sábado, 22 de julho de 2017

Para manter a fé em meio às crises e dificuldades da vida

     
     Algumas pessoas tem nos pedido para falar da fé em meio às crises e dificuldades que se manifestam na vida. Muitas delas reclamam a falta de fé na hora em que mais precisam dela. Afinal, o que ocorre com aquelas pessoas aparentemente muito religiosas, que quando atribuladas não encontram na fé seu porto seguro para se manterem firmes?  

Vamos pensar a fé a partir da experiência missionária de Jesus de Nazaré, a fim de corrigirmos alguns equívocos que se repetem no senso comum sobre a fé e suas manifestações no cotidiano da vida.

        A fé é um dom gratuito de Deus. Isto significa que não é recebida por herança dos nossos antepassados nem é dada pela religião. A fé não pode ser possuída porque não é uma coisa; nem é passível de manipulação porque o dom divino não se submete aos conceitos oriundos da inteligência humana. 

As pessoas manipulam o que elas mesmas inventam. A fé não é invenção humana. A religião está para a fé como o telhado está para a chuva: o telhado somente serve para acolher a água e deixá-la escoar.

        Geralmente, as pessoas pensam que todo aquele que pratica a religião possui o dom da fé. É um equívoco pensar dessa forma. Quem assim pensa, na verdade, confunde religião com fé. Estas realidades são distintas: a fé vem de Deus, a religião vem dos homens. A religião nasceu da inteligência humana, e esta produz cultura. Religião é um produto cultural.  

A fé, enquanto dom divino, pode se manifestar dentro e fora da religião. Por isso, por mais religiosa que seja uma pessoa, pode ocorrer que não tenha fé. As práticas religiosas podem promover a fé, mas também podem impedir que se manifeste e até extingui-la.

        Neste sentido, é possível encontrar no interior das Igrejas cristãs pessoas altamente perigosas: vingativas, ladras e assassinas, amantes do dinheiro, do prestígio e do poder, inimigas do projeto de Deus, que é o seu Reino. Há uma outra parcela que vive mergulhada na ilusão e na ingenuidade, que, enganadas por seus pastores, praticam uma falsa religião, com a repetição incansável de práticas religiosas que não conduzem ao amor a Deus e ao próximo.

Portanto, frequentar o culto religioso não é sinônimo de fé. Uma coisa é a fé, outra são as manifestações da fé. Enquanto dom, a fé é sempre verdadeira. Já as manifestações da fé podem ou não ser falsas. Atualmente, há muitas manifestações falsas de fé.

        As pessoas que vivem mergulhadas na ilusão e na ingenuidade religiosas não conseguem se manter de pé quando atingidas pelas crises e dificuldades. Para manter-se de pé é necessária uma fé amadurecida, consciente de si mesma, totalmente voltada para Deus. Uma fé capaz de levar à comunhão plena com Aquele que a concedeu.  

Há quem leia a Bíblia, frequenta o culto, dar o dízimo, trabalha na pastoral, recebe a Eucaristia, mas tem o coração longe de Deus. Como confia em Deus a pessoa distante dele? Como vai se sentir amada por Ele se a preocupação é somente voltada para manter aparência religiosa? Jesus revelou que Deus não deseja adeptos religiosos, mas quer filhos entregues ao amor.

        Há um salmo na Bíblia que fala que “quem confia no Senhor é como o monte de Sião, nada o pode abalar porque é firme para sempre”. A confiança em Deus é precedida pela aproximação. Aproximar-se de Deus significa abrir o coração para acolhê-lo, pois é Ele que vem ao encontro da pessoa. A iniciativa do encontro é sempre dele. A Escritura ensina que Ele nos amou primeiro, e este amor ensina a amar.  

É no seu amor que aprendemos a amá-lo sobre todas as coisas e ao nosso próximo como a nós mesmos. Somente quem se deixa amar por Deus é capaz de confiar nele. É seu amor que gera a virtude da confiança em nós. O amor de Deus também confere o conhecimento de Deus, e porque conhecemos, podemos confiar. Não se ama o que não se conhece. Para o enfrentamento das crises e dificuldades pessoais é necessária esta fé: livre, madura, filha do amor que gera a confiança em Deus.

A fé tem a força de livrar e libertar a pessoa do vazio existencial, vazio que é fruto da crise de sentido da vida, que marca os tempos pós-modernos. Deus é o Pai amoroso que liberta do abismo do vazio. A sua presença preenche a vida daquele que crê. Esta mesma presença é a única capaz de fazer o crente conhecer e sentir a verdadeira alegria e felicidade. A fé é o único caminho que faz a pessoa conhecer o sentido da sua vida, que se encontra em Deus. Este sentido, sem o qual ninguém vive, não pode ser encontrado no dinheiro, no prestígio e no poder. As pessoas se perdem no vazio porque nestas coisas procuram o sentido e a felicidade da vida.

No campo social e político, a pessoa de fé enraizada em Deus não foge da sua responsabilidade. A fé orienta a pessoa para a ação política, pois, segundo o Evangelho de Jesus, esta mesma fé possui uma dimensão profundamente política, que não pode ser ignorada. Peca gravemente a pessoa que diz ter fé e não se posiciona politicamente.

Atuar politicamente, a partir da fé, significa anunciar e construir uma nova humanidade, profundamente marcada pela justiça, pelo amor e pela verdade. A fé no Deus e Pai de Jesus leva, necessariamente, ao engajamento político e social. Assim, o cristão, pessoa de fé, não se cala diante da injustiça, e encontra-se em estado permanente de protesto. A política se torna, desse modo, a “mais alta forma de caridade” (expressão do Papa Paulo VI). Quem ignora a dimensão política da fé, ignora também o sentido e alcance da realidade do Reino de Deus no mundo.  
       

Tiago de França

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