sábado, 19 de janeiro de 2019

O vinho que nos faz irmãos


            Conta-nos o evangelista João que Jesus, sua mãe e seus discípulos participaram de um casamento em Caná da Galileia (cf. Jo 2, 1 – 11). O texto fala que neste casamento, Jesus realizou seu primeiro sinal e “seus discípulos creram nele”. O evangelista não fala em milagre, mas em sinal. Falar em sinal é apontar para algo mais profundo, de cunho mais existencial; é referir-se ao sentido mais profundo da missão de Jesus, missão que revela o rosto misericordioso de Deus Pai.

            Com o passar do tempo, os cristãos foram criando uma cultura religiosa dos milagres, que transformou Jesus em um milagreiro. Isto prejudicou gravemente o significado da missão do cristão e das Igrejas, que é o seguimento de Jesus. Muita gente não conhece o caminho de Jesus, não sabem o que significa segui-lo. As pessoas procuram por milagres. Elas veem em Jesus a solução para seus problemas, sejam quais forem. Jesus foi transformado numa força poderosa capaz de fazer milagres. Uma vez alcançado o milagre, Jesus é descartado ou deixado de lado.

            Quando ligamos a TV e assistimos aos canais religiosos, o que vemos? Líderes religiosos falando de milagres, curas e prodígios. Em troca de dinheiro, milagres acontecem. Trata-se de um mercado religioso promissor, que enriquece a muitos. Não se fala em outra coisa a não ser em milagres. Estes líderes religiosos criam um outro Jesus e um outro evangelho para satisfazer a sua sede de dinheiro e poder.

Alguns são mais discretos, outros mais agressivos. Mas o objetivo é o mesmo: arrecadar muito dinheiro para alimentar a vaidade pessoal e familiar. O dinheiro não serve para a caridade. Esta palavra é ignorada por eles. O Jesus milagreiro do neopentecostalismo cristão exige somente o depósito em dinheiro e uma suposta confiança na palavra do líder religioso. Tudo gira em torno do dinheiro. Prega-se que este funciona como o combustível da fé. Sem dinheiro não há fé nem milagres.

Jesus sabia que as pessoas tem esta tendência, que vai na contramão do Reino de Deus: a busca exclusiva por milagres. Os sinais de Jesus revelam que o milagre por excelência é segui-lo. Colocar-se em seu caminho é a missão a que cada cristão é chamado. No caminho de Jesus encontramos a vida plena. Caminhar com Jesus é o milagre que precisamos para termos vida em abundância. Quem caminha com Jesus se torna íntimo dele, participa da sua vida e da sua missão.

A gente caminha com Jesus participando da vida das pessoas, aproximando-nos delas. Jesus foi ao casamento, e foi informado pela sua mãe que o vinho faltou. Imaginem a vergonha que os noivos passariam se Jesus não os socorresse! Como numa festa de casamento pode faltar bebida? A presença de Jesus assegurou que nada faltaria, e Maria, sua mãe, sabia disso. Ela viu a falta do vinho, informou a situação a Jesus e recomendou que os discípulos fizessem conforme orientasse. Maria confiou em Jesus.

Em nossa vida de crentes, Jesus é o vinho que não pode faltar. Por que a gente não pede pra Jesus permanecer em nossa vida? Precisamos rever essa nossa mania de procurá-lo somente quando precisamos de um milagre. Ele quer habitar em nós. Quando Jesus está em nós, nos transformamos em vinho de primeira qualidade na vida das pessoas. Somente Jesus é capaz de nos transformar desde o mais profundo de nós mesmos. Este parece ser o milagre de Caná hoje. Quando o vinho aparece, a festa é certa e exitosa. Nada falta. A alegria e a abundância caracterizam uma vida festiva e feliz.

Outro aspecto revelador que a presença de Jesus nas bodas de Caná revela se refere ao caráter festivo da ocasião. Jesus manifestou o seu primeiro sinal em um casamento fora do templo e da sinagoga. Assim, ele nos revela que Deus é festivo, é pura alegria, puro gozo e confraternização.

Muitas vezes, somos tentados a carregar em nós a imagem de um Deus triste, que vigia, pune e castiga, um Deus perseguidor. Jesus nos fala que Deus é o Pai da alegria e da festa sem fim. Quem permanece em Deus experimenta a verdadeira alegria, aquela que não passa e que não é provocada pelos prazeres passageiros que a vida oferece.

A alegria que não passa vem da certeza da presença divina em nós. Desse modo, a nossa vida é uma festa sem fim, mesmo quando somos atingidos pelo sofrimento e pela tristeza momentânea. Esta alegria que vem de Deus é a única capaz de nos conceder paz ao espírito e aos ambientes que frequentamos. Uma vez alegres e em paz, contagiamos outras pessoas com as energias oriundas da alegria e da paz de espírito. Há muita gente que precisa de alegria e paz, e quem segue a Jesus é chamado a partilhar com os outros o vinho da alegria e da paz.

Por fim, cabe-nos ouvir a recomendação de Maria, ao perceber a falta do vinho no casamento de Caná da Galileia. Diz ela a seus discípulos: “Fazei o que ele vos disser”. Imediatamente após esta recomendação materna, Jesus manifesta o seu sinal: transformou água em vinho. Foram seis talhas, de mais ou menos cem litros cada uma. Jesus não oferece pouco, mas muito e de boa qualidade.

Assim é Deus: maravilhosamente infinito, cheio de amor. O seu amor é sem fim. Ele quer viver em nós, preenchendo-nos infinitamente. É o amor que nos concede a vida sem fim. O amor é este vinho bom, sem o qual estamos perdidos eternamente. Eis o que Jesus nos diz hoje: Sejam vinho bom e abundante na vida uns dos outros, pois é para o amor que vocês foram chamados.

Não sejamos fel e vinagre na vida dos outros, mas vinho saboroso, abundante. Em comunhão com o Deus festivo, a nossa vida se transforma em dom precioso para a vida do mundo. Nisto reside a felicidade, a alegria e a paz que Deus deseja para todos os seus filhos e filhas.
Tiago de França

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