terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Compreender e conviver

     
        Nas aulas de introdução à filosofia, conversava com meus alunos sobre a importância da compreensão para a convivência humana. Em uma sociedade marcada pela intolerância, a compreensão é elemento fundamental para que as pessoas possam conviver em paz. Somente haverá a chamada cultura do encontro se houver compreensão entre os sujeitos que compõem o corpo social. De forma sucinta, discorreremos sobre alguns aspectos da dinâmica da compreensão nas relações interpessoais. Nosso objetivo é oferecer algumas provocações para que o leitor possa repensar o seu modo de se relacionar com as pessoas.

        Não pode existir compreensão sem uma prévia disposição interna por parte das pessoas. Quem não se dispõe a compreender o outro, não chega a relacionar-se bem com ninguém. Portanto, é necessário querer compreender. Trata-se de uma atitude interior, que conduz a pessoa para o caminho da compreensão. Sem este querer, tudo se torna embaraçoso e entravado. As coisas tendem a fluir quando a pessoa está motivada a compreender o próximo.

        A sociedade atual, marcadamente violenta, tende a desmotivar e bloquear o surgimento da compreensão. Há um movimento ideológico muito forte que induz as pessoas a pensar que não vale a pena apostar na compreensão. Fala-se, implícita e explicitamente, que compreender o outro é atitude de gente boba, fraca e sem personalidade. E é assim porque ser violento, no sentido de impor determinadas ideias e comportamentos, passou a ser considerado algo normal. Hoje, forte é aquele que se impõe sobre o outro, impedindo-o de ser livre.

        Assim, é necessário que haja um outro movimento contrário, certamente superior, não somente em dignidade e força, mas na capacidade de assegurar resultados dignos do ser humano enquanto tal. Estamos falando do movimento de resistência contra esta onda fortíssima das ideologias de dominação. Precisamos compreender este fenômeno vergonhoso do nosso tempo. As ideologias de dominação tiram a capacidade de pensar de milhões de pessoas, e a grande mídia está a seu serviço. Estamos falando de um avassalador movimento de domesticação das pessoas.

        A compreensão surge de uma consciência livre e amadurecida. Conscientes daquilo que se passa no mundo, da teia complexa de relações, ideologias e interesses, as pessoas conseguem enxergar com clareza a si mesmas, bem como se identificam com aquilo que realmente edifica e/ou constrói. Em outras palavras, a compreensão não pode surgir em um horizonte confuso, marcado pelo bombardeio da mentira e da ilusão. Compreensão exige serenidade, análise, mansidão, concentração e paciência.

        Tudo o que acontece em todos os âmbitos da vida humana está sujeito à compreensão. Desta nada pode escapar. Não há acasos nem destino traçado. Na verdade, vivemos no mundo das possibilidades, das novidades e do chamamento constante aos desafios a serem superados. Tudo tem suas causas e seus efeitos. A vida está no encontro e no desencontro, na convergência e na divergência, na aceitação e na resistência. Quem se dispõe a compreender as pessoas e suas circunstâncias precisa se dispor, sobretudo, à abertura para aquilo que está sempre além do mesmo ou da mesmice. Neste sentido, compreender é ter a ousadia de constatar e pensar naquilo que está além de nossa mediocridade.

        A pessoa bitolada, encerrada em seu horizonte curto de visão, não consegue jamais compreender o outro. O homem atual conseguiu descobrir e manipular muitas coisas. A ciência evoluiu significativamente. Muitas coisas boas e úteis se tornaram acessíveis para o bem de muitos. Mas, simultaneamente, assistimos ao reino da ignorância dominando milhões de pessoas em todo o mundo. Onde reinam as trevas da ignorância não há o salutar exercício da compreensão. Uma pessoa ignorante é uma pessoa fechada à compreensão, portanto, sofre de um mal gravíssimo: o mal da mediocridade.

        Por fim, é preciso considerar outro aspecto que se destaca quando falamos da virtude da compreensão: o desafio de colocar-se no lugar do outro. Deve existir um sincero interesse de saber o que se passa com o outro, para conhecer as motivações que o levam a ser do jeito que é. Geralmente, o outro sempre tem seus motivos que justificam, ou explicam o seu modo de proceder. Quando julgamos determinada pessoa, cometemos o pecado de reduzi-la ao fato ocorrido, esquecendo-nos de enxergar o contexto, e de saber das razões ou motivações da sua ação. É assim porque nossa preguiça mental nos impede de fazermos análises profundas das coisas. Assim procedendo, cometemos dois erros: ou caímos no reducionismo, ou na generalização apressada. Aí também aparece o julgamento precipitado.

        O outro clama por nossa compreensão. Em relação a ele, também nós imploramos a mesma coisa. Esse desejo recíproco por compreensão é inerente ao ser humano. Uma vez satisfeito, este desejo é elemento fundamental na construção da paz. Esta, por sua vez, é filha da cultura do encontro. Compreender não é sinônimo de concordar com aquilo que vai contra os nossos princípios e valores. Compreender é aceitar a realidade como ela é, como ela se apresenta, aceitando-a na sua integralidade. Pessoas compreensivas são verdadeiramente humanas porque permanecem de mãos estendidas e de braços abertos. Não lhes falta a sensibilidade necessária para que se mantenham assim. A própria compreensão faz brotar a sensibilidade.

        Para erradicarmos a intolerância que promove a cultura da eliminação do outro, precisamos, urgentemente, apostar em nossa capacidade de compreender a realidade e as pessoas nela inseridas. Sem compreensão não há ação consciente e benéfica. Não há também resistência contra tudo aquilo que nos desumaniza. Para combater a mentira que tende a dominar o mundo, precisamos ter a serenidade e a sensibilidade necessárias para análises críticas e comprometidas com a justiça e o bem comum.

O mundo carece de pessoas que ousam compreender para, assim, crer na construção de um mundo mais justo e fraterno. Compreendendo, crendo e agindo na esperança podemos ir longe, libertando-nos, definitivamente, do perigoso espírito da mediocridade, que tem aprisionado tanta gente no mundo, impedindo-as de serem felizes. Pessoas medíocres não compreendem as outras e, dessa forma, tendem a não permitir que estas também sejam felizes. Sejamos, pois, compreensivos em vista do bem viver.

Tiago de França

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