Nestes dias, numa reunião de
professores, falávamos sobre a espiritualidade ideal para o século XXI. Numa
breve intervenção, falei da centralidade da pessoa de Jesus. Na ocasião, citei
uma palavra do grande teólogo José Comblin (in memoriam), que escreveu em um de
seus livros: “A fé vem de Deus e a
religião vem dos homens”. Um outro livro seria necessário para discorrermos
sobre esta belíssima verdade, e ainda assim não esgotaria a totalidade do
sentido desta afirmação.
Também nestes dias, escutei uma jovem falar da sua indignação
e da sua falta de esperança no futuro do Brasil. Ela falava a partir do
contexto da sua realidade: a realidade sofrida de uma pequena cidade do norte
de Minas Gerais. A cidade é governada por um jovem prefeito, que não sabe fazer
outra coisa senão desviar dinheiro público. A justiça local não liga para a
situação. Estive pessoalmente nesta pequena cidade, e a situação é desoladora.
Da boca dos pobres, escuta-se o lamento: “Aqui quem manda é quem tem dinheiro.
Quem tem dinheiro manda até na justiça!”
Como falar de Jesus em meio a este tipo de situação? Como
alimentar a esperança dos pobres diante de um quadro tão deplorável e,
portanto, desumanizador... Pelo que vi e ouvi das pessoas da referida cidade, o
padre que dá assistência à comunidade não liga para a situação. “O que o padre
faz é arrecadar dinheiro, pois ele diz que sem dinheiro o bispo não transforma
em paróquia”, reclamaram as pessoas. Em muitos lugares, os padres da Igreja tem
a grande oportunidade de serem profetas do Senhor, mas o medo e a acomodação
não permitem. Em alguns casos, falta vocação para o sacerdócio. Este é um dos
motivos que explica a procura desesperada por dinheiro.
É justamente nestas situações que se manifesta o clamor de
Jesus. O clamor dos pobres é o clamor de Jesus. Conta o evangelho que Jesus nasceu
em Belém, terra de Judá (cf. Mt 2, 1-12). O lugar onde nasceu Jesus era como
esta pequena cidade do norte de Minas: praticamente ninguém ouviu falar.
Trata-se de um lugar sem grande importância política, lugar de pobreza e de
sofrimento. Quando noutro relato um importante letrado soube da origem de
Jesus, indagou: Pode alguma coisa boa sair de Nazaré da Galileia? Neste relato,
Jesus teria nascido em Nazaré. Isso mostra que Jesus nasceu em um lugar de
gente suspeita.
Deus quis encarnar-se em Belém, e hoje está presente onde se
encontram os bem-aventurados de seu Reino: os pobres, os humildes, os simples,
os puros de coração, os perseguidos, os caluniados, os que tem sede de justiça,
os misericordiosos, os injustiçados e todos os excluídos de nossa sociedade. Em
Belém aconteceu o feliz encontro dos magos do Oriente com o Deus encarnado. Hoje,
todos aqueles que desejam fazer a mesma experiência devem se dirigir aos lugares
de encontro com os bem-aventurados de Deus. O mesmo evangelho diz que Deus
permanece o mesmo, ontem, hoje e sempre. Assim, Ele permanece disponível no
mesmo lugar, acolhendo e se alegrando com todos aqueles que se dispõem a
encontrá-lo nas periferias deste mundo.
Por fim, retomo o pensamento do teólogo belga, que fez a sua
experiência de encontro com Jesus no interior do nordeste brasileiro: “A fé vem de Deus e a religião vem dos
homens”. A fé é dom de Deus. Portanto, não vem dos homens. Religião é
cultura, que nasceu para satisfazer uma necessidade humana. Os homens criaram a
religião, e muitos precisam dela para se relacionar com Deus. Desse modo, a
religião não pode ocupar o lugar de Deus, pois é Deus o absoluto, e não a
religião. Esta pode até desaparecer, pois não é eterna. Pode também a religião
se transformar, ser recriada e repensada, adaptar-se à evolução das culturas. O
mesmo ocorre com as formas de manifestação da fé. Enquanto dom, a fé não muda.
O que muda são as formas da sua manifestação no mundo.
Hoje, muita gente confunde a fé com a religião. Na verdade,
são realidades que não se confundem. Podemos ter pessoas de fé sem religião,
bem como pessoas religiosas sem fé. A fé não depende necessariamente da
religião para existir. É verdade que a religião surgiu para ajudar as pessoas
no cultivo da sua fé. Mas é verdade também que, em muitos casos, a religião
atrapalha a fé das pessoas. Isto costuma acontecer quando tais pessoas
absolutizam a religião, como se esta assegurasse a salvação. Sabemos bem que
Jesus é o caminho que conduz a Deus. Assim, não é a religião o caminho.
Em tempos sombrios como os atuais, precisamos recuperar
Jesus. É Jesus e não a religião o centro de nossa vida e fé. Não precisamos
brigar por causa de religião. Este tipo de conflito é inútil e não leva a nada.
Para não nos perdermos no caminho, precisamos fixar os olhos em Jesus. Não é
possível seguir Jesus sem esta atitude fundamental. Ninguém se encontra com
Jesus deixando-se dominar pela dispersão e desorientação. Fixar o olhar nele
significa identificar o lugar do seu convívio e se dirigir na sua direção. Jesus
nos chama e quer permanecer em nós.
Os
cristãos, sem Jesus no centro, se perdem na caminhada da vida, e já não são
mais cristãos. A fé sem Jesus no centro já não é mais fé cristã. Se quisermos
sobreviver às atrocidades de nossos dias, precisamos recuperar Jesus, fixar os
olhos nele, colocarmo-nos em seu caminho, perseverando até às últimas
consequências. Isto é o que o Espírito de Jesus fala aos cristãos da hora presente:
ou colocamos Jesus no centro, ou continuaremos assistindo ao desespero tomando
conta das pessoas, numa gritaria sem fim, perdidas, sem rumo.
Ousemos
optar por Jesus. Vale a pena. O seu amor é lindo de ver e de viver! Que neste
ano que se inicia, o auxílio divino permaneça conosco. Caminhemos firmes na
esperança, hoje e sempre.
Tiago
de França
2 comentários:
Bom dia!
Realmente fé e religião são coisas distintas. Esta é parte da cultura de alguém, o que permite a um indivíduo ser, por exemplo, da religião X, estar vinculado a uma tradição e, ao mesmo tempo, agir como um ateu ou agnóstico em relação à fé. E aí quando se fala em fé, de fato esta tem a ver com atitude. Ou seja, ela se caracteriza por uma conduta condizente de quem obedece, espera, confia. Há momentos, porém, que a religião bloqueia uma atitude certa da pessoa como se vê na parábola do bom samaritano quanto ao levita e ao sacerdote que não ousaram se aproximar do moribundo espancado na estrada de Jericó por temerem tocar num cadáver...
Um abraço fraterno.
Prezado Rodrigo,
Obrigado pela apreciação do texto e comentário.
Abraço fraterno,
Tiago de França
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