Após verificar a última pesquisa Ibope,
publicada ontem (15/10), me veio a pergunta que intitula este breve artigo. A
pesquisa ouviu 2.506 eleitores de 176 municípios, nos dias 13 e 14 de outubro.
Ela indica que 48% dos católicos entrevistados disseram que irão votar em
Bolsonaro, enquanto que 66% dos protestantes entrevistados afirmaram que irão
votar no mesmo candidato.
Os números revelam que o candidato goza
do apreço mais dos protestantes que dos católicos. Considerando os noticiários
e o que estamos vendo e ouvindo nas redes sociais, alguns fatores colaboram
para estes números. Antes de analisar a contradição fundamental deste
eleitorado "cristão", em matéria bíblico-teológica, quero analisar
dois fatores.
No meio protestante, o fator recente de
maior envergadura é o apoio, publicamente divulgado, de um dos maiores líderes
protestantes da atualidade: o bispo e fundador da Igreja Universal do Reino de
Deus, Edir Macedo. Esta Igreja tem muitos adeptos no Brasil inteiro. Além
disso, o bispo Macedo é dono da TV Record, e a Universal tem um dos maiores
jornais impressos em circulação no País, a Folha Universal. Por isso, não
estamos falando de um apoio insignificante.
Este apoio não foi meramente uma
manifestação da preferência pessoal do bispo Macedo, mas uma adesão clara ao
candidato, que poderá contar com o apoio tanto da Igreja quanto da TV Record. O
bispo Macedo é líder religioso e homem de negócio. Trata-se de um homem
inteligente e influente, que não entraria na seara política à toa e sem
propósitos. Estes serão conhecidos com o passar do tempo. Aqui me abstenho de
analisá-los. Na vida humana, um dado é evidente: toda opção tem base em interesses.
Os humanos são assim.
Outro fator importante a ser
considerado é que, no seio das Igrejas cristãs, tanto católica quanto
protestantes, a palavra do líder religioso é pouco contestada. De modo geral,
as pessoas acreditam naquilo que escutam de seus líderes religiosos.
Considerados homens de Deus, geralmente não são questionados. Graças à essa
passividade no ouvir, muita gente não percebe que, muitas vezes, muitos líderes
se aproveitam da boa-fé e da ingenuidade da maioria dos adeptos das Igrejas
para iludir, enganar, desviar e manipular, tanto a realidade do mundo, quanto a
mensagem do Evangelho.
Nestes dias, muitos líderes religiosos,
de forma clara e explícita, usam da autoridade religiosa que lhes foi conferida,
para pedir votos e orientar os fieis no sentido de determinadas candidaturas.
Isso sempre existiu, mas neste ano a situação beira ao escândalo. Na Igreja
Católica ocorre menos, porque a orientação dos bispos é que os padres, líderes
religiosos que lidam mais diretamente com o povo nas comunidades, evitem pedir
votos durante as celebrações. Nenhum padre católico está autorizado a usar o
altar do Senhor para pedir votos para um determinado candidato. Mas isto tem acontecido,
com certa frequência.
O que a Igreja Católica tem orientado é
que os católicos evitem votar em candidatos contrários ao regime democrático,
aos direitos humanos, bem como em candidatos que contrariam a liberdade
religiosa e os valores cristãos fundamentais: o amor, a justiça, a paz, a
misericórdia, a tolerância, a ética, a igualdade, a fraternidade etc.
Considerando estes valores, os católicos estão sendo chamados a discernir o
voto.
Entre os leigos, pessoas que não
integram a hierarquia da Igreja (não são diáconos, padres e bispos), é
permitida a manifestação pública das preferências políticas. Os leigos devem se
meter na política, pois esta "é a forma mais perfeita de caridade"
(São Paulo VI, papa).
Fora do campo da teologia cristã, estes
são os fatores mais visíveis. Agora vamos analisar a contradição em matéria de
fé, na qual estão encerrados os protestantes e católicos que pretendem votar em
Bolsonaro. O que diremos, vale tanto para protestante quanto para católico,
pois uma é a fé, um só é o batismo, um mesmo é o Senhor de todos, Jesus de
Nazaré. Também uma mesma é a Bíblia, livro sagrado do Cristianismo.
Qual o maior mandamento da Lei de Deus?
O amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Todo cristão
sabe disso. Além de saber, o cristão é chamado a praticar, a viver o amor. O
amor não é abstrato, mas real, e é experimentado na relação com os outros.
Portanto, o racismo, o preconceito e a
discriminação, a exclusão, a cultura do ódio, a matança e o fuzilamento de
pessoas, a pena de morte, a prisão perpétua, a castração química de pessoas, a
escravidão, a tortura, a adesão indiscriminada às armas de fogo, a mentira e a
falsidade, o desrespeito às pessoas, a perseguição às minorias da sociedade, a
erradicação do ativismo social e outros absurdos que vemos e ouvimos SÃO
REALIDADES QUE CONTRARIAM A MENSAGEM DE JESUS CRISTO, O SENHOR.
O verdadeiro cristão, que pratica a sua
fé, como membro de qualquer Igreja cristã, ou mesmo não frequentando Igreja
nenhuma, mas afirmando-se cristão, não deveria votar em Bolsonaro, porque este
candidato defende, publicamente, muitas das questões reprováveis à luz da fé,
mencionadas no parágrafo anterior. Basta acessar à Internet, principalmente o
YouTube, para ter acesso a vídeos que mostram o próprio candidato defendendo
tais coisas. Estas coisas são reprováveis porque contrariam o ensinamento
central da fé cristã: o amor a Deus e ao próximo.
É neste sentido, que afirmamos,
categoricamente, que quem leva a sério a própria fé em Jesus, no seio da
comunidade cristã, não pode votar em um candidato que defende tais bandeiras.
Uma coisa é um candidato fazer uma afirmação, e depois voltar atrás, de
imediato, pedindo perdão por sua adesão antievangélica a certas bandeiras. Mas
não foi isso que ocorreu, nem é o que ocorre.
O candidato defende, por exemplo, que
os brasileiros portem armas de fogo para a própria defesa pessoal. No Brasil em
que vivemos, e com os brasileiros que temos, isso geraria, claramente, uma
guerra civil. Isso contraria a Lei de Deus. Jesus nos pediu para praticarmos o
amor e sermos pacíficos. Um cristão resolve seus problemas com diálogo e
justiça, buscando a paz e a reconciliação. Se um cristão é contrário ao que
ensina Jesus, então é mentiroso e falso cristão.
É verdade que na política não
encontramos mulheres e homens perfeitos. Não há homem perfeito em lugar nenhum.
Perfeito é Deus, Pai de todos. Mas é verdade que não podemos eleger alguém, que
se diz cristão, que cita até versículo bíblico em suas falas, mas que tem
pensamentos e conduta contrária a fé que afirma ter. Nas eleições deste ano,
Bolsonaro é único candidato a presidente da República que está se aproveitando
da ignorância e da ingenuidade de muitos que creem em Deus para ganhar a
eleição. Isto é muito grave.
Não se ganha eleição em nome de Deus.
Deus não pode ser usado como instrumento político-partidário. Política no
regime democrático de direito é para a promoção e defesa do Estado laico, que
respeita e promove todas as religiões, num clima de respeito e tolerância.
Portanto, caro eleitor, cuidado com as mensagens que você anda recebendo, com
deturpações da fé cristã. A Bíblia não foi escrita para enganar as pessoas, nem
para causar divisão, conflito e morte, mas para mostrar o caminho da salvação
para toda a humanidade.
Tiago de França
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