quarta-feira, 1 de março de 2017

MENSAGEM QUARESMAL 2017

“Agora, diz o Senhor, voltai para mim com todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos; rasgai o coração, e não as vestes; e voltai para o Senhor, vosso Deus; ele é benigno e compassivo, paciente e cheio de misericórdia, inclinado a perdoar o castigo” (Joel 2, 12).

        Nenhuma pessoa muda de vida da noite para o dia. Converter-se é mudar de mentalidade e de vida. A conversão é um processo único e pessoal. Único porque cada pessoa tem a sua história e esta é constituída por inúmeras circunstâncias. Pessoal porque cada pessoa precisa tomar a decisão, se quer ou não mudar de vida. Esta decisão é pessoal. Portanto, a conversão se inicia quando a pessoa decide, livremente, mudar de vida. Toda pessoa precisa fazer um propósito, tomar uma direção, colocar-se a caminho e nele perseverar.

        A espiritualidade cristã ensina que somente pela força do Espírito Santo a pessoa é capaz de tomar esta decisão. Este tipo de decisão já constitui uma resposta ao chamado de Deus. É o início de uma resposta que precisa ser generosa e permanente. Responde-se a Deus se dispondo a ouvir o seu apelo de amor. Quem tomou a decisão de trilhar o caminho da conversão, na verdade, se dispôs a abrir os ouvidos à voz de Deus que chama à renovação da vida. Converter-se é abrir-se à renovação da vida.

        Tomada a decisão, inicia-se a caminhada. O caminho é estreito e pedregoso, cheio de tentações. O desânimo oriundo do cansaço é uma das piores tentações. Para não desanimar, a pessoa precisa ter a virtude da paciência, saber esperar em Deus. Este Deus exige que a pessoa se entregue sem medo à experiência da comunhão com Ele. Nesta experiência, Ele revela o seu grande e infinito amor; e neste amor a pessoa experimenta o conhecimento de si mesma. É no encontro com Deus, no mais profundo de si mesmo, que o ser humano conhece as suas sombras, seus pecados.

        Totalmente entregue ao amor divino, a pessoa faz a experiência do perdão. O amor e o perdão caminham juntos. Quem se encontra com Deus tem seus pecados perdoados e encontra a paz de espírito. Deus é amor e Nele toda pessoa encontra a reconciliação consigo mesma. Uma vez reconciliada consigo mesma e com Deus,  é capaz de entrar em comunhão com seus irmãos, seus semelhantes; do contrário, o encontro com o outro não ocorre porque a ausência de paz não cria este encontro necessário. O caminho da conversão é um caminho de reconciliação, de amor, de encontro e de paz.

        O profeta Joel fala da necessidade de se voltar para o Senhor. O bom filho sempre retorna à casa de seu pai e de sua mãe. Deus é este Pai e esta Mãe que permanece de braços abertos porque é puro amor. A partir do evangelho de Jesus, podemos afirmar, categoricamente: Não há pecado no mundo que seja capaz de impedir, definitivamente, o encontro com Deus, Pai e Mãe de misericórdia. Somente aquela pessoa que se recusa mostra-se incapaz de encontrar a Deus. E é assim porque Deus não força o encontro nem a aproximação. Deus é amor gratuito e livre. Deus ama na liberdade e para a liberdade.

        O cristão é chamado a voltar para o Senhor rasgando o coração e não as vestes. O que o profeta Joel quis dizer ao falar em rasgar o coração? De modo geral, as pessoas optam por ter um coração de pedra. Este coração é duro e insensível. Quem tem coração de pedra é incapaz de sentir compaixão e de se entregar ao amor. Este amor não resiste a um coração de pedra. Rasgar o coração significa abandonar o coração de pedra, e em seu lugar fazer surgir um coração de carne. Rasgar é abrir, acolher, deixar sentir e pulsar, renunciar à frieza e à rispidez, cultivar o amor. Converter-se de coração é mudar de vida de verdade, sem mentiras; ir à essência, não se acomodar na superficialidade.

        Nossas Igrejas cristãs, bem como todas as religiões, precisam de homens e mulheres livres no amor, de pessoas de bom coração. Certo dia, escutei de um padre santo a seguinte frase, quando conversávamos sobre a vocação do presbítero na Igreja: “Deus não nos chama a sermos padres, mas nos chama a sermos bons!” A bondade é a marca da pessoa convertida. Ser bom não é ser sem defeito e sem pecado, mas significa ser semelhante a Deus, pura bondade. Quem foi alcançado pelo amor conhece a bondade e, de fato, é bom. O mundo precisa de pessoas boas, de pessoas de bom coração.

        Se quisermos conhecer e viver em um mundo renovado, precisamos aprender a exercitar a bondade no coração, não na aparência. De modo geral, nos refugiamos na aparência, escondendo nosso verdadeiro eu. E é assim porque tendemos à acomodação, recusando-nos à mudança de vida. Esta tentação nos arrasta porque é mais fácil cultivarmos a aparência do que nos ocuparmos com nossa essência.  

Vivemos numa permanente fuga de nós mesmos, e, assim, nos encerramos na tibieza. Que a Quaresma deste ano, seja mais uma oportunidade para avançarmos para as águas mais profundas; para sermos, de fato, pessoas dignas de ser reconhecidas como seres humanos. Deus nos chama a sermos, de fato, humanos. Quem consegue ser humano encontrou a felicidade e a paz; encontrou Deus, que é Tudo em todos.

Feliz caminhada rumo à Páscoa!

Tiago de França

Nenhum comentário: