terça-feira, 29 de janeiro de 2019

A força do poder econômico


         O ocorrido em Brumadinho revela a força do poder econômico que atua no Brasil. Não há mistério, tudo é muito claro. Qual a forma de captação do Estado adotada pelo poder econômico? Antes de irmos ao núcleo da resposta a esta pergunta, precisamos entender a expressão poder econômico. Este poder é constituído por grandes e médias corporações empresariais. A Vale é uma das empresas que fazem parte do grupo das grandes empresas que formam o poder econômico no Brasil. O governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a vendeu a preço de banana. Hoje, é uma das maiores empresas do setor de mineração, presente em dezenas de países, cujos lucros poderiam, hoje, ser do povo brasileiro.

            O que as empresas buscam em seus negócios? Buscam o lucro. Não existe empresa sem aquisição de lucro. Quem não lucra, quebra. Para que não haja lucro a qualquer custo, o Estado existe para regulamentar as atividades empresariais. Sem regulamentação, as empresas não respeitam o meio ambiente nem a dignidade da pessoa humana. Como impedir o Estado de legislar rigidamente sobre a proteção do meio ambiente e a promoção da dignidade humana? Basta controlar a atividade legislativa. Onde se criam as leis? Nas câmaras municipais, nas assembleias legislativas estatuais, na Câmara dos deputados e no Senado Federal. O controle do Poder Legislativo ocorre através do financiamento privado de campanhas eleitorais.

            Com o evento trágico de Brumadinho, esta façanha política se revelou: mineradoras financiam campanhas eleitorais de deputados estaduais e federais para que os parlamentares financiados possam legislar no interesse das mineradoras. Em outras palavras: as empresas praticamente compram a atividade parlamentar dos deputados. Por que isto não é ilegal? Porque a lei não proíbe este tipo de aberração. É tudo explícito. Falta uma reforma política que proíba este tipo de prática, que deveria ser considerada criminosa. Em princípio, os parlamentares deveriam trabalhar pela promoção do bem comum. Mas o que ocorre é que o bem comum é ignorado, e os parlamentares atuam para atender às demandas do poder econômico.

            As últimas eleições gerais indicaram que as empresas não procuram somente assegurar o apoio e a proteção do Legislativo, mas também financiam as campanhas eleitorais de chefes do Executivo: prefeitos, governadores e presidente da República. Ficou explícito o apoio de grandes empresários à candidatura do atual presidente da República. Por que tantos empresários o apoiaram? Na campanha a mentira que contaram foi a seguinte: “Apoiamos Bolsonaro porque queremos contribuir com o desenvolvimento do Brasil!” E o candidato até hoje repete a frase de efeito, que manifesta claramente a sua opção pelo empresário em prejuízo do trabalhador: “Vamos tirar o Estado das costas dos empresários e de todos aqueles que querem produzir!”

            Tirar o Estado das costas dos empresários significa, dentre outras coisas: flexibilizar a fiscalização, abolindo multas e perdoando dívidas; oferecer incentivos, reduções e subsídios fiscais às grandes empresas; reduzir as contribuições das empresas ao Estado, para que a folha de pagamento fique menos onerosa; aperfeiçoar a Reforma Trabalhista, abolindo direitos trabalhistas e aumentando as vantagens para os empresários etc. Em troca destes favores, as empresas financiam parlamentares e chefes do Executivo nos grandes municípios e nos Estados, para que ajudem na aprovação dos projetos do governo federal. Dessa forma, o Estado é enfraquecido, e a iniciativa privada passa a dominar o cenário político e econômico. A mídia aparece como colaboradora, veiculando propagandas enganosas, financiadas pelo governo e pelas empresas, com o objetivo de convencer a população.

            A propaganda fala para as pessoas que os grandes empresários, nacionais e internacionais, somente querem contribuir para o bem do Brasil e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Quem lucra com o crescimento do PIB? De que adianta termos um crescimento generoso do PIB, se milhões de brasileiros estão desempregados e inúmeros vivem abaixo da linha da pobreza? Onde está o PIB? Quem participa da riqueza produzida pelas grandes corporações empresariais? Os lucros são dos empresários, e os trabalhadores arcam com os prejuízos. Nos desastres criminosos de Mariana e Brumadinho, quem saiu lucrando e quem saiu perdendo? As vítimas e seus familiares lucravam com a mineração? Quem são sempre as vítimas destes grandes crimes ambientais e humanos?  

            Nestes dias, o povo está assistindo, impressionado, às iniciativas emergenciais de socorro às vítimas e seus familiares: muitos helicópteros; centenas de bombeiros; buscas de corpos; bloqueio de bilhões de reais; prisões de fiscais e engenheiros; promessas de revisão de normas e procedimentos; arrecadação de alimentos e outras coisas etc. Estas coisas são necessárias. É vidente que são. Medidas emergenciais são necessárias, e as que visam socorrer as vítimas e seus familiares são imprescindíveis. Em sã consciência, ninguém se opõe a elas. O que não resolve é bloquear bilhões de reais e depois desbloqueá-los, devolvendo-os às contas das empresas; aplicar multas e não obrigar os respectivos pagamentos; manter a legislação branda, que ignora os riscos; não acabar com a indústria de propinas a agentes de fiscalização do Estado etc.

Após o caso de Mariana, praticamente nada mudou. Nestes dias, governos e empresários repetem as mesmas promessas. Os governos estadual e federal dizem que vão multar, fiscalizar, endurecer a legislação, processar e prender pessoas, exigir a reparação de danos ao meio ambiente e às pessoas etc. Em poucos dias, praticamente nada disso vai acontecer. Não existe, no Brasil, a cultura de investigação séria e de punição aos grandes empresários. Estes dormem tranquilamente, porque não vivem preocupados com a segurança e a proteção de pessoas e do meio ambiente, e sabem que nada lhes acontece. A preocupação vem quando os lucros desaparecem. Aí, sim, ficam agoniados e depressivos. O dinheiro é o deus que não pode faltar. No mundo dos grandes empresários, o dinheiro resolve tudo. O desespero vem quando o deus dinheiro falta.

Diante desta situação, pergunta-se: Qual a autoridade moral e a capacidade efetiva que o governo tem para punir pelos crimes ambientais e humanos cometidos pelos membros do poder econômico? Cremos que estas breves provocações são suficientes para o leitor perceber que alimentar grandes mudanças no que se refere ao combate à corrupção que ocorre na iniciativa privada é uma grande ilusão. Esta é a nossa realidade. Quem não a enxerga, se ilude. Quando não se ilude, sofre de um tipo de otimismo comum aos tolos, que acreditam nas promessas daqueles que sempre prometeram e nunca fizeram absolutamente nada para mudar esta terrível e vergonhosa situação.

Tiago de França

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