domingo, 30 de outubro de 2016

Uma breve palavra sobre o resultado das eleições municipais em quatro cidades

Os mineiros da capital disseram não ao PSDB para a Prefeitura de BH! Este é, a meu ver, o único ponto positivo da vitória de Alexandre Kalil.

Em Montes Claros - MG, a justiça não deu conta de barrar a candidatura de Ruy Muniz, mas o povo respondeu nas urnas: disse não à corrupção. Meus parabéns à maioria dos eleitores daquela sofrida cidade!

No Rio de Janeiro, os cariocas optaram pelo fundamentalismo religioso do bispo Crivella! Um bispo da Universal do Reino de Deus se tornou prefeito. Agora, não adianta apelar para Jesus. Meus sentimentos aos cariocas, especialmente os mais pobres.

E em Fortaleza, no Ceará, a maioria dos que foram às urnas reprovou o capitão Wagner. De fato, prefeitura não é lugar para capitão de polícia. A experiência mostra que os militares não sabem governar. Lugar de militar é em sua corporação. No exercício do poder executivo ou legislativo só servem se aprenderem o significado da democracia; do contrário devem ser reprovados nas urnas.

Aos eleitos e reeleitos, torço para que sejam, de fato, gestores da coisa pública em vista do bem comum.


Tiago de França

Chamados à conversão

“Zaqueu, desce depressa! Hoje eu devo ficar na tua casa” (Lc 19, 5).

        À luz da conversão do publicano Zaqueu (cf. Lc 19, 1-10), queremos falar sobre a necessidade da conversão. No texto, aparecem algumas expressões muito significativas, que podem nos ajudar em nosso processo de conversão.

        Zaqueu era chefe de cobradores de impostos e muito rico. Era homem rejeitado pelo povo e encerrado na solidão. O seu deus era o dinheiro. Vivia em função deste. Sua riqueza tinha origem na desonestidade. Como todo homem rico, dedicava a sua vida ao acúmulo e à conservação do dinheiro. Não tinha alegria e desconhecia o amor. Só tinha dinheiro. Este dominava o seu coração.

        Esta condição de Zaqueu nos questiona: temos um coração livre? O que tem dominado nosso coração e nossa vida? O que tem preenchido o nosso viver? Quais os nossos apegos? O que estamos fazendo com o que nos prende? Ódio, ciúme, inveja, ressentimento, pessimismo, frieza, ambição, lembranças, desejos, posses, controle, mentira, falsidade, fantasia, ilusão, sucesso, poder, dinheiro... O que nos prende e nos escraviza?...

        Zaqueu ficou sabendo da existência de Jesus, e queria vê-lo. Queria conhecer Jesus. Este era o seu desejo. Muitas vezes, as pessoas escutam falar de Jesus, mas não desejam conhecê-lo. Em nossas Igrejas cristãs há muitas pessoas que frequentam o culto, mas não desejam conhecer Jesus. Evitam encontrar-se com ele. Muitas destas pessoas têm medo de Jesus, têm medo das consequências do encontro com ele. O medo conduz ao comodismo.

        O texto evangélico fala de uma procura recíproca: Jesus e Zaqueu se procuravam. Como era de estatura baixa, Zaqueu subiu numa árvore para ver Jesus. A multidão acompanhava Jesus e impedia a visão de Zaqueu. Quando Jesus passou pela árvore onde ele estava, fez o convite: “Zaqueu, desce depressa! Hoje eu devo ficar na tua casa”. Ele atendeu ao convite e “recebeu Jesus com alegria”.

        Interessante que Jesus pediu para que ele descesse depressa. Zaqueu precisava urgentemente de conversão, e Jesus sabia disso. Isso mostra que Jesus quer se encontrar conosco o mais breve possível. Ele tem pressa em nos despertar para a conversão. Esta não pode ser adiada, postergada no tempo.

Não sabemos do tempo que ainda dispomos para viver; por isso, é necessário atendermos ao convite de Jesus quando ele passa por nós. Não podemos perder a oportunidade. Se perdermos a oportunidade, pode ser que não haja outra. Pode ocorrer também que já não tenhamos mais tempo. Nossa vida pode ser abreviada pela força das circunstâncias... Não podemos ficar adiando a nossa conversão.

O sentimento primeiro que surge no encontro com Jesus é a alegria. Esta alegria é única e permanente. É única porque nada neste mundo oferece uma alegria semelhante. Só o encontro com Ele. Quem nunca se encontrou com Jesus desconhece a verdadeira alegria. Trata-se de uma alegria que permanece porque Jesus não passa pela vida das pessoas, mas vem para ficar. Ele quer permanecer em cada coração que se abre à sua presença amorosa.

Ao verem Jesus na casa de Zaqueu, as pessoas começaram a falar mal tanto de um quanto do outro. A fofoca sempre existiu. Ficaram escandalizados com a atitude de Jesus: “Ele foi hospedar-se na casa de um pecador!” Geralmente, as pessoas pensam, dentro e fora de nossas Igrejas, que os pecadores públicos devem ser rejeitados. E as pessoas criam categorias de pecadores: ladrões, adúlteros, prostitutas, homossexuais, usuários de drogas, mendigos, pessoas sem ocupação etc.

Para muitos “cristãos”, estas pessoas devem ser desprezadas. Não se deve ter contato com elas. São consideradas impuras, inúteis e condenadas à perdição eterna. A regra é clara: mantê-las à distância para evitar contaminação, pois são filhas do demônio. Alguns “cristãos” mais radicais propõem até que tais categorias de pessoas sejam extintas da sociedade. Esses “cristãos” vivem orando praticamente todos os dias, participando ativamente do culto religioso de nossas Igrejas. São os falsos cristãos: hipócritas, cheios de veneno!

Jesus não deu atenção às murmurações das pessoas, e foi hospedar-se na casa de Zaqueu, pecador público da época. Estando em sua casa, Jesus nada pediu. Não fez sermão nem o condenou. Simplesmente, se fez presença de Deus em sua vida. Diante da presença de Jesus, Zaqueu não resistiu, ficou de pé (postura de gente decidida), e disse: “Senhor, eu dou a metade dos meus bens aos pobres, e se defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais”. Esta foi a sua escolha, a sua decisão, a sua conversão.

Partilhar os bens com os pobres e devolver o dinheiro roubado às vítimas das cobranças injustas: eis o resultado do encontro com Jesus. A partir deste encontro transformador, Zaqueu enxergou a necessidade da conversão. Com Jesus, passou a entender que nenhum ser humano precisa acumular riqueza para ser feliz; que a partilha é uma exigência fundamental do encontro com Jesus; que o dinheiro em excesso tira a verdadeira alegria da vida, encerrando a pessoa no vazio existencial.

Tendo acolhido a decisão de Zaqueu, Jesus lhe disse: “Hoje a salvação entrou nesta casa, porque também este homem é um filho de Abraão. Com efeito, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido”. Jesus foi enviado pelo Pai para procurar e salvar os pecadores. Seu chamado à conversão não exclui ninguém. Podemos agir como Zaqueu: aceitar o convite de Jesus para permanecer em nossa vida.

Converter-se não é mudar de religião; não é praticar todos os preceitos religiosos; não é decorar a Bíblia; não é simplesmente evitar o pecado. Converter-se é acolher Jesus. Não há transformação sem o encontro com Jesus. Ele quer se encontrar conosco, e deseja habitar o nosso coração. Quer transformar a nossa vida. A experiência ensina que quem acolher Jesus é radicalmente transformado por ele, encontra o verdadeiro sentido da vida e conhece a verdadeira felicidade.

Este é o chamado à conversão. A pessoa convertida é alegre, acolhedora, cheia de amor e de ternura, misericordiosa, aberta ao perdão e à partilha, despojada, humilde e voltada para os outros. Converter-se é permanecer com Jesus, e tê-lo como a única riqueza da vida. Assim, nada falta. Quando estamos com Jesus, temos tudo. Tornamo-nos um com Ele. Estamos salvos.


Tiago de França

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Escolas sendo ocupadas. Viva a democracia e a organização estudantil!

Primeiramente, FORA TEMER!

Centenas de escolas e tantos outros espaços públicos estão sendo ocupados. Ocupados, não invadidos.

Há adolescentes e jovens, estudantes e não estudantes, e inúmeras outras representações do povo, gente trabalhadora, ocupando as ruas do País.

Isto é democracia. Contra a tirania dos poderosos, contra os membros de um governo empenhado em golpear, diuturnamente, os pobres do povo, as pessoas estão levantando a sua voz.

E não há força nem ameaça capazes de conter a ação de pessoas conscientes e comprometidas com a verdade e com a justiça.

Com ou sem a cobertura da mídia, há gente gritando nas ruas. E estas pessoas não estão batendo as panelas da hipocrisia, mas estão clamando por justiça.

Cedo ou tarde, esta justiça vai aparecer, e os poderosos cairão de seus tronos, como já está acontecendo. E a festa vai ser linda de viver!

Basta de opressão! A favor da educação para a liberdade, contra a PEC 241 e a "reforma" do Ensino Médio.

Em plena comunhão com todos os que lutam, especialmente os estudantes secundaristas, subscrevo-me.


Prof. Tiago de França

domingo, 23 de outubro de 2016

Reconhecer-se pecador para manifestar a glória de Deus

“Meu Deus, tem piedade de mim que sou pecador!” (Lc 18, 13).

Quem se reconhece pecador jamais se sente superior aos outros: esta parece ser a recomendação de Jesus quando contou a parábola do publicano, narrada pelo evangelista Lucas (18, 9-14). Trata-se de uma parábola dirigida às pessoas que confiam na própria justiça e desprezam os outros. Portanto, nossa meditação é dirigida a todos, mas especialmente às pessoas que se enquadram nesta tipologia.

Na parábola, conta Jesus que dois homens subiram ao templo para rezar: um era fariseu, e o outro cobrador de impostos. Naquela época, os fariseus eram figuras religiosas muito importantes: versados na lei de Deus, conhecedores das Escrituras Sagradas, gozavam de prestígio por perante o povo, constituíam a elite religiosa, tinham íntima relação com a autoridades civis da época.

No lado oposto, estava o cobrador de impostos (publicano): os publicanos eram muito odiados pelo povo e considerados pecadores públicos; muito condenados pela religião judaica, não participavam da vida religiosa. Eram pessoas marcadas pela rejeição social. Juntamente com as prostitutas, leprosos, homossexuais, deficientes e tantos outros excluídos, formavam a classe dos marginalizados do tempo de Jesus.

No templo, o fariseu assim rezava: “Ó Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens, ladrões, desonestos, adúlteros, nem como este cobrador de impostos. Eu jejuo duas vezes por semana, e dou o dízimo de toda a minha renda”. Esta é uma forma errada de se colocar diante de Deus. Podemos identificar dois problemas. Vamos a eles.

“...porque não sou como os outros homens...” Diante de Deus, o fariseu se sente superior aos demais homens e os julga. Não se reconhece pecador. Sentir-se melhor do que os outros é pecado, e muitas vezes, os cristãos se esquecem disso. Quem possui um conceito exagerado de si mesmo, facilmente cai na tentação de sentir-se melhor que os outros.

Sentir-se melhor que os outros é sinônimo de colocar-se no centro de tudo. É o mal do estrelismo. Neste sentido, falta um dom precioso: a humildade. Uma pessoa humilde não consegue se sentir nem superior nem inferior às demais pessoas. A humildade é a virtudes que nos faz viver de acordo com o que realmente somos. Quem é humilde encontra o seu lugar no mundo e vive de acordo com a verdade de si mesmo.

Todo ser humano é pecador. Ninguém está excluído ou isento dessa condição. Cada um peca a seu modo e de acordo com as circunstâncias. Se todos pecam, então nenhum pecador tem autoridade para apontar o pecado do outro. Todos precisam da misericórdia de Deus, a começar pelos mais religiosos, que costumam ser os maiores pecadores, pois conhecem a lei de Deus e a transgridem, muitas vezes, intencionalmente.

É preciso considerar também, que muitas das pessoas que se sentem melhores que as outras, sofrem do mal da baixa autoestima; e, por causa disso, precisam inferiorizar os outros para se sentir melhores. Inúmeras são as motivações que levam a isso: inveja, ciúme, preguiça mental, falta de perspectivas etc. Neste caso, tais pessoas precisam de tratamento psicológico para se encontrar consigo mesmas e ser, de fato, quem realmente são.

Eu jejuo duas vezes por semana, e dou o dízimo de toda a minha renda”. Aqui está o segundo problema da oração do fariseu que, curiosamente, provoca o primeiro. O jejum e o dízimo eram e continuam sendo práticas religiosas muito preciosas para o judeu. Também os cristãos aderiram a estas práticas.

Com que intenção estas práticas são feitas? Há duas intenções reprováveis à luz do evangelho: a primeira, consiste em chamar a atenção dos outros para si mesmo para, assim, se sentir melhor que os outros; a segunda, em praticá-las com o intuito de conseguir os favores divinos. Quem age dessa forma, não age bem. Dessa forma, o jejum, o dízimo e as demais práticas religiosas se transformam em práticas pecaminosas.

Quando, ao final da parábola, Jesus afirma que o cobrador de impostos saiu do templo justificado diante de Deus, o que quis dizer é o que, muitas vezes, as pessoas religiosas não aceitam: As práticas religiosas não tornam justas as pessoas diante de Deus.

Em outras palavras, sendo mais enfáticos: Deus não olha as práticas religiosas dos crentes, mas olha seus corações; olha se estes estão abertos ao amor. É o amor, e não as práticas religiosas que vale diante de Deus. Se tais práticas não conduzem ao amor a Deus e ao próximo como a si mesmo, então devem ser abandonadas.

Em nossas Igrejas, temos muitos cristãos fieis às prescrições religiosas: frequentam assiduamente o culto; são dizimistas; fazem jejum; são dóceis às orientações de seus pastores; dão esmolas; participam da Ceia do Senhor; confessam seus pecados; guardam o Dia do Senhor e os demais dias de preceito; mas, escandalosamente, são desprovidos de amor a Deus e ao próximo.

Obedecem às prescrições religiosas, mas desconhecem a lei de Deus; leem o evangelho, mas desconhecem o seu conteúdo. Por isso, Jesus os chama de hipócritas, pois invocam seu nome, mas se recusam a observar o seu mandamento, que é o mandamento de Deus: o amor enquanto ação poderosa capaz de libertar e salvar integralmente as pessoas.

Muitos cristãos precisam rever a forma como praticam a religião. Quem se sente importante diante de Deus somente porque é fiel às leis religiosas está no caminho errado. Não há meio termo. Deus não está interessado em nossa fidelidade à religião, mas quer que sejamos fieis a Ele.

Devemos ser fieis Àquele que nos salva. A religião é instrumento, e por não passar disso, não salva. O grande problema de muitos cristãos é que absolutizam a religião e relativizam Deus. 

Nossa postura diante de Deus deve ser a do cobrador de impostos, que, batendo no peito, fez a prece que todos devemos fazer, diuturnamente: “Meu Deus, tem piedade de mim que sou pecador!” Reconhecer-se pecador e entregar-se ao amor: esta é a vocação cristã que Jesus nos ensina ao contar esta parábola. Somente assim, não cairemos na terrível tentação de nos sentirmos superior aos outros, tratando-os com desprezo.

Toda pessoa que despreza os outros, cedo ou tarde, experimentará o desprezo. Se não experimentá-lo nesta vida, não escapará na outra. Os maus, que nunca se convertem, religiosos ou não, encontram a sua recompensa. Nenhum escapa. Não há exceção.

Não há futuro para quem se entrega ao espírito de superioridade e ao desprezo aos outros. Não há prática religiosa que afaste a recompensa devida no tempo devido. Por outro lado, todos os desprezados e humilhados, confiando na justiça divina, também serão consolados, neste mundo ou no que há de vir. Esta é a esperança cristã.

Tiago de França

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

A alegria de estar consigo mesmo. Pensamentos (XXVI)

Após um dia cansativo de trabalho e estudos, regressando para casa, veio-me a frase que intitula essa breve reflexão. Estar consigo mesmo é uma experiência reveladora. A sós, sem cair na tentação das fugas, a gente está como que diante de um espelho: diante da verdade de si mesmo.

O movimento atual da vida pós-moderna tende a nos tirar esta experiência. O barulho dos motores e das sirenes, o alarido de pessoas que falam pelos cotovelos, a divagação dos pensamentos, o vício pelas redes sociais, e tantas outros apelos sensoriais oferecidos por este mundo barulhento, nos afastam de nós mesmos.

Somente aqueles que não se deixam facilmente se “desviar” de todas estas coisas são capazes de contemplar, de sentir a vida, de permanecer, de fato, no tempo presente, devidamente acordados, livres da cegueira e das ilusões.

Facilmente, podemos perceber que, de modo geral, as pessoas não estão nelas mesmas, mas sobrevivem sendo absorvidas por sentimentos e pensamentos que as anestesiam, paralisando-as.

Elas pensam que estão vivendo, mas, na verdade, desconhecem o real significado da vida, que consiste na simplicidade, transparência, verdade, harmonia, ternura, ataraxia (palavra grega, que significa tranquilidade da alma). Há uma inquietação que não corresponde à busca de sentido para a vida, mas que fala da falta de autenticidade.

Ser autêntico é ser verdadeiro, começando pela aceitação da própria verdade. Quando estamos diante daquilo que realmente somos, então descobrimos que não há sentido na busca desesperada que marca o nosso tempo, a saber: ser o que não se é.

Toda pessoa é chamada a ser feliz assumindo a própria verdade daquilo que se é. Mas o que ocorre, infelizmente, é o contrário: as pessoas fogem de si mesmas, procurando ser outra coisa. Essa procura revela uma profunda e grave insatisfação consigo mesmo. As pessoas procuram paz, mas não a encontram.

E não encontram porque, na verdade, não estão a procura da paz. O que a maioria busca são coisas que tiram a paz: dinheiro, sucesso, poder, posse, vaidades, grandezas. O desejo por estas coisas tira a paz do espírito das pessoas, deixando-as perturbadas.

Algumas, cansadas de esperar, procuram a religião. Muitas vezes, também esta tende a reforçar o desejo doentio das pessoas. Mas a tentativa se mostra frustrante porque a religião não nasceu com essa função.

E acontece o que a gente não se cansa de ver: templos religiosos lotados de pessoas desesperadas, implorando que Deus as ajude a encontrar satisfação para seus desejos. E Deus não escuta este tipo de clamor.

Por fim, finalizo esta reflexão com uma afirmação que me parece verdadeira: a alegria de estar consigo mesmo consiste em aprender a escutar a voz do coração. Quantas vezes paramos para escutar a voz de nosso coração? Por que temos medo de escutar e aceitar o que ele diz? Por que optamos pela indiferença? O que nos ensurdece, tornando-nos insensíveis? Por que optamos pelo sofrimento, oriundo da falta de escuta do nosso coração?...

No silêncio de alguns minutos de um dia qualquer, convido você, que finaliza a leitura desta reflexão, a pensar estas questões. Nossa felicidade não depende dos outros. Ela está em nós. Para encontrá-la é preciso criar coragem para uma atitude fundamental: mergulhar no mais profundo do nosso ser. Estas perguntas são oportunidades para a realização deste ato corajoso e revelador. Ousemos, e sejamos felizes.

Tiago de França

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Manter abertas as portas da vida. Pensamentos (XXV)

A vida é única e não se repete. Para termos saúde no corpo e na mente precisamos manter abertas as portas da vida. Esta vida requer cor, movimento, alegria e tranquilidade no coração.

Não precisamos amarrar nada. Desprender-se faz bem. Nada possuir, mas somente o necessário. A leveza faz bem ao espírito. O mundo precisa de leveza, pois tudo anda muito cinzento, sombrio, áspero e frio.

Por outro lado, há uma corrente de energias, cores, bons pensamentos, positividade. É o lado pacífico da vida. Para render e ser feliz, a vida precisa de paz interior. Esta paz é gratuita e permanente. Quem a tem jamais se deixa abalar. É igual bambu: entorta, mas não cai!

Estar em paz é saber receber e saber deixar ir. Aceitar a vida como ela é, sem complicações, sem aperreios, sem traumas. É olhar para a realidade, contemplando-a, sabendo que “tudo concorre para o bem dos que amam a Deus”.

Deixar ir tudo que tende a nos inferiorizar e infernizar. Na vida tudo passa, mas só passa se a gente deixar passar. Como dizia o filósofo Heráclito: Tudo flui. É preciso deixar fluir, deixar a vida viver, porque tudo tende a passar, a evaporar-se.

Os momentos ruins passam, o sucesso passa, a raiva e o ódio passam, o elogio passa, as pessoas passam... E também nós, passamos. Ao final de tudo, transformar-nos-emos em meras recordações, boas e também, muitas vezes, ruins, na vida de quem amamos, ou deixamos de amar.

Diante disso, para não perdermos o tempo que nos resta para viver, dada a certeza do nosso fim, mantenhamos abertas as portas da vida porque esta tem as suas surpresas. E o que nos surpreende foge do nosso controle. Permitamo-nos, viver.


Tiago de França

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Das utopias

Gosto de Mário Quintana porque atento às pequenas coisas. Ele fala de nossas buscas, sedes, esperanças, alegrias, tristezas, sonhos, utopias...


DAS UTOPIAS


Se as coisas são inatingíveis... ora!

Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!

Mário Quintana

domingo, 16 de outubro de 2016

O poder de nossas escolhas. Pensamentos (XXIV)

Quando fazemos uma escolha somos obrigados a abrir mão de outras oportunidades. Toda escolha gera certa angústia porque não podemos escolher tudo, mas somente uma coisa de cada vez.

Qual a escolha certa? De antemão, algumas escolhas se mostram incertas. Somente com o passar do tempo descobrimos a verdade daquilo que escolhemos. Neste sentido, toda escolha tem um lado imprevisível.

Há outro aspecto da escolha que nos deixa mais angustiados ainda: trata-se daquilo que deixamos de lado, que não optamos. Muitas vezes, o que deixamos de lado já não se encontra ao nosso alcance quando nos arrependemos da escolha feita e voltamos atrás, procurando pelas outras alternativas.

Estes dois lados desta moeda chamada escolha falam de um terceiro aspecto importante: suas consequências. As boas escolhas geram bons frutos; as ruins geram maus frutos. Isto é inevitável. Às vezes, somente o passar do tempo revela a qualidade de nossas escolhas. Em alguns casos demora; noutros a qualidade logo se manifesta.

A vida é feita de escolhas. Quando alguém escolhe ser médico é porque descobriu a sua vocação. Este é o ideal. Não adianta o médico querer ser, ao mesmo tempo, advogado, psicólogo, prefeito, padre e torneiro mecânico. Ninguém abarca tudo de uma vez. Temos que escolher.

E é assim em todos os âmbitos da vida. Para finalizar, falemos de uma escolha que, sem dúvida alguma, é a mais acertada para todos os seres humanos: optar pelo amor. Em primeiro lugar, amor a si mesmo. Quem não se ama, não consegue amar ninguém. Não se dá aquilo que não se tem. Amar o próximo como a si mesmo: isso se chama caridade (em grego, ágape).

Por fim, não estando disposto a viver o celibato (livremente, vida de solteiro, na castidade por amor ao Reino de Deus), podemos escolher, em meio a milhões de pessoas, uma para dedicá-la o nosso amor. E uma vez escolhida a pessoa, a felicidade está em amá-la incondicionalmente, ou seja, crendo que o amor, somente o amor, é capaz de superar os limites impostos pela condição humana, demasiadamente frágil e finita.

Tiago de França

sábado, 15 de outubro de 2016

O professor e a educação no Brasil

Neste ano, todo professor que tem consciência do que está acontecendo no Brasil sabe que não há muito o que comemorar neste dia 15 de outubro, Dia do Professor. Não temos o que comemorar, mas temos motivos de sobra para protestar.

Um dos motivos é simples de entender: anualmente, fala-se da importância do professor, assim como reclama-se a respeito da falta de valorização, tanto por parte do governo quanto por inúmeras pessoas que não tem o mínimo de respeito pelo professor. Apesar disso, praticamente nada se faz para mudar.

Estamos cansados de assistir à situação vergonhosa de como o professor é tratado no Brasil: vítima da violência em sala de aula e nos protestos que realiza (só para citar um exemplo, basta lembrar a forma vergonhosa como os professores foram tratados pelo governo do estado do Paraná em 2015); salário indigno, que não assegura um padrão de vida digna; número crescente de professores afastados por doenças oriundas do desgaste da profissão etc.

Com a queda da Presidenta Dilma e chegada de Michel Temer (PMDB/PSDB/DEM) ao poder, a situação se agravou. A primeira ação do governo Temer foi extinguir o Ministério da Educação. Segundo ele, a educação não precisa de ministério no governo. Somente essa atitude foi o bastante para avisar a todos os brasileiros que a educação não é, nem poderá ser prioridade do governo federal.

Outra medida antidemocrática e contrária à educação tomada pelo governo Temer foi a imposição, via Medida Provisória, de uma “reforma” do Ensino Médio. A ideia é extinguir a Filosofia e a Sociologia, assim como outras disciplinas da escola. Estas duas trabalham com a libertação da ingenuidade e da cegueira dos alunos. O governo quer gente cega e ignorante.

Neste sentido, além da “reforma”, está apoiando a tramitação do projeto “Escola sem partido” no Congresso Nacional. O objetivo do projeto é tornar lei a ideologia do governo e mandar para a cadeia os professores que despertarem o espírito crítico dos alunos. Segundo os idealizadores do projeto, despertar o senso crítico é crime, pois provoca subversão. Para eles, educar é ensinar a decorar.

Uma terceira medida do governo Temer é a PEC 241, também conhecida como “PEC da desgraça” ou “PEC da morte”. Trata-se de um projeto de emenda à Constituição que visa limitar os gastos do governo. O corte nas verbas da educação nos próximos 20 anos ultrapassará a cifra de 20 bilhões de reais por ano.

Para tomar estas e tantas outras medidas, o governo Temer age como se estivéssemos numa monarquia, na qual a vontade do rei é a que impera. Não há consulta ao povo; não há interesse naquilo que este pensa ou sente; recusa-se, terminantemente, a escutar os clamores populares; governa-se em prol dos interesses dos mais ricos em detrimento do bem comum.

Neste cenário, não há o que comemorar no dia do professor. O momento é oportuno para protestarmos contra estes e outros abusos que virão. A justa homenagem aos professores neste 15 de outubro de 2016 é nos unirmos no protesto contra as medidas que visam acabar com a liberdade no ensino, assim como mitigar os investimentos na educação.

Nós, professores, não somos criminosos. Nossa missão não é despertar o ódio, mas o gosto pela aprendizagem. Trabalhamos, diuturnamente, para assegurar o futuro do País. Somos merecedores do respeito e da estima de todos.

Depois dos pais, somos as pessoas mais importantes na vida de nossos alunos (pelo menos daqueles que tem consciência da importância de seus professores!) Reconhecendo ou não, o futuro deles passa por nossas mãos, por nossa voz e pelo bico de nossas canetas. Quem, na vida, consegue ser alguma coisa sem a colaboração do professor?...

Na qualidade de professor de Filosofia e Educação Religiosa, uno-me aos meus colegas de profissão, especialmente aqueles que se encontram em situações mais vulneráveis de trabalho. Não há salário que pague a nossa dedicação e nossa arte de lecionar. Que o bom Deus nos conceda saúde e perseverança, pois nos sentimentos honrados, apesar dos pesares, em sermos chamados de professores.

A todos os meus professores, de ontem e de hoje, na ativa, ou aposentados, a minha eterna gratidão! Eu não saberia o que sei, nem seria o que sou sem meus professores, especialmente a minha mãe, hoje aposentada, que foi a minha primeira professora, com quem aprendi a ler, a contar, a pensar e a ser gente.


Prof. Tiago de França

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Como olhar para o passado sem se deixar afetar por ele? Pensamentos (XXIII)

Após alguns dias de pausa para recolhimento, resolvemos retomar com nossas reflexões, antecipando-nos. O motivo é simples: a data de hoje, 14 de outubro. Algumas datas marcam a vida da gente.

Algumas datas devem permanecer na memória para que não se repitam; outras devem permanecer porque, de algum modo, motivam na caminhada rumo ao futuro.

Não queremos falar do fato em si, ocorrido nesta data, que nos motivam a compartilhar alguns pensamentos de ordem existencial. A descrição de fatos da vida pessoal não cabe no espaço deste blogue. Isso a gente deixa para um pequeno número de amigos íntimos.

Nossa intenção é situar o olhar sobre o passado, com o objetivo de responder à pergunta: Como podemos olhar para o nosso passado sem nos deixarmos afetar, negativamente, por ele? Esta parece ser uma questão que merece a nossa atenção, considerando o número assustador de pessoas que sofrem por causa do seu passado.

Há muito tempo, desde quando descobrimos a espiritualidade do desapego como prática cotidiana, temos insistido, sem cessar, na necessidade de termos paz interior a partir da reconciliação com o nosso passado. Se este nos causa tristeza, ressentimento, mágoa, rancor, ódio e outros sentimentos congêneres, então não temos paz.

Se olharmos para o nosso redor, não teremos dificuldade para perceber o sofrimento estampado na face das pessoas, por causa de passados mal resolvidos. Como lidar com passados mal resolvidos? Como lidar com situações que não completaram o seu ciclo de existência, situações que ficaram pela metade? Este é um desafio.

Sozinhas, muitas pessoas não dão conta de se reconciliar com suas histórias passadas de perdas e frustrações. Uma boa parcela delas tenta levar a vida como se não tivesse passado, tentando evitá-lo a todo custo, fugindo dele como o diabo foge da cruz. Essa fuga provoca angústia e tédio, deixando a pessoa triste e deprimida.

Cremos que o primeiro passo em relação ao passado é aceitar a seguinte verdade: o que passou não existe mais. Isso significa que não podemos trazer para o presente nada daquilo que passou: pessoas, circunstâncias, sentimentos e tantas outras coisas ruins. Até as coisas boas passam e deixam de existir.

Não adianta querer fazer com que o passado se torne presente. Não funciona. O presente é outra situação. No presente somos outras pessoas. O presente exige a nossa presença, a nossa ação, a nossa consciência. Nele está a nossa vida. A vida está acontecendo no presente, que, em breve, transformar-se-á em passado.

Muitas pessoas, quando olham para o seu passado, perguntam-se, revoltadas: Meu Deus, onde eu estava com a cabeça para ter agido daquela forma, falado aquelas palavras, pensado daquele jeito? O lamento faz parte da vida, mas não há necessidade de viver lamentando.

Neste sentido, é bom olhar para o passado, porque este olhar oportuniza aprendizagem. Naquilo que não fomos suficientemente bons, precisamos analisar para que tais situações não se repitam. Aí estão o crescimento e a maturidade humana. Aprender com o próprio passado é atitude de mulheres e homens sábios.

Na vida, nada acontece por ocaso. Tudo tem uma razão de ser, e com tudo podemos aprender. Na linguagem dos místicos, se diz que tudo é graça.

Mesmo as situações que nos provocam dor e sofrimento, com elas podemos tirar lições preciosas. Não podemos deixar tais situações passarem despercebidas. É preciso refletir sobre as causas que as provocaram. É dessa reflexão que surge o que denominamos maturidade.

Para o autor desta reflexão, 14 de outubro é uma data a ser sempre recordada. Trata-se de uma data que recorda um acontecimento que poderia ter sido evitado, pois repercutiu durante anos. Desde há algum tempo já não mais repercute negativamente. A palavra que marca esta data se chama ilusão.

Ilusão que já não ilude mais porque a luz da verdade, da serenidade e da razão, despertada pelo tempo fez com que a mesma se evaporasse. O tempo, e somente o tempo, revela a verdade de todas as coisas. Basta esperar e observar.

E quando a fumaça evapora, passamos a enxergar o caminho com clareza, sem embaraço. Quando o passado não é mais embaraço, então experimentamos a paz. E quando estamos em paz, tudo está bem, não sentimos mais falta de nada.

Tiago de França

domingo, 9 de outubro de 2016

Aos nossos leitores. Pausa.

Aos leitores,

Comunico que darei uma pausa às publicações. Retomarei com as mesmas a partir do dia 16/10. Grato pela apreciação dos meus textos!

Deixo um pensamento para vossa reflexão, com o desejo de uma feliz semana e um fraterno abraço a todos:

"Não podemos ter o amor, mas é o amor que nos tem, que nos muda e nos purifica. A felicidade e o amor caminham juntos, mas não produzem emoções nem excitação, porque estas são inimigas da felicidade. Tampouco produzem aborrecimento, porque a felicidade nunca nos satura quando somos de fato felizes. E não nos satura porque existe onde não se manifesta o "eu". A felicidade é um estado de contínua consciência. Se estamos conscientes de uma coisa, podemos sempre controlá-la e vê-la como ela é. Se não estamos conscientes, essa coisa nos domina. Só amando é que encontramos a felicidade, e só podemos ser felizes através do amor. Quem ama de verdade não escolhe a pessoa amada, mas ama por não haver alternativa: simplesmente porque existe amor para dar".

Anthony de Mello


terça-feira, 4 de outubro de 2016

A lição de São Francisco de Assis

Os cristãos da Igreja Católica celebram hoje a memória de São Francisco de Assis. Francisco é do séc. XIII da nossa era, mas sua mensagem permanece atualíssima. Encontrou-se com Jesus na pessoa dos pobres abandonados de seu tempo. Nasceu no seio de família rica, mas optou pela pobreza. Quis ser frade, o menor.

Atraiu milhares de jovens, e com estes criou a Ordem dos Frades Menores. Não queria ser padre nem quis criar, na Igreja, mais uma ordem clerical. Era missionário livre, pobre entre os pobres. Sua regra de vida era o Evangelho de Jesus. E assim viveu até ser chamado para o convívio dos eleitos.

Qual a lição de Francisco de Assis? Viver o amor na pobreza evangélica. Esta pobreza não é sinônimo de miséria, mas despojamento das riquezas e das vaidades humanas por amor ao Reino de Deus. Francisco de Assis viveu como Jesus, anunciando a Boa Notícia do Reino de Deus aos pobres. Despojado de poder, prestígio e riqueza, foi um fiel discípulo missionário de Jesus.

Com Francisco de Assis, aprendemos a ser simples, humildes, despojados e, consequentemente, evangélicos. Aprendemos também que o amor de Deus é revelado aos pequenos, e quem quiser conhecer e experimentar este amor deve tornar-se pequeno. Não há outro caminho. Este é o caminho da salvação, que constitui o centro do Evangelho.

Irmão da natureza e amigo do Senhor, Francisco nos ensina a sermos pessoas livres. Uma pessoa livre é leve, suave, pacífica, alegre, cheia de ternura e de amor. Em um mundo marcado por diversas formas de escravidão, cheio de pessoas amargas, precisamos aprender com Francisco a alcançar o dom da ternura da Trindade.

Celebrar sua memória é abrir-se ao propósito de viver como Jesus viveu: na radicalidade do amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Nossas Igrejas e nossa sociedade precisam, urgentemente, de missionários como o Pobre de Assis, que trabalhem, incansavelmente, por um mundo mais justo e fraterno.

Tiago de França

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Uma palavra sobre o cenário político pós-1º turno das eleições 2016

O resultado do primeiro turno das eleições municipais que ocorreram ontem, dia 02 de outubro, em inúmeros lugares, é assustador. Trata-se de um resultado que mostra o nível da maturidade política de grande parcela do povo brasileiro. O povo apanha, mas não aprende: esta é uma triste constatação.

E por que não aprende? Esta pergunta requer uma resposta analítica e, portanto, de considerável complexidade. E é assim porque a situação da política brasileira constitui um conjunto de fatores que influenciam no resultado não somente das eleições, mas repercute, sobretudo, no cotidiano da vida do povo. O perfil do eleitor brasileiro, de modo geral, é a coisa mais estranha que se pode ver no mundo.

A ignorância política é o que está por trás das mazelas políticas que se assiste no Brasil. Um eleitor ignorante desconhece as consequências do seu voto. Na verdade, ele vai às urnas sem saber as razões que o conduzem. Seria assustadora o resultado de uma pesquisa de opinião que tivesse a seguinte pergunta, dirigida ao eleitorado brasileiro: Por que você vota? A maioria do povo desconhece o sentido, o valor e o alcance do voto.

Eleitores ignorantes são desprovidos de consciência política. O que se pode fazer com um povo assim? Um povo assim está sujeito a tudo. Quem não tem consciência é cego, e nada enxerga. O político rouba à luz do dia, e o que ele recebe é o reconhecimento dos alienados: “Ele rouba, mas faz!” O eleitor ignorante não enxerga o óbvio da realidade e, por isso mesmo, compactua com a corrupção.

A mídia que domina o Brasil é conservadora e está a serviço das forças dominantes. Estas forças fazem de tudo para ficarem mais fortes e poderosas. Para permanecerem dominando, precisam de um povo cego, ignorante e obediente; de um povo domesticado. Neste sentido, a mídia é a grande ferramenta a serviço da dominação. Seu poder é tão grande, que é capaz de fazer o povo enxergar a salvação de sua vida na desonestidade do político ladrão.

O ignorante confere ao político o poder para explorá-lo e matá-lo. No Brasil, os políticos são os mais ricos do mundo. Roubam descaradamente porque sabem que o povo não reage, e não reage porque é cego. O povo já aceitou a ideia de que a política se tornou um meio de vida para muita gente, e vai às urnas eleger essa gente que não pensa nem age em vista do bem comum. Tornou-se um vício.

A ignorância política somada à mídia que legitima a dominação gera um sistema moderno de escravidão, que se perpetua com a colaboração do próprio povo. Este passa a não se enxergar fora da escravidão. O escravo olha para si mesmo e diz: “O que seria de mim sem o meu senhor? Tenho orgulho de ser seu escravo. Não consigo viver sem chicote e fardo. É a minha vida”.

Em pleno séc. XXI é assim que funciona. Os mais esclarecidos ficam horrorizados com a escravidão do período colonial da história brasileira, e se sentem envergonhados, pois se trata de um passado sombrio. O mesmo ocorrerá com as gerações futuras, ao estudarem a situação atual da política brasileira. Mas como se trata de um vício histórico, talvez as gerações futuras também deixar-se-ão escravizar. E assim caminha a humanidade.

Apesar de tudo isso, a esperança permanece viva. Como professor-educador, procuro fazer minha parte. Sei bem que a maioria das crianças, adolescentes e jovens de nossas escolas e universidades está contaminada pelo vírus da escravidão. Como dizia Paulo Freire: já tem em si o opressor, e pautam suas vidas de acordo com a programação imposta por ele.

Mesmo assim, continuarei tentando despertar a reflexão, com a consciência dos perigos que daí decorrem. A utopia de outro mundo possível e a fé no Amor maior são as molas propulsoras do meu pensar e agir. Não me entrego ao desespero porque não encontro sentido nele. Cada um faz suas escolhas, e a minha tem nome: Esperança ativa. E esta esperança ativa é caminho de libertação.


Tiago de França

sábado, 1 de outubro de 2016

A lição de Santa Teresinha do Menino Jesus

Como católico, tenho profunda admiração pela história de alguns santos e santas da Igreja. Uma das santas que mais me chama a atenção é Santa Teresinha do Menino Jesus. Conheci a história desta grande mulher através de um grande amigo já falecido, Pe. Cristiano Muffler, que também era devoto desta grande santa.

Sempre que disponho de tempo, retomo a leitura dos escritos espirituais de Santa Teresinha. Ela nasceu na França, em 1873, e morreu em 1897, portanto, muito jovem. Aos 15 anos de idade, Teresinha entrou no Carmelo, tornando-se carmelita. Deus a chamou à santidade, e ela sabia disso.

Respondeu ao chamado com muito amor, alegria e humildade. Na Igreja, recebeu o título de Doutora, devido ao seu testemunho de vida e à profundidade espiritual de seus escritos. É considerada mística porque viveu mergulhada no mistério de Deus. Também é a patrona universal das missões católicas.

Há um pensamento de Santa Teresinha que sempre me chamou a atenção, pela verdade e simplicidade das suas palavras, que diz: “Viver de amor é dissipar o medo e a recordação das faltas passadas”. Em sintonia com a misticismo de sua obra, ouso traduzir o significado deste seu pensamento.

O que significa viver de amor, segundo o pensamento de Santa Teresinha? Primeiro, significa dissipar o medo. Dissipar é afastar, livrar-se, libertar-se. No Evangelho, Jesus repete inúmeras vezes: “Não tenhais medo!” Santa Teresinha sabia que o medo é um grande obstáculo à fé em Jesus. A fé não convive com o medo. Este tende a paralisar a pessoa, transformando a sua vida numa experiência de morte.

Quem é dominado pelo medo já conhece a morte. No lugar do medo, Santa Teresinha propõe o amor. Ela descobriu que a sua vocação era o amor. Esta é a vocação de toda pessoa de fé. Para afastar o medo é preciso ter fé e muito amor. No amor e na fé está a confiança; uma confiança plena. Uma pessoa amorosa e de fé inabalável confia plenamente na ação amorosa de Deus.

No mundo em que vivemos, marcado pelas inúmeras formas de violência e desespero, o medo tem tomado conta das pessoas. As crises geram insegurança, ansiedade, angústia etc. As pessoas sentem medo do futuro imprevisível ao observarem a confusão do presente. Mulheres e homens que vivem de amor podem até sentir medo, mas não se deixam dominar por ele.

Em segundo lugar, viver de amor significa dissipar a recordação das faltas passadas. Recordar o passado não faz mal, quando estamos reconciliados com ele. Ficar “remoendo” o passado não faz bem à saúde da mente e do espírito.

No que se refere às faltas passadas, é necessário deixá-las no passado. Reconciliar-se com essas faltas significa assumi-las, reconhecendo-as com humildade de coração.

Manter viva a recordação destas faltas é atitude inútil, que torna a vida triste e pesarosa. Trata-se de uma recordação que não torna a vida presente leve, livre e feliz.

Por fim, consideremos uma constatação oriunda do testemunho de Santa Teresinha: quem quiser ter paz de espírito, dissipe o medo e a recordação das faltas passadas. A paz de espírito é uma riqueza sem a qual nenhum ser humano consegue viver bem.

Em um mundo cheio de gente perturbada, feliz aquele que consegue experimentar a paz de espírito; paz que o mundo não consegue dar, mas somente se pode alcançar vivendo de amor. Esta é a lição de Santa Teresinha do Menino Jesus. Uma lição sempre atual e necessária para uma vida saudável e outro mundo possível.


Tiago de França