“O
que é isto? Um ensinamento novo dado com autoridade: Ele manda até nos
espíritos maus, e eles obedecem!” (Mc 1, 27)
Conta o evangelista Marcos que Jesus ensinava como quem tem
autoridade, e não como os mestres da lei. Qual o segredo da autoridade de
Jesus? Que tipo de autoridade tinha ele? Como os mestres da lei ensinavam? Inicialmente,
é preciso reconhecer que Jesus era um homem livre, enquanto que os mestres da
lei eram escravos da lei. Os mestres da lei se apegavam à lei, e viviam em
função dela. Eles pensavam que a lei tinha poder para salvar. Jesus, com seus
gestos e palavras, ensinou que não é a lei que salva, mas o amor.
Além de serem escravos da lei, havia também uma grave falta
de coerência entre a interpretação que se fazia da lei e a vida de quem a interpretava.
Em outras palavras, os mestres da lei não eram coerentes com aquilo que
ensinavam. Eram rigorosos na arte de ensinar, jogando pesados fardos nas costas
dos outros, mas eles mesmos não se importavam em obedecer à lei. Jesus denunciou
esta hipocrisia religiosa, e foi perseguido por causa disso. Até hoje é assim
no seio da religião cristã: inúmeros líderes religiosos são rigorosos,
conduzindo o povo no ensinamento da lei, mas levam uma vida escandalosa.
O evangelista Marcos não apresenta Jesus com longos
discursos, nem mostra Jesus trazendo um conjunto de novas doutrinas para
renovar o conjunto das leis e costumes judaicos. A novidade de Jesus se
encontra na mensagem do Reino de Deus, que é vida e liberdade para todos. Vivendo
livremente, Jesus ensinou como se vive a verdadeira fé em Deus. Vivendo humilde
e despojadamente, ensinou ao povo que o chamado divino à liberdade é universal
e constitui o núcleo da fé no Deus vivo e verdadeiro. Escutando Jesus, o povo
logo enxergou a sua liberdade, serenidade, leveza, coerência e verdade.
Esse modo de ser e de viver de Jesus muito nos questiona. Ele
denuncia a superficialidade e o vazio existencial de nossos dias. Denuncia a
vida de aparência de milhões de cristãos, que ao invés de cultivar a fé em
Deus, perdem tempo com futilidades e preocupações banais. Também denuncia a incoerência
dos líderes religiosos, que, ao invés de conduzir o povo à verdadeira experiência
de encontro com Deus, exploram as pessoas, iludindo-as com falsas promessas e
falsos milagres.
A prática
religiosa de nossas Igrejas precisa ser revista, para que Jesus ocupe o seu
centro, o seu devido lugar. A hipocrisia religiosa continua reinando. Muitas aberrações
são praticadas em nome de Jesus. Mas o Jesus que legitima essas aberrações não
é o Cristo Jesus dos evangelhos.
A palavra de Jesus nos liberta de nosso comodismo, da
alienação e da falta de fé. Mais do que em outras épocas da história,
precisamos hoje contemplar Jesus e meditar a sua palavra. Há em nós muitos
espíritos maus: os espíritos da cegueira, da vaidade, do egoísmo, da
indiferença, do orgulho, e de tudo aquilo que nos impede de sermos
verdadeiramente autênticos e livres. A autenticidade de Jesus estava na sua coerência
de vida. Nossa sociedade, famílias e instituições precisam de pessoas
autênticas como Jesus. É urgente que os cristãos se libertem da vida aparente
e, portanto, mentirosa. No caminho de Jesus, a mentira não tem lugar.
O verdadeiro cristão não foge daquilo que realmente é. Cada um
é chamado a conhecer a verdade de si mesmo. Sem a aceitação desta verdade não é
possível ser feliz, não é possível ter fé, não é possível ser cristão. A prática
da oração e do encontro alegre e generoso com os outros são caminhos de
autoconhecimento e seguimento de Jesus. São oportunidades para a construção
constante do genuíno ser cristão. Tornar-se íntimo de Jesus para que nele
possamos encontrar a nossa verdadeira identidade. Ouvir e meditar a sua
palavra, para ser como ele: eis o chamado que nos é feito, insistentemente.
Quem
permanece com Jesus está em paz, experimenta a paz inquieta, aquela que faz
conhecer e viver a justiça do Reino de Deus. Nada neste mundo é tão maravilhoso
que permanecer com Jesus. Para viver com ele é preciso confiar e entregar-se,
porque o seu amor por nós é infinito e forte. Ele nos quer bem. Não há beleza
maior que viver do amor de Jesus. É algo extraordinário, que nenhuma teologia é
capaz de descrever. Vale a pena experimentar. O Pai com o Filho e no Espírito,
na intimidade amorosa, é o Deus que nos liberta dos espíritos maus e
opressores. Experimentemos esta libertação. Ela é puro amor, é nossa salvação.
Tiago
de França
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