sábado, 6 de janeiro de 2018

A manifestação de Deus no mundo

     
     Nestes dias, numa reunião de professores, falávamos sobre a espiritualidade ideal para o século XXI. Numa breve intervenção, falei da centralidade da pessoa de Jesus. Na ocasião, citei uma palavra do grande teólogo José Comblin (in memoriam), que escreveu em um de seus livros: “A fé vem de Deus e a religião vem dos homens”. Um outro livro seria necessário para discorrermos sobre esta belíssima verdade, e ainda assim não esgotaria a totalidade do sentido desta afirmação.

        Também nestes dias, escutei uma jovem falar da sua indignação e da sua falta de esperança no futuro do Brasil. Ela falava a partir do contexto da sua realidade: a realidade sofrida de uma pequena cidade do norte de Minas Gerais. A cidade é governada por um jovem prefeito, que não sabe fazer outra coisa senão desviar dinheiro público. A justiça local não liga para a situação. Estive pessoalmente nesta pequena cidade, e a situação é desoladora. Da boca dos pobres, escuta-se o lamento: “Aqui quem manda é quem tem dinheiro. Quem tem dinheiro manda até na justiça!”

        Como falar de Jesus em meio a este tipo de situação? Como alimentar a esperança dos pobres diante de um quadro tão deplorável e, portanto, desumanizador... Pelo que vi e ouvi das pessoas da referida cidade, o padre que dá assistência à comunidade não liga para a situação. “O que o padre faz é arrecadar dinheiro, pois ele diz que sem dinheiro o bispo não transforma em paróquia”, reclamaram as pessoas. Em muitos lugares, os padres da Igreja tem a grande oportunidade de serem profetas do Senhor, mas o medo e a acomodação não permitem. Em alguns casos, falta vocação para o sacerdócio. Este é um dos motivos que explica a procura desesperada por dinheiro.

        É justamente nestas situações que se manifesta o clamor de Jesus. O clamor dos pobres é o clamor de Jesus. Conta o evangelho que Jesus nasceu em Belém, terra de Judá (cf. Mt 2, 1-12). O lugar onde nasceu Jesus era como esta pequena cidade do norte de Minas: praticamente ninguém ouviu falar. Trata-se de um lugar sem grande importância política, lugar de pobreza e de sofrimento. Quando noutro relato um importante letrado soube da origem de Jesus, indagou: Pode alguma coisa boa sair de Nazaré da Galileia? Neste relato, Jesus teria nascido em Nazaré. Isso mostra que Jesus nasceu em um lugar de gente suspeita.

        Deus quis encarnar-se em Belém, e hoje está presente onde se encontram os bem-aventurados de seu Reino: os pobres, os humildes, os simples, os puros de coração, os perseguidos, os caluniados, os que tem sede de justiça, os misericordiosos, os injustiçados e todos os excluídos de nossa sociedade. Em Belém aconteceu o feliz encontro dos magos do Oriente com o Deus encarnado. Hoje, todos aqueles que desejam fazer a mesma experiência devem se dirigir aos lugares de encontro com os bem-aventurados de Deus. O mesmo evangelho diz que Deus permanece o mesmo, ontem, hoje e sempre. Assim, Ele permanece disponível no mesmo lugar, acolhendo e se alegrando com todos aqueles que se dispõem a encontrá-lo nas periferias deste mundo.

        Por fim, retomo o pensamento do teólogo belga, que fez a sua experiência de encontro com Jesus no interior do nordeste brasileiro: “A fé vem de Deus e a religião vem dos homens”. A fé é dom de Deus. Portanto, não vem dos homens. Religião é cultura, que nasceu para satisfazer uma necessidade humana. Os homens criaram a religião, e muitos precisam dela para se relacionar com Deus. Desse modo, a religião não pode ocupar o lugar de Deus, pois é Deus o absoluto, e não a religião. Esta pode até desaparecer, pois não é eterna. Pode também a religião se transformar, ser recriada e repensada, adaptar-se à evolução das culturas. O mesmo ocorre com as formas de manifestação da fé. Enquanto dom, a fé não muda. O que muda são as formas da sua manifestação no mundo.

        Hoje, muita gente confunde a fé com a religião. Na verdade, são realidades que não se confundem. Podemos ter pessoas de fé sem religião, bem como pessoas religiosas sem fé. A fé não depende necessariamente da religião para existir. É verdade que a religião surgiu para ajudar as pessoas no cultivo da sua fé. Mas é verdade também que, em muitos casos, a religião atrapalha a fé das pessoas. Isto costuma acontecer quando tais pessoas absolutizam a religião, como se esta assegurasse a salvação. Sabemos bem que Jesus é o caminho que conduz a Deus. Assim, não é a religião o caminho.

        Em tempos sombrios como os atuais, precisamos recuperar Jesus. É Jesus e não a religião o centro de nossa vida e fé. Não precisamos brigar por causa de religião. Este tipo de conflito é inútil e não leva a nada. Para não nos perdermos no caminho, precisamos fixar os olhos em Jesus. Não é possível seguir Jesus sem esta atitude fundamental. Ninguém se encontra com Jesus deixando-se dominar pela dispersão e desorientação. Fixar o olhar nele significa identificar o lugar do seu convívio e se dirigir na sua direção. Jesus nos chama e quer permanecer em nós.

Os cristãos, sem Jesus no centro, se perdem na caminhada da vida, e já não são mais cristãos. A fé sem Jesus no centro já não é mais fé cristã. Se quisermos sobreviver às atrocidades de nossos dias, precisamos recuperar Jesus, fixar os olhos nele, colocarmo-nos em seu caminho, perseverando até às últimas consequências. Isto é o que o Espírito de Jesus fala aos cristãos da hora presente: ou colocamos Jesus no centro, ou continuaremos assistindo ao desespero tomando conta das pessoas, numa gritaria sem fim, perdidas, sem rumo.

Ousemos optar por Jesus. Vale a pena. O seu amor é lindo de ver e de viver! Que neste ano que se inicia, o auxílio divino permaneça conosco. Caminhemos firmes na esperança, hoje e sempre.

Tiago de França

2 comentários:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Bom dia!

Realmente fé e religião são coisas distintas. Esta é parte da cultura de alguém, o que permite a um indivíduo ser, por exemplo, da religião X, estar vinculado a uma tradição e, ao mesmo tempo, agir como um ateu ou agnóstico em relação à fé. E aí quando se fala em fé, de fato esta tem a ver com atitude. Ou seja, ela se caracteriza por uma conduta condizente de quem obedece, espera, confia. Há momentos, porém, que a religião bloqueia uma atitude certa da pessoa como se vê na parábola do bom samaritano quanto ao levita e ao sacerdote que não ousaram se aproximar do moribundo espancado na estrada de Jericó por temerem tocar num cadáver...

Um abraço fraterno.

Tiago de França disse...

Prezado Rodrigo,
Obrigado pela apreciação do texto e comentário.
Abraço fraterno,
Tiago de França