sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Reflexões sobre o suicídio

O tema é importante e complexo. Considerado tabu pela sociedade, costuma ser evitado. Trata-se de uma realidade que causa medo e incômodo, mas está presente, e de forma cada mais vez assustadora. O Brasil é o oitavo país do mundo com maior índice de suicídio. A colocação é preocupante. Evitar o assunto só piora a situação.

Segundo a associação brasileira de psiquiatria, suicídio é “um ato deliberado executado pelo próprio indivíduo, cuja intenção seja a morte, de forma consciente e intencional, mesmo que ambivalente, usando um meio que ele acredita ser letal. Também fazem parte do que habitualmente chamamos de comportamento suicida: os pensamentos, os planos e a tentativa de suicídio” (conceito extraído da cartilha Suicídio: informando para prevenir, da associação brasileira de psiquiatria).

Em nossas humildes reflexões, não queremos oferecer dados científicos sobre o tema. O leitor pode encontrar na Internet e em tantas outras fontes, uma vastíssima bibliografia sobre o tema.

Queremos, apenas, chamar a atenção para a importância da temática, assim como oferecer algumas ponderações oriundas de nossa observação da realidade. Ao final, queremos, também, de forma breve, discorrer um pouco sobre a visão cristã em relação ao tema.

Particularmente, conhecemos pessoas que alimentam pensamentos suicidas. Não sabemos se elas chegarão a praticar o suicídio. Em primeiro lugar, precisamos afirmar que o suicídio não se restringe a um ato pontual, mas é fruto ou consequência de um processo.

Ninguém resolve tirar a própria vida num passe de mágica, ou seja, não se suicida a partir do nada, de repente, sem motivo algum. Há causas que levam ao suicídio, e estas causas geralmente são ignoradas.

Isto significa que, geralmente, as pessoas condenam aqueles que tiram a própria vida porque ignoram as causas que levaram ao suicídio. Só enxergam o ato em si, que é, de fato, assustador. É uma imagem demasiadamente forte a de uma pessoa morta por enforcamento (forma mais comum de suicídio).

No senso comum, suicídio é sinônimo de fraqueza, covardia, coisa do demônio. No pentecostalismo cristão, inúmeros crentes são categóricos ao afirmar que os suicidas são pessoas possuídas pelo demônio!

A forma como o cristianismo tratou o suicídio ao longo da história é um dos motivos que levam à ausência de discussão sobre o tema. Outro motivo absurdo é a ideia de que, quanto mais se fala em suicídio, mais o número de suicidas pode aumentar. Esta ideia é falsa.

Falar sobre drogas não constitui incentivo ao seu uso; falar sobre suicídio também não constitui incentivo à sua prática. Pensar o contrário é de uma ignorância vergonhosa. O silêncio sinônimo de omissão é vergonhoso, covarde e colaborador da prática do suicídio.

O tema precisa ser discuto, esclarecido. As pessoas precisam de informação para prevenirem este mal que afeta milhões de pessoas no mundo. Somente em 2012, 11.821 pessoas se suicidaram no Brasil, cerca de 30 por dia. E entre os jovens, o número tem aumentado em 30%, o que tem preocupado os estudiosos do problema.

São inúmeras as causas que provocam o suicídio: há pessoas que se suicidam porque não deram conta de resolver problemas afetivos. Não deram conta de lidar com o fim, ou com as crises no namoro, noivado, casamento, amizade etc. Há outras que não conseguiram superar problemas financeiros: dívidas, perda do emprego, perdas significativas do patrimônio financeiro etc.

Há, ainda, aquelas que se suicidaram por causa de doenças clínicas psiquiátricas e não psiquiátricas; por causa do uso de drogas e substâncias psicoativas; perdas de entes queridos; exposição sistemática da intimidade por outros; perseguições por inúmeros motivos; bullying; enfim, tantos outros motivos que provocam o suicídio.

Considerando estas e tantas outras causas, podemos eleger um elemento comum presente em todas as causas: um forte sentimento de vazio e desespero. Este sentimento de vazio é profundamente existencial, ou seja, a pessoa não consegue enxergar sentido na própria vida. Perdeu o gosto de viver.

A vida se transforma em um fardo insuportável. A pessoa perde a disposição em continuar vivendo. Para ela, a solução está em tirar a própria vida. A morte passa a ser concebida como o único caminho para livrar-se do tormento e encontrar o descanso.

O suicídio é sempre um ato de desespero. A mente da pessoa desesperada é incapaz de pensar, analisar, refletir, raciocinar. Uma mente perturbada é totalmente afetada pela desorganização dos pensamentos, pela confusão mental.

A mente da pessoa que planeja o suicídio é profundamente invadida por pensamentos autodestrutivos. Num determinado momento, quando prestes a cometer o suicídio, a pessoa não mais tem medo da morte.

A morte passa a ser desejada ardentemente. Na hora do suicídio, a pessoa está plenamente tomada por um forte desejo de morte, uma força avassaladora que a faz conhecer sua própria destruição.

A morte é pontual, pois ocorre de uma vez, mas o suicídio é processual. O suicida é alguém que morreu aos poucos, dia após dia. Cotidianamente, foi perdendo o sentido da própria vida, a razão de viver.

A tristeza, a melancolia, o isolamento, a baixa autoestima permanente, o sentimento de abandono e de perda, a inquietação, a falta de paz interior, a frustração, a descrença de si mesmo, o pessimismo, e tantos outros sentimentos e pensamentos negativos vão destruindo a pessoa aos poucos.

Considerando os ensinamentos de Jesus de Nazaré, queremos concluir estas reflexões, abordando, brevemente, o suicídio numa perspectiva cristã. Nosso objetivo não é doutrinar ninguém, mas combater uma visão equivocada do suicídio que insiste em permanecer em inúmeras denominações cristãs que constituem o cristianismo.

Nas comunidades religiosas mais conservadoras, o suicídio é visto como algo abominável. Todos estamos de acordo no que se refere ao fato de que se trata, realmente, de algo terrível e desolador. Em sã consciência, ninguém exalta o suicídio como caminho saudável e capaz de resolver os dilemas da vida humana.

O grande erro cometido por muitos cristãos, e que decorre de uma interpretação equivocada da Bíblia, é a afirmação de que o suicida está condenado ao fogo do inferno. Outros exageram mais ainda, como dissemos acima, ao dizer que o suicida é alguém que se deixou possuir pelo demônio, este considerado como entidade espiritual capaz de possuir o corpo de uma pessoa.

Na Bíblia não há um versículo que legitime este tipo de visão. Esta maneira de enxergar o suicídio é extremamente preconceituosa, maléfica e antievangélica. Uma leitura fiel aos ensinamentos de Jesus de Nazaré nos permite afirmar, sem erro, que o princípio da misericórdia deve ser o norteador da reflexão cristã sobre o suicídio.

Em outras palavras, deve-se confiar à misericórdia de Deus a situação daqueles que cometem suicídio. Para todo aquele que acredita em Deus, vale a seguinte sentença: Somente Deus é o Juiz dos vivos e dos mortos, portanto, ninguém recebeu dele o poder de julgar aqueles que se suicidam. Nesta ótica, é um pecado gravíssimo condenar à perdição eterna aqueles que cometem suicídio.

Por fim, vale considerar que não há caminho mais seguro para a prevenção contra o suicídio do que o caminho do amor. Precisamos amar as pessoas do jeito que elas são, aceitando-as em suas diferenças. Precisamos perdoá-las em suas falhas e limitações. Perdoar é um gesto sublime de amor. Precisamos acolhê-las e confortá-las, compreendê-las e ajudá-las.

Precisamos, urgentemente, acabar com a cultura da rivalidade e da eliminação do outro, geradora de tantos suicídios e outras inúmeras formas de violência. O mundo padece pela falta de pessoas amorosas. O verdadeiro amor, que é o amor de atos (ação), é capaz de salvar toda a humanidade do caos no qual está mergulhada.

Nenhuma invenção humana é capaz de salvar o homem da destruição total em curso. Portanto, toda pessoa que é identificada como um possível suicida precisa de amor. Somente o amor é capaz de preencher o vazio que está tirando o sentido da vida de tantas pessoas.

Sem amor não há vida. Quem já não sabe mais, na prática, o que é o amor, o suicídio é apenas uma espécie de confirmação daquilo que já está presente: a morte, o nada. Não há quem consiga viver dignamente sem amor.

Não há sentido em viver sem amar e sem ser amado. Neste caso, a morte facilmente se transforma num mal necessário. Eis, portanto, nossa recomendação: entreguemo-nos, sem medo e sem fuga, ao amor, pois dessa forma, o suicídio será uma realidade que jamais conheceremos na prática. Amar sem medidas e sem condições é o remédio fundamental para quem um dia já pensou em se suicidar. Amemos.


Tiago de França

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