domingo, 14 de outubro de 2018

São Oscar Romero: profeta do Reino de Deus


“A Igreja, defensora dos direitos de Deus, da Lei de Deus, da dignidade humana das pessoas, não pode ficar calada diante de tanta abominação” (Dom Oscar Romero, em sua homilia, no dia 23 de março de 1980, no dia anterior à sua morte).

        Muito me emociona escrever sobre Dom Oscar Romero. Desde que conheci a sua biografia, sempre que tenho um tempinho, releio suas homilias. Quando os acontecimentos da vida querem me puxar para o desânimo, escuto a sua voz, nos áudios e vídeos disponíveis na Internet. De fato, trata-se de um santo profeta do Reino de Deus. Em breves linhas, de forma incansável e mais uma vez, quero expressar o que significa ser profeta do Reino de Deus.

        Ninguém dá a si mesmo a missão de profeta. Existe o profeta porque Deus chama e envia para um determinado lugar e em um determinado tempo. Em todos os momentos difíceis da história da caminhada do povo, Deus faz surgir mulheres e homens que anunciam a verdade do Evangelho e denunciam as injustiças que assolam o povo. Uma vez escolhido, não adianta fugir. Não adianta fazer como o profeta Jonas, do antigo testamento da Bíblia. No início, Dom Oscar queria fazer como Jonas, mas não teve jeito.

        Como um profeta sabe que está sendo chamado e enviado? Ele encontra Deus na realidade do povo. Deus chama o profeta pela boca do povo. O clamor dos injustiçados é a voz divina, chamando o profeta para agir e proclamar a Palavra da salvação. No silêncio orante, Deus está lá, falando ao coração. Este coração fica inquieto, ardente igual aos dos discípulos de Emaús, que caminhavam com Jesus sem o reconhecê-lo. Quando senta à mesa com o povo, o profeta reconhece Jesus. Aí o Reino acontece.

        Dom Oscar, até iniciar os três últimos anos de sua vida, ou seja, até 1977, era um clérigo conservador. Converteu-se tarde. Mas na dinâmica do seguimento de Jesus é assim mesmo. O clérigo não se converte, necessariamente, quando é ordenado. Seria muito bom se assim fosse. Todo cristão, clérigo ou não, converte-se quando se encontra com Jesus, reconhecendo-o e colocando-se no seu caminho. Aí, sim, temos cristão convertido. Até 1977, Dom Oscar era um bispo obediente às prescrições eclesiásticas, um bispo canonicamente exemplar. Nada além disso.

        Desse modo, não basta sermos cristãos canonicamente exemplares, cumpridores das leis e normas. Jesus não nos chamou a isso. Dom Oscar sabia disso. O cristão se torna de fato seguidor de Jesus quando entra no movimento de Jesus. Caminho é movimento, é palavra proclamada, é encontro com Jesus nas pessoas. Quando Dom Oscar deixou o conforto das seguranças da condição de bispo e se deslocou na direção daqueles que viviam sob as ameaças do regime militar, aí a sua vida ganhou sentido. Dom Oscar conheceu Jesus, a verdadeira alegria da vida.

        O que o regime militar fazia com as pessoas? O regime fez em El Salvador, na América Central, o que fez em toda a América Latina: usou a mentira do comunismo para matar os opositores do regime. No Brasil também foi assim: em nome do combate ao comunismo, milhares de pessoas foram perseguidas, torturadas e assassinadas. O combate ao comunismo na América Latina sempre foi uma mentira. Até hoje se utilizam desta mentira para justificar a perseguição e o assassinato de pessoas contrárias a governos opressores e sanguinários. Dom Oscar denunciou esta mentira e proclamou a verdade que desmascarou os crimes praticados pelos militares.

        Fica para a Igreja o testemunho de profeta do Reino de Deus. Hoje, 14 de outubro de 2018, trinta e oito anos depois do martírio de Dom Oscar, brutalmente assassinado enquanto celebrava a Eucaristia, o Papa Francisco o eleva à dignidade de santo da Igreja. Assisti, pela Internet, muito emocionado, à cerimônia de canonização, pois conheço profundamente a história deste mártir. E o meu desejo é que o bom Deus, em sua infinita misericórdia, me conceda, hoje e sempre, bem como a todos os irmãos e irmãs que professam a mesma fé em Jesus, o mesmo Espírito que guiou o profeta Dom Oscar Romero em sua entrega total a Deus. O profeta é um homem entregue nas mãos de Deus.

        Não existe força nem poder que impeça a ação do Espírito na pessoa do profeta. Com humildade e discrição, na oração e nas lutas cotidianas, o profeta vai realizando a vontade de Deus. A alguns está reservada a coroa do martírio, a outros não. Mas isto não depende do profeta. É Deus que tudo permite e direciona, para sua glória.

Ó São Oscar Romero, vós que estais junto a Deus,
neste dia solene de vossa elevação aos altares de nossa Igreja, terrena e celeste,
olhai para o Brasil, vítima das mesmas atrocidades que atingiram o povo de El Salvador.
Ajudai-nos a não esmorecermos na defesa dos mais pobres e no clamor por justiça.
Que nossa fé seja firme e nossa fidelidade seja eterna, assim como é eterno o amor de Deus por cada pessoa que nasce neste mundo e por toda a criação.
Que o mal não tenha a última palavra, e que o Reino de Deus se realize entre nós.
Ó Trindade Santa, escutai a intercessão deste vosso servo em nosso favor.
Assim seja.


Tiago de França

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