sábado, 2 de dezembro de 2017

Viver despertos

       
      Na vida, há quem vive e há os que meramente sobrevivem. Inúmeros são os fatores que levam à sobrevida, e um deles é a dispersão. Nestas breves linhas, queremos falar da importância do viver despertos a partir de uma experiência pessoal de encontro com o despertar. Permita-me uma breve partilha fraterna sobre o tema.

        Quando seminarista na comunidade dos Irmãos e Padres Lazaristas, conheci um santo homem que viveu a experiência do despertar. Era noviço, e durante o ano, o santo padre vinha ao nosso encontro. Era, de fato, um santo padre. Chamava-se Geraldo Ferreira Barbosa (in memoriam). Aos noviços, ele falava sobre espiritualidade. Com ele, conheci a espiritualidade cultivada e ensinada pelo místico jesuíta Anthony de Mello.

        Observava bem a maneira como o padre Geraldo nos falava. A mansidão, humildade, desapego e alegria eram contagiantes. Estas eram suas qualidades. Em particular, sempre conversava com ele. Ao deixar o processo formativo, tive a graça de conversar, longamente, com ele. Escutei palavras sábias de um homem santo e sábio, que as guardo no coração.

        Com Anthony de Mello e com o padre Geraldo aprendi a ler o evangelho de Jesus na perspectiva da espiritualidade do desapego e da atenção. Passei a praticar esta espiritualidade, que é a mesma que Jesus praticou em sua peregrinação terrena. Em minha experiência particular, tenho experimentado os efeitos desta espiritualidade, e o maior deles é a graça de viver o presente, porque neste está a vida. Esta, de fato, acontece no aqui e agora. É pura manifestação da graça de Deus.

        O que significa estar atento? Significa permanecer acordado. Viver dormindo é o mesmo que não perceber a vida, não experimentá-la; é viver acorrentado pelas preocupações da vida, pelos apegos, pelos desejos e ambições, é ser escravo de si mesmo e dos outros. Infelizmente, a grande maioria das pessoas sobrevive assim. Não sabem nem experimentam a liberdade dos filhos e filhas de Deus.

        Quem vive em estado permanente de atenção tem o dom da visão da vida: enxerga a vida como ela é, sem fugas nem ilusões. Trata-se de um despertar para a vida; um despertar que dura a vida toda. Nem a morte consegue tirar a vida de quem realmente conseguiu despertar, pois quem desperta já se libertou do medo e do poder da morte. Quem vive desperto é reconciliado com a própria morte. Assim, o morrer se torna lucro.

        Para despertar é necessário viver, permanentemente, a experiência do desapego. Desapegar-se de si mesmo, das coisas, das pessoas e dos acontecimentos. Viver a vida com liberdade, sem se deixar prender a nada. Amar a todos na liberdade e para a liberdade. Trata-se de uma experiência de leveza, de mansidão e de gratuidade. Pessoas desapegadas são livres e leves, são alegres e destemidas, compassivas e esperançosas. São pessoas que não vivem sofrendo por causa das preocupações da vida, pois confiam plenamente na divina providência. Elas vivem a certeza de que Deus jamais as abandona.

        Neste domingo, os cristãos da Igreja católica iniciam a experiência do tempo litúrgico do advento, preparando-se para a celebração solene do Natal de Jesus. No evangelho, Jesus recomenda a vigilância. Vigiar é permanecer acordado e em ação; é viver a experiência da atenção e do desapego. Sozinho, ninguém é capaz. O mesmo Deus que chama para viver despertos é quem concede a graça desta experiência feliz. Há muito o que se falar sobre a experiência do despertar, mas a linguagem humana é incapaz de explicitar o que Deus faz na vida daqueles que se abandonam em suas mãos e à sua graça.

        Por isso, vale a pena se arriscar e experimentar. Somente assim, conhecerá a vida e vivê-la-á abundantemente. Quem quiser viver de verdade, libertando-se da vida mesquinha e medíocre, deve se abrir à generosa e misericordiosa ação de Deus, que, silenciosa e discretamente, nos faz conhecer o verdadeiro sentido da vida e a verdadeira alegria de viver. Do contrário, as pessoas não passam de cadáveres ambulantes, que experimentam o gozo das alegrias passageiras, iludindo-se a si mesmas, pensando que são felizes.

        Quem quiser conhecer e experimentar a vida, acorde e desapegue-se!


        Tiago de França


Obs: Na foto, segurando o cálice, o Pe. Geraldo Ferreira Barbosa, C.M.

Nenhum comentário: