terça-feira, 16 de outubro de 2018

Por que há protestantes e católicos que votam em Bolsonaro?


Após verificar a última pesquisa Ibope, publicada ontem (15/10), me veio a pergunta que intitula este breve artigo. A pesquisa ouviu 2.506 eleitores de 176 municípios, nos dias 13 e 14 de outubro. Ela indica que 48% dos católicos entrevistados disseram que irão votar em Bolsonaro, enquanto que 66% dos protestantes entrevistados afirmaram que irão votar no mesmo candidato.

Os números revelam que o candidato goza do apreço mais dos protestantes que dos católicos. Considerando os noticiários e o que estamos vendo e ouvindo nas redes sociais, alguns fatores colaboram para estes números. Antes de analisar a contradição fundamental deste eleitorado "cristão", em matéria bíblico-teológica, quero analisar dois fatores.

No meio protestante, o fator recente de maior envergadura é o apoio, publicamente divulgado, de um dos maiores líderes protestantes da atualidade: o bispo e fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo. Esta Igreja tem muitos adeptos no Brasil inteiro. Além disso, o bispo Macedo é dono da TV Record, e a Universal tem um dos maiores jornais impressos em circulação no País, a Folha Universal. Por isso, não estamos falando de um apoio insignificante.

Este apoio não foi meramente uma manifestação da preferência pessoal do bispo Macedo, mas uma adesão clara ao candidato, que poderá contar com o apoio tanto da Igreja quanto da TV Record. O bispo Macedo é líder religioso e homem de negócio. Trata-se de um homem inteligente e influente, que não entraria na seara política à toa e sem propósitos. Estes serão conhecidos com o passar do tempo. Aqui me abstenho de analisá-los. Na vida humana, um dado é evidente: toda opção tem base em interesses. Os humanos são assim.

Outro fator importante a ser considerado é que, no seio das Igrejas cristãs, tanto católica quanto protestantes, a palavra do líder religioso é pouco contestada. De modo geral, as pessoas acreditam naquilo que escutam de seus líderes religiosos. Considerados homens de Deus, geralmente não são questionados. Graças à essa passividade no ouvir, muita gente não percebe que, muitas vezes, muitos líderes se aproveitam da boa-fé e da ingenuidade da maioria dos adeptos das Igrejas para iludir, enganar, desviar e manipular, tanto a realidade do mundo, quanto a mensagem do Evangelho.

Nestes dias, muitos líderes religiosos, de forma clara e explícita, usam da autoridade religiosa que lhes foi conferida, para pedir votos e orientar os fieis no sentido de determinadas candidaturas. Isso sempre existiu, mas neste ano a situação beira ao escândalo. Na Igreja Católica ocorre menos, porque a orientação dos bispos é que os padres, líderes religiosos que lidam mais diretamente com o povo nas comunidades, evitem pedir votos durante as celebrações. Nenhum padre católico está autorizado a usar o altar do Senhor para pedir votos para um determinado candidato. Mas isto tem acontecido, com certa frequência.

O que a Igreja Católica tem orientado é que os católicos evitem votar em candidatos contrários ao regime democrático, aos direitos humanos, bem como em candidatos que contrariam a liberdade religiosa e os valores cristãos fundamentais: o amor, a justiça, a paz, a misericórdia, a tolerância, a ética, a igualdade, a fraternidade etc. Considerando estes valores, os católicos estão sendo chamados a discernir o voto.

Entre os leigos, pessoas que não integram a hierarquia da Igreja (não são diáconos, padres e bispos), é permitida a manifestação pública das preferências políticas. Os leigos devem se meter na política, pois esta "é a forma mais perfeita de caridade" (São Paulo VI, papa).

Fora do campo da teologia cristã, estes são os fatores mais visíveis. Agora vamos analisar a contradição em matéria de fé, na qual estão encerrados os protestantes e católicos que pretendem votar em Bolsonaro. O que diremos, vale tanto para protestante quanto para católico, pois uma é a fé, um só é o batismo, um mesmo é o Senhor de todos, Jesus de Nazaré. Também uma mesma é a Bíblia, livro sagrado do Cristianismo.

Qual o maior mandamento da Lei de Deus? O amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Todo cristão sabe disso. Além de saber, o cristão é chamado a praticar, a viver o amor. O amor não é abstrato, mas real, e é experimentado na relação com os outros.

Portanto, o racismo, o preconceito e a discriminação, a exclusão, a cultura do ódio, a matança e o fuzilamento de pessoas, a pena de morte, a prisão perpétua, a castração química de pessoas, a escravidão, a tortura, a adesão indiscriminada às armas de fogo, a mentira e a falsidade, o desrespeito às pessoas, a perseguição às minorias da sociedade, a erradicação do ativismo social e outros absurdos que vemos e ouvimos SÃO REALIDADES QUE CONTRARIAM A MENSAGEM DE JESUS CRISTO, O SENHOR.

O verdadeiro cristão, que pratica a sua fé, como membro de qualquer Igreja cristã, ou mesmo não frequentando Igreja nenhuma, mas afirmando-se cristão, não deveria votar em Bolsonaro, porque este candidato defende, publicamente, muitas das questões reprováveis à luz da fé, mencionadas no parágrafo anterior. Basta acessar à Internet, principalmente o YouTube, para ter acesso a vídeos que mostram o próprio candidato defendendo tais coisas. Estas coisas são reprováveis porque contrariam o ensinamento central da fé cristã: o amor a Deus e ao próximo.

É neste sentido, que afirmamos, categoricamente, que quem leva a sério a própria fé em Jesus, no seio da comunidade cristã, não pode votar em um candidato que defende tais bandeiras. Uma coisa é um candidato fazer uma afirmação, e depois voltar atrás, de imediato, pedindo perdão por sua adesão antievangélica a certas bandeiras. Mas não foi isso que ocorreu, nem é o que ocorre.

O candidato defende, por exemplo, que os brasileiros portem armas de fogo para a própria defesa pessoal. No Brasil em que vivemos, e com os brasileiros que temos, isso geraria, claramente, uma guerra civil. Isso contraria a Lei de Deus. Jesus nos pediu para praticarmos o amor e sermos pacíficos. Um cristão resolve seus problemas com diálogo e justiça, buscando a paz e a reconciliação. Se um cristão é contrário ao que ensina Jesus, então é mentiroso e falso cristão.

É verdade que na política não encontramos mulheres e homens perfeitos. Não há homem perfeito em lugar nenhum. Perfeito é Deus, Pai de todos. Mas é verdade que não podemos eleger alguém, que se diz cristão, que cita até versículo bíblico em suas falas, mas que tem pensamentos e conduta contrária a fé que afirma ter. Nas eleições deste ano, Bolsonaro é único candidato a presidente da República que está se aproveitando da ignorância e da ingenuidade de muitos que creem em Deus para ganhar a eleição. Isto é muito grave.

Não se ganha eleição em nome de Deus. Deus não pode ser usado como instrumento político-partidário. Política no regime democrático de direito é para a promoção e defesa do Estado laico, que respeita e promove todas as religiões, num clima de respeito e tolerância. Portanto, caro eleitor, cuidado com as mensagens que você anda recebendo, com deturpações da fé cristã. A Bíblia não foi escrita para enganar as pessoas, nem para causar divisão, conflito e morte, mas para mostrar o caminho da salvação para toda a humanidade.

Tiago de França

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