O ocorrido em Brumadinho
revela a força do poder econômico que atua no Brasil. Não há mistério, tudo é
muito claro. Qual a forma de captação do Estado adotada pelo poder econômico? Antes
de irmos ao núcleo da resposta a esta pergunta, precisamos entender a expressão
poder econômico. Este poder é constituído por grandes e médias corporações
empresariais. A Vale é uma das empresas que fazem parte do grupo das grandes
empresas que formam o poder econômico no Brasil. O governo do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso a vendeu a preço de banana. Hoje, é uma das maiores
empresas do setor de mineração, presente em dezenas de países, cujos lucros
poderiam, hoje, ser do povo brasileiro.
O que as empresas buscam em seus negócios? Buscam o
lucro. Não existe empresa sem aquisição de lucro. Quem não lucra, quebra. Para que
não haja lucro a qualquer custo, o Estado existe para regulamentar as
atividades empresariais. Sem regulamentação, as empresas não respeitam o meio
ambiente nem a dignidade da pessoa humana. Como impedir o Estado de legislar
rigidamente sobre a proteção do meio ambiente e a promoção da dignidade humana?
Basta controlar a atividade legislativa. Onde se criam as leis? Nas câmaras
municipais, nas assembleias legislativas estatuais, na Câmara dos deputados e
no Senado Federal. O controle do Poder Legislativo ocorre através do
financiamento privado de campanhas eleitorais.
Com o evento trágico de Brumadinho, esta façanha política
se revelou: mineradoras financiam campanhas eleitorais de deputados estaduais e
federais para que os parlamentares financiados possam legislar no interesse das
mineradoras. Em outras palavras: as empresas praticamente compram a atividade
parlamentar dos deputados. Por que isto não é ilegal? Porque a lei não proíbe
este tipo de aberração. É tudo explícito. Falta uma reforma política que proíba
este tipo de prática, que deveria ser considerada criminosa. Em princípio, os
parlamentares deveriam trabalhar pela promoção do bem comum. Mas o que ocorre é
que o bem comum é ignorado, e os parlamentares atuam para atender às demandas
do poder econômico.
As últimas eleições gerais indicaram que as empresas não
procuram somente assegurar o apoio e a proteção do Legislativo, mas também
financiam as campanhas eleitorais de chefes do Executivo: prefeitos,
governadores e presidente da República. Ficou explícito o apoio de grandes
empresários à candidatura do atual presidente da República. Por que tantos
empresários o apoiaram? Na campanha a mentira que contaram foi a seguinte: “Apoiamos
Bolsonaro porque queremos contribuir com o desenvolvimento do Brasil!” E o
candidato até hoje repete a frase de efeito, que manifesta claramente a sua
opção pelo empresário em prejuízo do trabalhador: “Vamos tirar o Estado das
costas dos empresários e de todos aqueles que querem produzir!”
Tirar o Estado das costas dos empresários significa,
dentre outras coisas: flexibilizar a fiscalização, abolindo multas e perdoando
dívidas; oferecer incentivos, reduções e subsídios fiscais às grandes empresas;
reduzir as contribuições das empresas ao Estado, para que a folha de pagamento
fique menos onerosa; aperfeiçoar a Reforma Trabalhista, abolindo direitos
trabalhistas e aumentando as vantagens para os empresários etc. Em troca destes
favores, as empresas financiam parlamentares e chefes do Executivo nos grandes
municípios e nos Estados, para que ajudem na aprovação dos projetos do governo
federal. Dessa forma, o Estado é enfraquecido, e a iniciativa privada passa a
dominar o cenário político e econômico. A mídia aparece como colaboradora,
veiculando propagandas enganosas, financiadas pelo governo e pelas empresas,
com o objetivo de convencer a população.
A propaganda fala para as pessoas que os grandes
empresários, nacionais e internacionais, somente querem contribuir para o bem
do Brasil e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Quem lucra com o
crescimento do PIB? De que adianta termos um crescimento generoso do PIB, se
milhões de brasileiros estão desempregados e inúmeros vivem abaixo da linha da
pobreza? Onde está o PIB? Quem participa da riqueza produzida pelas grandes
corporações empresariais? Os lucros são dos empresários, e os trabalhadores
arcam com os prejuízos. Nos desastres criminosos de Mariana e Brumadinho, quem
saiu lucrando e quem saiu perdendo? As vítimas e seus familiares lucravam com a
mineração? Quem são sempre as vítimas destes grandes crimes ambientais e
humanos?
Nestes dias, o povo está assistindo, impressionado, às
iniciativas emergenciais de socorro às vítimas e seus familiares: muitos
helicópteros; centenas de bombeiros; buscas de corpos; bloqueio de bilhões de
reais; prisões de fiscais e engenheiros; promessas de revisão de normas e
procedimentos; arrecadação de alimentos e outras coisas etc. Estas coisas são
necessárias. É vidente que são. Medidas emergenciais são necessárias, e as que
visam socorrer as vítimas e seus familiares são imprescindíveis. Em sã consciência,
ninguém se opõe a elas. O que não resolve é bloquear bilhões de reais e depois
desbloqueá-los, devolvendo-os às contas das empresas; aplicar multas e não
obrigar os respectivos pagamentos; manter a legislação branda, que ignora os
riscos; não acabar com a indústria de propinas a agentes de fiscalização do
Estado etc.
Após o
caso de Mariana, praticamente nada mudou. Nestes dias, governos e empresários
repetem as mesmas promessas. Os governos estadual e federal dizem que vão
multar, fiscalizar, endurecer a legislação, processar e prender pessoas, exigir
a reparação de danos ao meio ambiente e às pessoas etc. Em poucos dias,
praticamente nada disso vai acontecer. Não existe, no Brasil, a cultura de
investigação séria e de punição aos grandes empresários. Estes dormem
tranquilamente, porque não vivem preocupados com a segurança e a proteção de
pessoas e do meio ambiente, e sabem que nada lhes acontece. A preocupação vem
quando os lucros desaparecem. Aí, sim, ficam agoniados e depressivos. O dinheiro
é o deus que não pode faltar. No mundo dos grandes empresários, o dinheiro
resolve tudo. O desespero vem quando o deus dinheiro falta.
Diante
desta situação, pergunta-se: Qual a autoridade moral e a capacidade efetiva que
o governo tem para punir pelos crimes ambientais e humanos cometidos pelos
membros do poder econômico? Cremos que estas breves provocações são suficientes
para o leitor perceber que alimentar grandes mudanças no que se refere ao
combate à corrupção que ocorre na iniciativa privada é uma grande ilusão. Esta é
a nossa realidade. Quem não a enxerga, se ilude. Quando não se ilude, sofre de
um tipo de otimismo comum aos tolos, que acreditam nas promessas daqueles que
sempre prometeram e nunca fizeram absolutamente nada para mudar esta terrível e
vergonhosa situação.
Tiago
de França
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