Não é fácil ser negro no
Brasil. Este dia 20 de novembro é marcado pela hipocrisia: a hipocrisia
daqueles racistas que prestam homenagens aos negros. Nas redes sociais, as
homenagens são muitas. Algumas, lindas de ver. Mas, na verdade, a realidade
fala da situação vergonhosa do racismo e da exclusão dos negros.
O passado do País revela que o negro sempre foi tratado como
um ser inferior. Quando trazido da África para trabalhar como escravo, pouca
gente contestou a situação. Foram séculos de silêncio e conivência. Até cristãos
católicos, e depois os protestantes, consideravam a escravidão um fenômeno normal
e necessário. Este passado sombrio não passou. Ainda temos muitos resquícios
dele.
O olhar desconfiado, que condena e julga, que despreza e
transmite a sensação do nojo. Muitos negros enfrentam este olhar,
diuturnamente. Ainda há quem pense que o lugar do negro é nos serviços pesados,
nas profissões que envolvem sujeira e que são desprezadas pelos brancos. Durante
séculos, o negro serviu para ser motorista, jardineiro, porteiro, engraxate
etc. Estas e outras profissões eram consideradas inferiores e não serviam para
os brancos. O negro era visto sempre como o empregado. O patrão sempre foi
branco.
A cultura racista foi ganhando espaço na sociedade, e algumas
expressões se naturalizaram. Palavras e gestos de desprezo aos negros se
naturalizaram. E o que se naturaliza também se torna normal, aceito por todos. Direta
ou indiretamente, implícita ou explicitamente, mesmo sem perceber, o brasileiro
se vê discriminando os negros. O que se torna enraizado é mais difícil de ser
corrigido. A cultura racista foi implantada com tanta força, que alguns negros
passaram a discriminar outras pessoas negras.
O sistema carcerário brasileiro existe praticamente para
encarcerar os negros: mais da metade dos que estão nas prisões são negros. As prisões
estão lotadas de negros, pobres e analfabetos funcionais. São os desvalidos da
sociedade. A polícia tem verdadeira tara por espancar e prender jovens negros. Esta
abordagem racista das forças policiais passa para a sociedade a falsa impressão
de que os negros são mais propensos ao crime. É um absurdo que o próprio Estado
não procura corrigir.
Recentemente, os brasileiros assistiram, durante a campanha
eleitoral, a forma como o candidato da extrema-direita, o militar Jair
Bolsonaro, tratou os negros, durante uma palestra para judeus, em São Paulo. O então
deputado teve que enfrentar uma denúncia no Supremo Tribunal Federal (STF),
pelo crime de racismo.
Referindo-se
a uma comunidade quilombola que tinha visitado, o militar disse que os negros
não faziam nada da vida, que não serviam sequer para procriar, e que o mais
leve pesava “sete arrobas”. Arroba é medida utilizada para pesar gado. Mas os
ministros de uma das turmas do STF não entenderam que se tratou de racismo, mas
de mera expressão contemplada pelo direito à liberdade de expressão!
Esta foi uma das ocasiões em que o então deputado deu
declarações visivelmente racistas. Apesar disso, milhões de brasileiros, que
certamente são, em grande parte, racistas, o elegeram Presidente da República. Nunca
na história do Brasil tivemos um presidente eleito com um histórico de
declarações racistas tão deplorável.
Como
a justiça brasileira é muito falha para punir gente “importante”, então o
deputado escapou impune. Certamente, seu governo será marcado pela total
ausência de políticas públicas que contribuiriam para a construção da verdadeira
democracia racial no Brasil.
Dada esta situação, apesar da ameaça que o presidente eleito
representa para a promoção da igualdade racial no Brasil, há inúmeros grupos e
instituições que lutam por esta igualdade. Há uma cultura da resistência em
curso. Nem tudo está perdido. O presidente eleito certamente ouvirá o grito dos
negros que resistem. Este grito jamais será abafado.
O eleito
não é superior à Constituição, que fala em seu artigo 5º, inciso XLII: “A prática do racismo constitui crime inafiançável,
sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.” Cabe à população negra e a
todos os cidadãos esclarecidos, a denúncia firme daqueles que cometem tal
prática, por se julgarem no direito de tratar os outros com indiferença e
discriminação. Independente se o presidente eleito goste ou não, a igualdade
racial é um direito que precisa ser promovido e respeitado. A lei tem que ser
cumprida, e os negros devem ser respeitados.
Marielle
Franco vive! Viva Zumbi dos Palmares!
Tiago de França
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