quinta-feira, 3 de agosto de 2017

A banalização da política no Brasil

     
       Aconteceu, nesta quarta-feira, 02 de agosto de 2017, a absolvição de Michel Temer na Câmara dos Deputados. Não é novidade para ninguém o fato de o denunciado ter se utilizado do dinheiro público e do posto de presidente da República para escapar da justiça. A maioria do povo brasileiro tratou a situação com naturalidade: não houve protestos significativos nem se viu o povo do panelaço batendo panelas nas janelas e sacadas de suas casas se apartamentos de luxo.

A elite, como era de se esperar, ignorou totalmente a votação na Câmara. Trata-se de prova incontestável de que não se protesta contra a corrupção no Brasil, considerando que a elite é a grande responsável pelos assaltos aos cofres públicos. Não são os pobres que roubam dinheiro público no Brasil, mas são eles as vítimas, pois dependem das políticas públicas. Até onde se sabe, políticos e empresários não são pessoas pobres. O Estado brasileiro está quebrando porque há inúmeros ladrões que saqueiam os cofres públicos, diária e impunemente. Qualquer cidadão que goze do bom senso sabe disso.

O que ocorre é que a mídia neoliberal, que sempre esteve ao lado dos poderosos e a seu serviço, bem como a serviço do mercado financeiro, impede o povo de enxergar a realidade. Alguém já dizia que no Brasil não existe povo, mas público. O povo se organiza, informa-se e reivindica direitos; o público é aquele que assiste à situação, sentindo-se impotente. Atualmente, o Brasil não possui grandes líderes, capazes de conduzir e construir um povo livre e consciente do seu papel. Na ausência dos grandes líderes, a classe dominante explora, sem dó nem piedade.

A mídia domina a maioria das pessoas, com suas ideologias de dominação. Ocorre, assim, o fenômeno da massificação social. Uma massa de gente que não é capaz de pensar, analisar, criticar, e, portanto, se defender. Para onde a mídia aponta, as pessoas olham. Poucos são os que ousam olhar na direção oposta. Neste sentido, os telejornais, que constituem o meio utilizado pelos mais pobres para a obtenção de informação, na verdade, mais deformam que informam. O jornal recorta a notícia e a veicula de acordo com os interesses corporativistas. As pessoas pensam que estão informadas, mas estão, de fato, enganadas.

Os meios de comunicação, salvo raras exceções, não despertam o interesse das pessoas pela informação precisa e fiel aos fatos. Utilizam-se da mentira para manter situações criminosas. As pessoas nunca sabem o que realmente está acontecendo. Tudo não passa de uma mentira bem contada. Por trás da mentira está o ladrão, aquele que assalta o que pertence ao patrimônio público. Para não ser descoberto, e se o for, para não ser punido, o ladrão usa de suas influências e do fruto do que foi assaltado para comprar pessoas e instituições, tendo em vista sua segurança pessoal e a consequente perpetuação dos desvios e crimes. Portanto, as ideologias veiculadas pelos meios de comunicação são instrumentos eficazes que visam anestesiar o poder de reação das pessoas. Esta é a explicação para a compreensão da passividade da massa.

No verdadeiro Estado democrático de Direito impera a democracia. Entende-se por democracia a realidade de um País no qual o povo participa do exercício do poder. E é assim porque, na teoria, o poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes. O regime democrático é marcado pelo respeito e promoção da dignidade da pessoa humana e das liberdades individuais e coletivas. Há, na Constituição da República, direitos e garantias fundamentais a serem respeitados e promovidos, sendo dever do Estado assegurar a implementação de tais direitos e garantias. Estas coisas fazem parte da teoria política da democracia. Mas, o que ocorre na realidade? Temos assistido o oposto.

Hoje, o Brasil vive uma experiência de desgoverno. A maioria dos que compõem a classe política, desde o vereador até o presidente da República, trata a política como um meio de vida, um caminho fácil de enriquecimento ilícito. Quanto mais a justiça investiga, mais aparecem desvios e crimes. Cada cargo assegura ao político, tanto no executivo quanto no legislativo, inúmeros privilégios: altos salários, verbas de gabinete, carros, moradia, auxílios de toda sorte etc. O povo é obrigado a sustentar o luxo da classe política. E além de sustentá-la, ainda é vítima dos desvios das verbas públicas. É uma situação deplorável.

Cresce cada vez mais a desconfiança das pessoas em relação aos políticos porque assistem aos desvios e não veem sequer a possibilidade de a corrupção acabar. O poder judiciário, responsável pela investigação, processamento e condenação dos criminosos, falha no exercício da sua competência: operadores do Direito, principalmente juízes, são ora seletivos, ora omissos na instauração, condução e finalização dos processos.

O que se vê, de modo geral, é que somente os pobres são os que realmente cumprem as penas, tendo que se submeter às péssimas condições do sistema carcerário brasileiro. Geralmente, os ricos, quando julgados e condenados, cumprem suas penas em condições melhores e não demoram muito na prisão. Sempre encontram um jeito de passar pouco tempo. As brechas na lei, as amizades com figuras importantes no judiciário e a atuação de excelentes advogados os ajudam a escaparem da severidade e durabilidade das penas restritivas de liberdade. Com os mais ricos, o tratamento é diferenciado. Psicologicamente, muitos juízes respeitam e até temem aos mais ricos.

Um dos motivos é que inúmeros juízes são filhos da elite. Seria contraditório um filho da elite tratar outra pessoa da elite com severidade e no rigor da lei. Em si, a lei é muito pesada para ser aplicada a uma pessoa rica. A mão de ferro do Estado sempre esteve voltada para os mais pobres. Estes são tratados com severidade e já se conformaram com isso. Já não reclamam tanto porque já se convenceram de que este sistema não muda. O sistema de criminalização dos pobres é eficiente e não mudará. É o que se vê no cotidiano da vida dos brasileiros. Os presídios estão lotados de pobres, e o sistema ostensivo da polícia é implacável no tratamento para com eles. Estes vivem sob o olhar da desconfiança. Os ricos desviam, e os pobres pagam a conta. Isto não é novo no Brasil.

Comumente, fala-se que a solução para estes problemas está na educação. É verdade que a educação é uma ferramenta importantíssima para a emancipação das pessoas. Isto é inquestionável. Mas em matéria política, nem todo tipo de educação serve. Nas sociedades dominadas pelo capitalismo, vigora a educação que prioriza a ciência e a técnica, excluindo a formação da consciência crítica. A conversa que se ouve nos ambientes educacionais, tanto na educação básica quanto na superior, é a seguinte: Deve-se investir nos estudos para que se possa ser alguém na vida. O que é ser alguém na vida? Vejamos.

O capitalismo ensina que ser alguém na vida é ser bem-sucedido, ou seja, estudar para arrumar um emprego que assegure uma vida confortável. A isto o capitalismo chama felicidade. Feliz é a pessoa que tem dinheiro, poder e prestígio. Esta tríade garante a felicidade. E a formação da consciência crítica, onde fica? E a preocupação pelo bem comum e pela ecologia? E a formação de cidadãos conscientes do seu papel na sociedade? Onde encontrar uma educação que lance as pessoas no mundo, com o objetivo de construí-lo, dignamente? Estas perguntas são evitadas. De modo geral, o atual modelo de educação não está preocupado com isso.

Forma-se o indivíduo para o mercado de trabalho, para ser uma peça na imensa engrenagem do sistema. Para os capitalistas, a formação de sujeitos políticos conscientes e autônomos é perda de tempo, é coisa de comunista. Todas as pessoas são educadas para serem capitalistas: escravas do materialismo, consumismo e individualismo. Vigora a lei do salve-se quem puder! Neste tipo de sociedade não há lugar para os pobres, pois a educação que lhes é oferecida não os capacita a praticamente nada. Uma boa parcela sequer conclui a educação básica, e quando conclui, muitas vezes, não sabe ler nem escrever, mas somente reconhecer palavras sem saber o seu significado político.

As ideologias de dominação dizem o contrário do que afirmamos nesta breve reflexão. Elas pregam ilusão e falam mentira. O objetivo é manter uma aparência de normalidade, induzindo as pessoas a pensar que a situação vai ser resolvida. Como o ser humano tende à ilusão, tudo se torna mais fácil. As pessoas sempre esperam a solução de quem não tem interesse de resolver. No senso comum, reina a mentalidade de que somente os poderosos podem resolver a situação. Ilusoriamente, acredita-se que os poderosos irão resolver o problema das crises política, econômica e moral.

Qual seria, então, a solução para a atual situação política do Brasil? Considerando que o Brasil não muda por causa da classe dos poderosos que o governa, a solução se encontra na formação da consciência crítica dos mais pobres. Esta formação deve acontecer nas bases da sociedade, com a criação de núcleos de educação política. Assim, os próprios pobres devem se organizar, e não ficar esperando que os ricos promovam esta organização. Os que exploram gostam de gente desorganizada e desorientada, ignorante e sem perspectivas.

A ignorância, que gera cegueira, e a desorganização das pessoas facilitam a ação dos que se empenham em explorar os outros. O Brasil só terá povo quando os brasileiros aprenderem a ser organizados e unidos. Não há ameaça pior aos poderosos que um povo politicamente formado, unido e consciente dos seus direitos. Já existem algumas experiências interessantes de formação popular nas bases da sociedade, mas são poucas. Estas experiências precisam se multiplicar.

Seria muito bom que os professores, principalmente os das universidades, se interessassem por tais experiências, bem como outros profissionais que estejam preocupados com a atual situação. Quem tem vocação para ser líder deve ajudar a organizar, formar, orientar e encorajar as pessoas. A esperança dos pobres vive, e ninguém se liberta sozinho. A liberdade é essencialmente política e ocorre na reunião das pessoas, que arregaçam as mangas para construir um outro mundo possível.

                  Tiago de França

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