quarta-feira, 12 de julho de 2017

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONDENAÇÃO DO EX-PRESIDENTE LULA

Após um mês sem ter tempo para dar continuidade à publicação de nossos artigos, eis que agora podemos retomá-los. Reiniciamos com uma breve análise: algumas considerações sobre a condenação do ex-presidente Lula. Hoje, o juiz Sérgio Moro condenou o ex-presidente a nove anos e seis meses de prisão.

Tendo lido a sentença penal condenatória, publicada pelo mencionado juiz federal, alguns aspectos nos chamaram a atenção, entre os quais algumas “provas” consideradas pelo juiz para condenar o réu.  O juiz se serviu de rasuras encontradas no apartamento do ex-presidente, rasuras que não apontam registro de propriedade do tríplex. Rasuras que contém a escrita de números soltos. A rasura em si não constitui prova porque não indica nada. Mas para quem já tinha a convicção prévia da condenação, a rasura serviu para justificá-la. No direito brasileiro, só era o que faltava: rasuras com escritos que nada indicam se transformam em prova robusta!

Outra “prova” aceita pelo juiz para justificar a condenação foi a existência de uma reserva do tríplex para o ex-presidente e sua falecida esposa. A mera reserva, sem a efetiva compra e registro do imóvel, se transformou em prova cabal, na concepção do juiz. Segundo este, reserva é sinônimo de propriedade. Ao que parece, o juiz entende que a mera proposta de compra e venda transfere a titularidade do imóvel. Trata-se de um entendimento que não se sustenta em lugar nenhum.

A OAS Empreendimentos sempre teve total disponibilidade sobre o imóvel. Considerando o caráter empreendedor da empresa, é evidente a necessidade de melhoramentos em vista da venda do imóvel para quem quer que seja. O juiz cogitou que a empresa reservou, fez os melhoramentos e transferiu a propriedade ao ex-presidente. Não há uma prova sequer nem da reserva, nem da encomenda dos melhoramentos, nem da transferência. O juiz copiou a acusação genérica do Ministério Público, que acusou, mas não apresentou provas suficientes.

Outra “prova” um tanto curiosa, considerada pelo juiz, para justificar a condenação foi a reportagem de jornal. Isso mesmo! No Brasil, o juiz usa até reportagem de jornal para condenar, criminalmente, uma pessoa. Qual o problema desta “prova”? Reportagem de jornal, principalmente do jornal O Globo, não constitui prova contra ninguém. O que faz um jornal? Recorta a notícia e oferece a narrativa dos fatos de acordo com seus interesses, sem, na maioria dos casos, nenhum compromisso com a verdade. É conhecida a perseguição das Organizações Globo ao ex-presidente. Sabendo disso, o juiz sentenciante utilizou justamente reportagem do mencionado jornal como se ela fosse prova suficiente para elucidar a verdade dos fatos.

O depoimento de delator, criminoso confesso, portanto, interessado nos benefícios do acordo de delação; depoimento dado sem nenhum compromisso com a verdade, foi utilizado pelo juiz como prova. Quem entende o mínimo do instituto da delação premiada sabe que a palavra do delator não constitui prova contra quem quer que seja. A palavra do delator é meio para obtenção de prova.

O juiz Moro ignorou este entendimento jurisprudencial, adotado, inclusive, pelo Supremo Tribunal Federal. No dia em que a palavra de um delator for considerada prova suficiente para condenar alguém, então, pode-se entender que não é necessária a investigação do conteúdo da delação. Uma vez o delator falando, de plano, a sua palavra seria considerada verdadeira, espécie de verdade dogmática, inalcançável pelo contraditório. Mas não é esta a realidade do instituto nem é este o entendimento jurisprudencial adotado no Brasil.

Contra o ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, João Vaccari Neto, o juiz Moro já tinha utilizado a mesma façanha, condenando-o a mais de quinze anos de prisão; condenação que foi “fundamentada” na palavra de delatores. Os desembargadores que revisaram a sentença absolveram o réu porque não se pode condenar alguém, baseando-se somente em delações premiadas.

Sem a devida investigação do conteúdo da delação, é totalmente absurda a confiança na palavra de criminoso confesso. Mas parece que o juiz Moro não aprendeu a lição, e resolveu repetir a dose. Se os mesmos desembargadores se mantiverem fieis à jurisprudência vigente, o juiz de Curitiba vai passar vergonha novamente.

Curiosamente, além destas hipóteses inconsistentes de provas, o juiz aproveitou o espaço da sentença para fazer juízo político do ex-presidente. Este, em depoimento ao magistrado, afirmou, categoricamente, que o processo era para julgar a sua conduta política, dada a ausência de crime. Na ocasião, o juiz negou esta possibilidade; mas na sentença, entrou em contradição: teceu elogios ao ex-presidente, por este ter se dedicado a implementar medidas eficientes de combate à corrupção, e na parte dispositiva da sentença, justificou que não decretou a prisão preventiva do ex-presidente porque isto configuraria uma situação traumática. Trata-se de pura conveniência pessoal, e não processual. Puro capricho do juiz sentenciante. A lei processual penal não respalda este tipo de conduta judicial.

Ao finalizar a sentença, condenando o ex-presidente à pena privativa de liberdade, o juiz copiou parte da exposição do PowerPoint utilizada pelos membros do Ministério Público quando da coletiva de impressa, para fechar com chave de ouro a sua longa e exaustiva sentença penal condenatória. Nesta parte, mencionou possíveis ligações do ex-presidente com os desvios ocorridos na Petrobrás, por meio de possíveis acordos entre o réu e a OAS para assaltar os cofres da estatal.

O juiz somente menciona, mas sem fazer referência à prova nenhuma. Esta parte da sentença faz lembrar os inimigos do ex-presidente que, apaixonadamente, o acusam de ter sido o responsável pelo maior escândalo da história do Brasil, ignorando totalmente a história porque não a estudam. Trata-se de argumento falacioso, que não merece crédito porque desprovido de conteúdo passível de verificação.

Dada esta breve análise de algumas partes curiosas da frágil e descabida sentença do juiz de Curitiba, cabe-nos, ainda, responder à pergunta que não quer calar: A quem interessa a condenação do ex-presidente Lula? Todos sabemos da resposta, mas vale a pena repetir para jamais esquecermos: Interessa, em primeiro lugar, ao PSDB e os partidos coligados que apoiam o nome que este partido vai lançar nas eleições presidenciais de 2018.

As pesquisas de intenção de voto apontam o ex-presidente Lula vitorioso em todos os cenários possíveis, e isto constitui a dor de cabeça do PSDB e da elite brasileira. Neste sentido, a notícia da condenação do ex-presidente acalmou um pouco a dor de cabeça dos caciques do PSDB, partido eternamente fiel aos interesses do mercado e do capital financeiro internacional.

Assim, a condenação do ex-presidente veio numa boa hora para o PSDB, mesmo sabendo que o senador Aécio Neves está praticamente queimado na opinião pública, devido às provas que apareceram nos escândalos de corrupção envolvendo a sua “ilibada” conduta! A sorte do senador tucano é que goza do apadrinhamento por parte de juízes importantes da alta Corte de justiça do País, pois, do contrário, já estaria preso.

Enquanto o juiz Moro condena o ex-presidente Lula, baseando-se em rasura, reportagem de jornal, depoimento de criminoso confesso e outras suposições, o STF devolveu o exercício do mandato do senador tucano porque o considera “chefe de família, com carreira política elogiável”, palavras do ministro Marco Aurélio Mello.

Há, por fim, uma outra questão reveladora: Por que somente hoje, 12 de julho, o juiz Moro resolveu sentenciar o ex-presidente? Nesta semana estão acontecendo dois grandes escândalos em Brasília, que tomaram a cena política nacional: a aprovação da reforma trabalhista no Senado e a discussão da denúncia contra Michel Temer na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.

Para tirar o foco destes escândalos, o juiz Moro resolveu fazer com que o povo brasileiro se voltasse para o ex-presidente Lula, numa tentativa desesperada de acelerar a sua inelegibilidade. Enquanto isso, Michel Temer usa o dinheiro público para, através de emendas aos parlamentares, comprar votos para escapar da possível autorização para instauração de ação penal no Supremo Tribunal Federal.

A condenação do ex-presidente Lula é uma prova incontestável da politização do Judiciário brasileiro. Incansavelmente, temos dito que a justiça brasileira tem se mostrado cada vez mais seletiva: condena uns, absolve outros, de forma absurdamente arbitrária. Portanto, é mentira que a justiça está passando o Brasil a limpo. Onde há seletividade não há justiça, mas manutenção da corrupção porque os grandes corruptos, milionários, continuam rindo da cara do povo.

Alguns destes criminosos milionários são frequentadores assíduos dos gabinetes e residências de juízes e de outros operadores importantes do Direito. Como a justiça pode passar o Brasil a limpo se o réu almoça, janta e toma uísque com o juiz que vai julgar seu processo?... Assiste-se a uma escandalosa banalização da ideia de justiça. A realidade tem demonstrado que o Judiciário serve para aplacar a ira dos fracos e manter os privilégios dos ricos.

Os pobres continuarão sendo vítimas dos desvios do dinheiro público porque o Judiciário se mostra demasiadamente tendencioso na aplicação da lei. Os criminosos de colarinho branco que ocupam o parlamento brasileiro são tão descarados que até elogiam a operação Lava Jato, pois sabem que ela não os alcançará, uma vez que são criminosos de direita, totalmente atrelados ao mercado financeiro, que domina a política brasileira e afronta o Judiciário.

Pelo que se vislumbra a curto prazo, esta situação irá permanecer. Pensar que a justiça brasileira passou a punir a elite, de forma imparcial, destemida e eficaz, seria uma ilusão. Sejamos realistas, e a realidade nos diz, que do ponto de vista ético e moral, as instituições da República brasileira chegaram ao fundo do poço. E o povo está tão cansado de saber que “tudo não vai dar em nada!”, que prefere assistir calado. A descrença é tão evidente quanto a cegueira e a apatia. Vivemos tempos sombrios.

Tiago de França

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