nem permitem que os outros sejam. São mal-amadas e mal resolvidas, portanto, mesmo sem querer, incomodam aqueles que estão ao seu redor. Geralmente, pessoas mal-amadas e revoltadas são, no máximo, toleradas.

A paz interior começa quando a pessoa se encontra integrada consigo mesma. Sem harmonia interior não há paz. Isolada e encerrada em seus conflitos internos, a pessoa caminha inevitavelmente para a morte do corpo e do espírito.

O mundo carece de pessoas pacíficas e pacificadoras. Não é possível oferecer aquilo que não se tem. Uma pessoa que não tem paz não consegue ser pacífica. Ter paz não é ter um conceito de paz, mas experimentá-la na própria carne, na própria vida. Trata-se de um exercício ascético que deve durar por toda a vida.

Enquanto esta paz for recusada, continuaremos assistindo à deplorável e assustadora realidade de milhões de pessoas, que procuram a paz fora de si mesmas, refugiando-se nas ilusões e nos falsos pensamentos e sentimentos, nos prazeres momentâneos geradores de alegrias passageiras, criando para si mesmas um mundo fantasioso, que não se sustenta porque não tem raízes na vida real.

Portanto, deixemos a vida florescer. Sejamos, pois, pacíficos e pacificadores! Para isto ocorrer, a vida nos convida à visão da realidade, tal como ela é, na sua beleza e simplicidade, contradições e desafios, sentido e utopia. Somente assim, poderemos conviver bem com os outros, com todo o universo e com Deus. Nada nos faltará, e seremos, de fato, felizes.


Tiago de França

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