Nas aulas de introdução à
filosofia, conversava com meus alunos sobre a importância da compreensão para a
convivência humana. Em uma sociedade marcada pela intolerância, a compreensão é
elemento fundamental para que as pessoas possam conviver em paz. Somente haverá
a chamada cultura do encontro se
houver compreensão entre os sujeitos que compõem o corpo social. De forma
sucinta, discorreremos sobre alguns aspectos da dinâmica da compreensão nas
relações interpessoais. Nosso objetivo é oferecer algumas provocações para que
o leitor possa repensar o seu modo de se relacionar com as pessoas.
Não pode existir compreensão sem uma prévia disposição interna por parte das
pessoas. Quem não se dispõe a compreender o outro, não chega a relacionar-se
bem com ninguém. Portanto, é necessário querer compreender. Trata-se de uma
atitude interior, que conduz a pessoa para o caminho da compreensão. Sem este
querer, tudo se torna embaraçoso e entravado. As coisas tendem a fluir quando a
pessoa está motivada a compreender o próximo.
A sociedade atual, marcadamente violenta, tende a desmotivar e
bloquear o surgimento da compreensão. Há um movimento ideológico muito forte
que induz as pessoas a pensar que não vale a pena apostar na compreensão. Fala-se,
implícita e explicitamente, que compreender o outro é atitude de gente boba,
fraca e sem personalidade. E é assim porque ser violento, no sentido de impor
determinadas ideias e comportamentos, passou a ser considerado algo normal. Hoje,
forte é aquele que se impõe sobre o outro, impedindo-o de ser livre.
Assim, é necessário que haja um outro movimento contrário,
certamente superior, não somente em dignidade e força, mas na capacidade de
assegurar resultados dignos do ser humano enquanto tal. Estamos falando do
movimento de resistência contra esta onda fortíssima das ideologias de
dominação. Precisamos compreender este fenômeno vergonhoso do nosso tempo. As ideologias
de dominação tiram a capacidade de pensar de milhões de pessoas, e a grande
mídia está a seu serviço. Estamos falando de um avassalador movimento de
domesticação das pessoas.
A compreensão surge de uma consciência livre e amadurecida. Conscientes
daquilo que se passa no mundo, da teia complexa de relações, ideologias e
interesses, as pessoas conseguem enxergar com clareza a si mesmas, bem como se
identificam com aquilo que realmente edifica e/ou constrói. Em outras palavras,
a compreensão não pode surgir em um horizonte confuso, marcado pelo bombardeio
da mentira e da ilusão. Compreensão exige serenidade, análise, mansidão,
concentração e paciência.
Tudo o que acontece em todos os âmbitos da vida humana está
sujeito à compreensão. Desta nada pode escapar. Não há acasos nem destino
traçado. Na verdade, vivemos no mundo das possibilidades, das novidades e do
chamamento constante aos desafios a serem superados. Tudo tem suas causas e
seus efeitos. A vida está no encontro e no desencontro, na convergência e na
divergência, na aceitação e na resistência. Quem se dispõe a compreender as
pessoas e suas circunstâncias precisa se dispor, sobretudo, à abertura para
aquilo que está sempre além do mesmo ou da mesmice. Neste sentido, compreender
é ter a ousadia de constatar e pensar naquilo que está além de nossa
mediocridade.
A pessoa bitolada, encerrada em seu horizonte curto de visão,
não consegue jamais compreender o outro. O homem atual conseguiu descobrir e
manipular muitas coisas. A ciência evoluiu significativamente. Muitas coisas
boas e úteis se tornaram acessíveis para o bem de muitos. Mas, simultaneamente,
assistimos ao reino da ignorância dominando milhões de pessoas em todo o mundo.
Onde reinam as trevas da ignorância não há o salutar exercício da compreensão. Uma
pessoa ignorante é uma pessoa fechada à compreensão, portanto, sofre de um mal
gravíssimo: o mal da mediocridade.
Por fim, é preciso considerar outro aspecto que se destaca
quando falamos da virtude da compreensão: o desafio de colocar-se no lugar do
outro. Deve existir um sincero interesse de saber o que se passa com o outro,
para conhecer as motivações que o levam a ser do jeito que é. Geralmente, o
outro sempre tem seus motivos que justificam, ou explicam o seu modo de
proceder. Quando julgamos determinada pessoa, cometemos o pecado de reduzi-la
ao fato ocorrido, esquecendo-nos de enxergar o contexto, e de saber das razões
ou motivações da sua ação. É assim porque nossa preguiça mental nos impede de
fazermos análises profundas das coisas. Assim procedendo, cometemos dois erros:
ou caímos no reducionismo, ou na generalização apressada. Aí também aparece o
julgamento precipitado.
O outro clama por nossa compreensão. Em relação a ele, também
nós imploramos a mesma coisa. Esse desejo recíproco por compreensão é inerente
ao ser humano. Uma vez satisfeito, este desejo é elemento fundamental na
construção da paz. Esta, por sua vez, é filha da cultura do encontro. Compreender
não é sinônimo de concordar com aquilo que vai contra os nossos princípios e
valores. Compreender é aceitar a realidade como ela é, como ela se apresenta, aceitando-a
na sua integralidade. Pessoas compreensivas são verdadeiramente humanas porque
permanecem de mãos estendidas e de braços abertos. Não lhes falta a
sensibilidade necessária para que se mantenham assim. A própria compreensão faz
brotar a sensibilidade.
Para erradicarmos a intolerância que promove a cultura da
eliminação do outro, precisamos, urgentemente, apostar em nossa capacidade de
compreender a realidade e as pessoas nela inseridas. Sem compreensão não há
ação consciente e benéfica. Não há também resistência contra tudo aquilo que
nos desumaniza. Para combater a mentira que tende a dominar o mundo, precisamos
ter a serenidade e a sensibilidade necessárias para análises críticas e
comprometidas com a justiça e o bem comum.
O mundo
carece de pessoas que ousam compreender para, assim, crer na construção de um
mundo mais justo e fraterno. Compreendendo, crendo e agindo na esperança
podemos ir longe, libertando-nos, definitivamente, do perigoso espírito da mediocridade,
que tem aprisionado tanta gente no mundo, impedindo-as de serem felizes. Pessoas
medíocres não compreendem as outras e, dessa forma, tendem a não permitir que
estas também sejam felizes. Sejamos, pois, compreensivos em vista do bem viver.
Tiago de França
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