terça-feira, 20 de novembro de 2018

Os negros e a cultura da resistência

         
         Não é fácil ser negro no Brasil. Este dia 20 de novembro é marcado pela hipocrisia: a hipocrisia daqueles racistas que prestam homenagens aos negros. Nas redes sociais, as homenagens são muitas. Algumas, lindas de ver. Mas, na verdade, a realidade fala da situação vergonhosa do racismo e da exclusão dos negros.

        O passado do País revela que o negro sempre foi tratado como um ser inferior. Quando trazido da África para trabalhar como escravo, pouca gente contestou a situação. Foram séculos de silêncio e conivência. Até cristãos católicos, e depois os protestantes, consideravam a escravidão um fenômeno normal e necessário. Este passado sombrio não passou. Ainda temos muitos resquícios dele.

        O olhar desconfiado, que condena e julga, que despreza e transmite a sensação do nojo. Muitos negros enfrentam este olhar, diuturnamente. Ainda há quem pense que o lugar do negro é nos serviços pesados, nas profissões que envolvem sujeira e que são desprezadas pelos brancos. Durante séculos, o negro serviu para ser motorista, jardineiro, porteiro, engraxate etc. Estas e outras profissões eram consideradas inferiores e não serviam para os brancos. O negro era visto sempre como o empregado. O patrão sempre foi branco.

        A cultura racista foi ganhando espaço na sociedade, e algumas expressões se naturalizaram. Palavras e gestos de desprezo aos negros se naturalizaram. E o que se naturaliza também se torna normal, aceito por todos. Direta ou indiretamente, implícita ou explicitamente, mesmo sem perceber, o brasileiro se vê discriminando os negros. O que se torna enraizado é mais difícil de ser corrigido. A cultura racista foi implantada com tanta força, que alguns negros passaram a discriminar outras pessoas negras.

        O sistema carcerário brasileiro existe praticamente para encarcerar os negros: mais da metade dos que estão nas prisões são negros. As prisões estão lotadas de negros, pobres e analfabetos funcionais. São os desvalidos da sociedade. A polícia tem verdadeira tara por espancar e prender jovens negros. Esta abordagem racista das forças policiais passa para a sociedade a falsa impressão de que os negros são mais propensos ao crime. É um absurdo que o próprio Estado não procura corrigir.

        Recentemente, os brasileiros assistiram, durante a campanha eleitoral, a forma como o candidato da extrema-direita, o militar Jair Bolsonaro, tratou os negros, durante uma palestra para judeus, em São Paulo. O então deputado teve que enfrentar uma denúncia no Supremo Tribunal Federal (STF), pelo crime de racismo.

Referindo-se a uma comunidade quilombola que tinha visitado, o militar disse que os negros não faziam nada da vida, que não serviam sequer para procriar, e que o mais leve pesava “sete arrobas”. Arroba é medida utilizada para pesar gado. Mas os ministros de uma das turmas do STF não entenderam que se tratou de racismo, mas de mera expressão contemplada pelo direito à liberdade de expressão!

        Esta foi uma das ocasiões em que o então deputado deu declarações visivelmente racistas. Apesar disso, milhões de brasileiros, que certamente são, em grande parte, racistas, o elegeram Presidente da República. Nunca na história do Brasil tivemos um presidente eleito com um histórico de declarações racistas tão deplorável.

Como a justiça brasileira é muito falha para punir gente “importante”, então o deputado escapou impune. Certamente, seu governo será marcado pela total ausência de políticas públicas que contribuiriam para a construção da verdadeira democracia racial no Brasil.

        Dada esta situação, apesar da ameaça que o presidente eleito representa para a promoção da igualdade racial no Brasil, há inúmeros grupos e instituições que lutam por esta igualdade. Há uma cultura da resistência em curso. Nem tudo está perdido. O presidente eleito certamente ouvirá o grito dos negros que resistem. Este grito jamais será abafado.

O eleito não é superior à Constituição, que fala em seu artigo 5º, inciso XLII: “A prática do racismo constitui crime inafiançável, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.” Cabe à população negra e a todos os cidadãos esclarecidos, a denúncia firme daqueles que cometem tal prática, por se julgarem no direito de tratar os outros com indiferença e discriminação. Independente se o presidente eleito goste ou não, a igualdade racial é um direito que precisa ser promovido e respeitado. A lei tem que ser cumprida, e os negros devem ser respeitados.

Marielle Franco vive! Viva Zumbi dos Palmares!


Tiago de França

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