No mundo antigo, os gregos
conceberam o conceito de ética. Este conceito provém de êthos, e significa o conjunto de costumes normativos da vida em
sociedade, o modo de ser, o caráter. O filósofo Aristóteles concebeu o homem
como zoon politikón, ou seja, animal
político: alguém vocacionado à vida em comum na cidade: pólis, em grego. Neste sentido, o homem somente se realiza enquanto
ser racional quando vive a sua vocação de sujeito político. A ideia de justiça,
para os gregos, surge da relação entre ética e política. Justo é o homem que
sabe discernir, e usando do discernimento aprende a viver em sociedade.
Com o advento da modernidade, surgiram alguns problemas, e um
deles ganhou força com o passar do tempo: O liberalismo. Trata-se de uma
doutrina que prega uma pseudoliberdade: uma liberdade prejudicial ao homem. É
aqui que a relação entre ética e política se torna cada vez mais doente. Na sua
essência, o liberalismo não está preocupado com questões éticas. Uma sociedade
“livre”, com pouca intervenção do Estado, faz surgir o liberalismo econômico,
alicerce do capitalismo selvagem. Na segunda metade do séc. XX, preocupados em
revigorar o sistema, os capitalistas resgataram as bases do liberalismo,
fazendo surgir o neoliberalismo.
Qual o resultado prático da separação entre ética e política?
A degradação do homem e da natureza. Iluminado pela razão, e crendo que esta
solucionaria todos os seus problemas, o homem cria ciência e tecnologia, dando
origem à razão instrumental, marcadamente moderna. Com a evolução desta razão,
que está a serviço do sistema capitalista, o homem se deu conta de que é capaz
de destruir a si mesmo: Somente na primeira metade do séc. XX, consegue
ocasionar duas guerras mundiais, e com o alvorecer do séc. XXI, aperfeiçoa cada
vez mais o seu poder de autodestruição. Irresponsavelmente, age sem nenhuma
preocupação com a própria vida nem com a vida das futuras gerações. O homem se
tornou um dos animais mais perigosos, capaz de erradicar a vida do mundo.
E quanto ao Brasil, o que dizer da relação entre ética e
política em nossa conjuntura nacional? Nos últimos anos, nunca se ouviu falar
tanto em corrupção como agora. As pessoas já não se surpreendem mais ao ouvir,
diuturnamente, os telejornais noticiarem novos escândalos de corrupção. No
Brasil, a corrupção mais se parece com a profundidade do oceano: Ninguém
consegue medir. Quanto mais se vasculha, mais se acha. Governantes e
governados, salvo exceções, vivem metidos na corrupção. O famoso “jeitinho
brasileiro” tem se mostrado como a regra, e a honestidade se tornou exceção. A
realidade mostra que esta afirmação não é exagerada.
Não podemos afirmar que o povo brasileiro é corrupto, mas é
correto dizer que muita gente do povo é corrupta. Não estamos falando de uma
pequena parcela, mas de um número assustador e cada vez mais crescente de
pessoas que desconhecem, na vida prática, o significado da palavra ética. Segundo
elas, a ética é perda de tempo. Afirmam, categoricamente, que é coisa de gente
tola. Defendem que a corrupção vale a pena e traz felicidade ao homem.
Acreditam que a vida se encerra em ganhar a qualquer custo. Viver se resume a
tirar vantagem em tudo. A esperteza e a capacidade de enganar os outros são
exaltadas como marcas do indivíduo corrupto.
Desde criança, as pessoas já aprendem a mentir e enganar, a
tirar vantagem em tudo, a passar os outros para trás. Cria-se uma cultura na
qual o outro deve ser ultrapassado, traído, e, se possível, eliminado. A noção
de dignidade da pessoa humana não sobrevive numa sociedade marcada pela
corrupção. Pessoas corruptas não se preocupam com a dignidade dos outros nem
com a própria. Na verdade, desconhecem o real conteúdo da expressão dignidade
humana. A corrupção fere de morte a dignidade das pessoas, desumanizando-as. Somente
seres humanos dignos são capazes de respeitar e promover a dignidade dos
outros.
Assim, como a maioria do povo brasileiro é capaz de construir
uma sociedade justa e fraterna para todos se o combate à corrupção não
constitui, atualmente, preocupação fundamental? De modo geral, as pessoas
escutam e leem os jornais, mas permanecem com as mesmas atitudes. O médico
escuta falar da corrupção, balança a cabeça, reprovando tal situação, mas no
seu consultório vende o atestado médico. Uma das características de muita gente
corrupta é reprovar a corrupção praticada por outros. São escandalosamente
dissimulados! A dissimulação é uma das tentativas de acobertar a corrupção, e
com aquela nasce a falsa moral e/ou o moralismo. Por trás de muitos discursos
moralistas se esconde muita corrupção.
Fala-se em corrupção sistêmica, que é aquela que atinge todo
o sistema, sem permitir exceções. No Brasil, a corrupção pode ser encontrada em
todas as instituições. Chama-nos a atenção, a corrupção no sistema político.
Centenas de políticos, em conluio com empresários e alguns agentes do Poder
Judiciário, há décadas, assaltam os cofres públicos. Uma parcela dos ladrões envolvidos
foi identificada, a outra continua sem ser conhecida. A corrupção no Judiciário
não é investigada. Não se tem notícia da citação de um nome sequer. Cita-se o
nome de políticos e empresários, mas omite-se os nomes de juízes,
desembargadores, ministros, procuradores, e outros sujeitos importantes do
Judiciário. Este Poder se coloca acima dos outros, apresentando-se como o único
capaz de acabar com a corrupção no Brasil.
Acabar
com a corrupção nunca foi a meta do Judiciário, e a história está aí para
provar isso. Quem detém poder aquisitivo não teme à justiça, e o motivo é
simples: Não há justiça para punir os crimes dos poderosos. No senso comum, o
povo já tem decorada a lição: No Brasil, salvo raras exceções, a justiça sempre
serviu para castigar os empobrecidos, quando estes se rebelaram e se rebelam
contra os poderosos. Estes sabem muito bem que sempre podem contar com a conivência
e com a força bruta do Estado. Considerando os desvios praticados, o saldo
final de uma operação como a Lava Jato será insignificante. Muita gente
poderosa não será punida, e se houver punição para alguns, a pena será branda,
aplicada segundo a conveniência, não segundo o que manda a lei. Para escapar da
punição, os poderosos mudam a lei, e o juiz simplesmente a aplica no caso
concreto, em nome de uma pseudolegalidade.
Ninguém
se deixe iludir: O barulho da grande mídia em torno dos escândalos de corrupção
não constitui combate à corrupção. A grande mídia não está preocupada em
combater a corrupção, pois não nasceu para exercer este papel. Toda cobertura
midiática tem seu propósito: Esconder a corrupção, e o faz de modo eficiente e permanente.
Durante o período do golpe militar foi assim. A mídia foi a grande responsável
em disseminar a ideologia da segurança nacional, domesticando o povo e ceifando
a sua capacidade de reação.
Com
o fim do regime ditatorial, a mídia permaneceu do mesmo jeito: Antipopular e
antidemocrática, portanto, inimiga do bem comum, aliada dos poderosos. Hoje, o
sucessor do governo Dilma Rousseff continua se utilizando da aliança com a
grande mídia, com objetivo de impor reformas contrárias ao bem comum, profunda
e escandalosamente antidemocráticas. O poder midiático é tão forte que o povo
mal consegue reagir, e quando o faz é por algumas horas, sob a ameaça constante
da força bruta do Estado, que de democrático só tem o nome. O Estado
Democrático de Direito é uma ideologia criada para iludir as pessoas,
levando-as a pensar que vivem em um País onde os direitos e garantias
fundamentais são respeitadas. Como aceitar um Estado Democrático de Direito no
qual os direitos fundamentais são, progressivamente, erradicados?... Os mais
pobres perdem seus direitos e os poderosos mantém seus privilégios. É isto que
está acontecendo, hoje, no Brasil.
E a
ética, onde ficou? Permanece com aqueles que se comprometem com a construção de
um novo mundo possível. Somente quem assume esta responsabilidade é capaz de
ser verdadeiramente ético. Todos aqueles que vivem em função dos próprios
interesses, em detrimento do bem comum, não são éticos nem podem ser.
Egoístas,
materialistas, individualistas, corporativistas, os defensores e promotores da
cultura da eliminação do outro, os covardes, as pessoas de mau caráter, os
mentirosos, enfim, todos os que se colocam nas fileiras daqueles que servem à
cultura da morte não são éticos nem podem ser. Na verdade, são pessoas
mesquinhas e, portanto, nocivas à sociedade. O mundo já não tem espaço para
tanta gente assim. Portanto, cabe-nos crer na possibilidade de sermos
diferentes, de sermos verdadeiramente éticos: justos, íntegros e ousados, para
o bem de toda a humanidade. Isto é possível. Ser ético é uma questão de
atitude, não de discurso. Trata-se de uma postura, de um jeito de ser,
verdadeiro caminho de felicidade; não de qualquer felicidade, mas aquela que
inclui o outro, pois na vida social não é possível ser feliz sem a comunhão com
o outro.
Tiago
de França
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