O tema é
importante e complexo. Considerado tabu pela sociedade, costuma ser evitado.
Trata-se de uma realidade que causa medo e incômodo, mas está presente, e de
forma cada mais vez assustadora. O Brasil é o oitavo país do mundo com maior
índice de suicídio. A colocação é preocupante. Evitar o assunto só piora a
situação.
Segundo a
associação brasileira de psiquiatria, suicídio é “um ato deliberado executado
pelo próprio indivíduo, cuja intenção seja a morte, de forma consciente e
intencional, mesmo que ambivalente, usando um meio que ele acredita ser letal.
Também fazem parte do que habitualmente chamamos de comportamento suicida: os
pensamentos, os planos e a tentativa de suicídio” (conceito extraído da
cartilha Suicídio: informando para
prevenir, da associação brasileira de psiquiatria).
Em nossas
humildes reflexões, não queremos oferecer dados científicos sobre o tema. O
leitor pode encontrar na Internet e em tantas outras fontes, uma vastíssima
bibliografia sobre o tema.
Queremos,
apenas, chamar a atenção para a importância da temática, assim como oferecer
algumas ponderações oriundas de nossa observação da realidade. Ao final,
queremos, também, de forma breve, discorrer um pouco sobre a visão cristã em
relação ao tema.
Particularmente,
conhecemos pessoas que alimentam pensamentos suicidas. Não sabemos se elas
chegarão a praticar o suicídio. Em primeiro lugar, precisamos afirmar que o
suicídio não se restringe a um ato pontual, mas é fruto ou consequência de um processo.
Ninguém resolve
tirar a própria vida num passe de mágica, ou seja, não se suicida a partir do
nada, de repente, sem motivo algum. Há causas que levam ao suicídio, e estas
causas geralmente são ignoradas.
Isto significa
que, geralmente, as pessoas condenam aqueles que tiram a própria vida porque
ignoram as causas que levaram ao suicídio. Só enxergam o ato em si, que é, de
fato, assustador. É uma imagem demasiadamente forte a de uma pessoa morta por
enforcamento (forma mais comum de suicídio).
No senso comum,
suicídio é sinônimo de fraqueza, covardia, coisa do demônio. No pentecostalismo
cristão, inúmeros crentes são categóricos ao afirmar que os suicidas são
pessoas possuídas pelo demônio!
A forma como o
cristianismo tratou o suicídio ao longo da história é um dos motivos que levam
à ausência de discussão sobre o tema. Outro motivo absurdo é a ideia de que,
quanto mais se fala em suicídio, mais o número de suicidas pode aumentar. Esta
ideia é falsa.
Falar sobre
drogas não constitui incentivo ao seu uso; falar sobre suicídio também não
constitui incentivo à sua prática. Pensar o contrário é de uma ignorância
vergonhosa. O silêncio sinônimo de omissão é vergonhoso, covarde e colaborador
da prática do suicídio.
O tema precisa
ser discuto, esclarecido. As pessoas precisam de informação para prevenirem
este mal que afeta milhões de pessoas no mundo. Somente em 2012, 11.821 pessoas
se suicidaram no Brasil, cerca de 30 por dia. E entre os jovens, o número tem
aumentado em 30%, o que tem preocupado os estudiosos do problema.
São inúmeras as
causas que provocam o suicídio: há pessoas que se suicidam porque não deram
conta de resolver problemas afetivos. Não deram conta de lidar com o fim, ou
com as crises no namoro, noivado, casamento, amizade etc. Há outras que não
conseguiram superar problemas financeiros: dívidas, perda do emprego, perdas
significativas do patrimônio financeiro etc.
Há, ainda,
aquelas que se suicidaram por causa de doenças clínicas psiquiátricas e não
psiquiátricas; por causa do uso de drogas e substâncias psicoativas; perdas de
entes queridos; exposição sistemática da intimidade por outros; perseguições
por inúmeros motivos; bullying; enfim, tantos outros motivos que provocam o
suicídio.
Considerando
estas e tantas outras causas, podemos eleger um elemento comum presente em
todas as causas: um forte sentimento de
vazio e desespero. Este sentimento de vazio é profundamente existencial, ou
seja, a pessoa não consegue enxergar sentido na própria vida. Perdeu o gosto de
viver.
A vida se
transforma em um fardo insuportável. A pessoa perde a disposição em continuar
vivendo. Para ela, a solução está em tirar a própria vida. A morte passa a ser
concebida como o único caminho para livrar-se do tormento e encontrar o
descanso.
O suicídio é
sempre um ato de desespero. A mente da pessoa desesperada é incapaz de pensar,
analisar, refletir, raciocinar. Uma mente perturbada é totalmente afetada pela
desorganização dos pensamentos, pela confusão mental.
A mente da
pessoa que planeja o suicídio é profundamente invadida por pensamentos autodestrutivos.
Num determinado momento, quando prestes a cometer o suicídio, a pessoa não mais
tem medo da morte.
A morte passa a
ser desejada ardentemente. Na hora do suicídio, a pessoa está plenamente tomada
por um forte desejo de morte, uma força avassaladora que a faz conhecer sua
própria destruição.
A morte é
pontual, pois ocorre de uma vez, mas o suicídio é processual. O suicida é
alguém que morreu aos poucos, dia após dia. Cotidianamente, foi perdendo o
sentido da própria vida, a razão de viver.
A tristeza, a
melancolia, o isolamento, a baixa autoestima permanente, o sentimento de
abandono e de perda, a inquietação, a falta de paz interior, a frustração, a
descrença de si mesmo, o pessimismo, e tantos outros sentimentos e pensamentos
negativos vão destruindo a pessoa aos poucos.
Considerando os
ensinamentos de Jesus de Nazaré, queremos concluir estas reflexões, abordando,
brevemente, o suicídio numa perspectiva cristã. Nosso objetivo não é doutrinar
ninguém, mas combater uma visão equivocada do suicídio que insiste em
permanecer em inúmeras denominações cristãs que constituem o cristianismo.
Nas comunidades
religiosas mais conservadoras, o suicídio é visto como algo abominável. Todos
estamos de acordo no que se refere ao fato de que se trata, realmente, de algo
terrível e desolador. Em sã consciência, ninguém exalta o suicídio como caminho
saudável e capaz de resolver os dilemas da vida humana.
O grande erro
cometido por muitos cristãos, e que decorre de uma interpretação equivocada da
Bíblia, é a afirmação de que o suicida está condenado ao fogo do inferno.
Outros exageram mais ainda, como dissemos acima, ao dizer que o suicida é
alguém que se deixou possuir pelo demônio, este considerado como entidade
espiritual capaz de possuir o corpo de uma pessoa.
Na Bíblia não há
um versículo que legitime este tipo de visão. Esta maneira de enxergar o
suicídio é extremamente preconceituosa, maléfica e antievangélica. Uma leitura
fiel aos ensinamentos de Jesus de Nazaré nos permite afirmar, sem erro, que o
princípio da misericórdia deve ser o norteador da reflexão cristã sobre o
suicídio.
Em outras
palavras, deve-se confiar à misericórdia de Deus a situação daqueles que
cometem suicídio. Para todo aquele que acredita em Deus, vale a seguinte sentença:
Somente Deus é o Juiz dos vivos e dos mortos, portanto, ninguém recebeu dele o
poder de julgar aqueles que se suicidam. Nesta ótica, é um pecado gravíssimo
condenar à perdição eterna aqueles que cometem suicídio.
Por fim, vale
considerar que não há caminho mais seguro para a prevenção contra o suicídio do
que o caminho do amor. Precisamos
amar as pessoas do jeito que elas são, aceitando-as em suas diferenças.
Precisamos perdoá-las em suas falhas e limitações. Perdoar é um gesto sublime
de amor. Precisamos acolhê-las e confortá-las, compreendê-las e ajudá-las.
Precisamos,
urgentemente, acabar com a cultura da rivalidade e da eliminação do outro,
geradora de tantos suicídios e outras inúmeras formas de violência. O mundo
padece pela falta de pessoas amorosas. O verdadeiro amor, que é o amor de atos
(ação), é capaz de salvar toda a humanidade do caos no qual está mergulhada.
Nenhuma invenção
humana é capaz de salvar o homem da destruição total em curso. Portanto, toda
pessoa que é identificada como um possível suicida precisa de amor. Somente o
amor é capaz de preencher o vazio que está tirando o sentido da vida de tantas
pessoas.
Sem amor não há
vida. Quem já não sabe mais, na prática, o que é o amor, o suicídio é apenas uma
espécie de confirmação daquilo que já está presente: a morte, o nada. Não há
quem consiga viver dignamente sem amor.
Não há sentido
em viver sem amar e sem ser amado. Neste caso, a morte facilmente se transforma
num mal necessário. Eis, portanto, nossa recomendação: entreguemo-nos, sem medo
e sem fuga, ao amor, pois dessa forma, o suicídio será uma realidade que jamais
conheceremos na prática. Amar sem medidas e sem condições é o remédio
fundamental para quem um dia já pensou em se suicidar. Amemos.
Tiago de França
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