terça-feira, 12 de março de 2019

O caminho da conversão

          Nenhum cristão pode afirmar que não precisa se converter. A conversão é para toda a vida. Quando afirmamos que há pessoas convertidas é porque existem pessoas que optaram pelo caminho de Jesus e nele estão perseverando. O fato de estar no caminho de Jesus não significa que esteja imune à tentação de abandoná-lo; e, infelizmente, há muitos que abandonam.

            Desse modo, já temos o significado evangélico do que chamamos de conversão: colocar-se no caminho de Jesus. “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me”, nos diz Jesus (Lc 9, 23). Inicialmente, Jesus fala de um querer: “se alguém quer...” Para que haja conversão deve existir este querer. Ninguém está obrigado a se converter. A conversão é um chamado à liberdade, e somente pode ser vivida na liberdade. É neste sentido que ensina o apóstolo Paulo: “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5, 1).

            Querer se converter é querer seguir Jesus Cristo. A pessoa precisa saber que a conversão implica numa mudança radical de vida, pois quando alguém se decide pelo caminho de Jesus, passa a participar da sua vida. Esta participação na vida do divino Mestre muda radicalmente a vida do discípulo. Quem se aproxima, se torna próximo e segue Jesus, ganha um novo sentido para a vida. É verdade que não há um surgimento de outra pessoa, mas a mesma pessoa se identifica de tal modo com Jesus que esta comunhão de vida a faz resplandecer. Ocorre o que nos fala o próprio Jesus no evangelho de João: “Se alguém me ama, guardará minha palavra e meu Pai o amará e a ele viremos e nele estabeleceremos morada” (Jo 14, 23).

            Para seguir Jesus é preciso querer amá-lo, e quem assim procede, guarda a sua palavra. O amor é esta palavra de Jesus. O amor a Jesus nos faz praticantes de seu ensinamento fundamental. No amor, Jesus, o Pai e o Espírito estabelecem morada em nós. Mas esta relação amorosa com o Deus Uno e Trino não é meramente abstrata, mas se dá no concreto da vida. Mergulhada em Deus a pessoa não é chamada a viver contemplando-o no isolamento da solidão. Certamente, momentos de solidão são necessários para uma escuta mais apurada da voz e da presença de Deus, que também se manifesta no silêncio e na quietude.

            Somos moradas itinerantes da presença amorosa de Deus, e somente assim conseguimos irradiar esta presença no mundo. Trata-se de uma presença que acolhe, aquece e ilumina. Se Deus permanece em nós, amando-nos diuturnamente, então Ele quer chegar a todos por meio de nós. Assim, quando os outros enxergam em nós a presença de Deus é porque estamos manifestando, com nossos gestos e palavras, a ternura e a misericórdia, a alegria e a acolhida, o amor e o perdão, a compreensão e bondade, a humildade e a simplicidade divinas. A pessoa que caminha com Jesus na contramão deste mundo se transforma numa referência amorosa, e aí ocorre uma forte atração na direção de Deus. Habitando em nós, Deus atrai todos a Si.

            Teresa de Calcutá, Lindalva Justo de Oliveira, Helder Câmara, Luciano Mendes, Oscar Romero, Rosa de Lima, João XXIII, Francisco de Assis, Ezequiel Ramin, Teresinha do Menino Jesus, Alfredinho Kunz e tantos outros santos, conhecidos e anônimos, foram portadores desta presença amorosa de Deus. Eles encarnaram o amor divino. Seus testemunhos são uma clara e incontestável demonstração de como Deus age no mundo. Todos carregaram as cruzes que integram o caminho de Jesus.

            Antes de falar da necessidade de carregar a cruz, Jesus fala do renunciar a si mesmo. Falar de renúncia hoje não causa nenhuma atração. Mais que outras épocas, a renúncia sempre foi vista como algo ruim. De fato, renunciar não é algo fácil de se praticar. Geralmente, precisamos renunciar aquilo que nos causa prazer, gosto, satisfação. Vivemos num mundo que produz satisfação. O mercado produz objetos que provocam a sede de satisfação nas pessoas. Estas, de modo geral, vivem a procura de satisfação, e não conhecem nem querem conhecer limites à satisfação de seus desejos.

            É verdade que em nome da conversão não podemos cair no puritanismo. O puritanismo leva ao farisaísmo. O espírito de superioridade, que consiste em se sentir melhor que os outros, é a marca do fariseu. No evangelho encontramos Jesus desmascarando o falso moralismo dos fariseus que se consideravam justos somente porque observam a letra da lei, mas não praticavam o amor: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Sois semelhantes a sepulcros caiados, que por fora parecem belos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e de toda podridão” (Mt 23, 27). Quem segue Jesus não cultiva a cultura da aparência, mas busca o essencial, que é o amor-doação.

            Portanto, a renúncia aos desejos desenfreados é importante, mas, no caminho de Jesus, também somos chamados a renunciar outros empecilhos mais gravosos, tais como: o comodismo; a arrogância; a malícia; a ignorância; o desejo da destruição dos outros; o apego ao dinheiro; o apego ao prestígio e ao poder; a indiferença. São muitas as pedras de tropeço que aparecem no caminho. O seguimento a Jesus não é fácil porque se trata de um caminho estreito e pedregoso. Vivemos diante de dois caminhos: o que conduz à vida plena, e o que leva à perdição (cf. Mt 7, 13-14). O caminho de Jesus é o que conduz à vida, caminho apertado e exigente.

             Considerando que se trata de uma missão exigente, para seguirmos Jesus precisamos do auxílio da graça de Deus. Contando somente com as próprias forças, nenhum cristão se converte nem alcança a salvação. O homem é incapaz de salvar a si mesmo. Sem a ação do Espírito Santo não há quem consiga entrar e perseverar no caminho de Jesus. Quando permitimos a ação deste Espírito, nasce o querer e a disposição de seguir Jesus. Assim, inicia-se o processo de conversão, da necessária mudança radical de vida. Esta passa a convergir na direção de Deus. Como vimos acima, o convertido se torna um com Deus Pai, Filho e Espírito Santo.

            Por fim, precisamos afirmar, categoricamente: vivemos numa realidade religiosa muito carente de pessoas convertidas, de pessoas capazes de doar a própria vida como fez Jesus. É verdade que temos, graças à ação amorosa de Deus, que não cessa, muitas testemunhas da Ressurreição de Jesus. Mas precisamos crescer cada vez mais neste caminho de santidade, que é o caminho da conversão. Precisamos avançar para as águas mais profundas (cf. Lc 5, 1-11).

Dentro e fora de nossos templos há um número grandioso de pessoas que ainda não ousaram entrar no caminho de Jesus. Isto significa que há muitos que prestam culto a Jesus, e até são fieis praticantes dos preceitos religiosos, mas que não ousam se aproximar de Jesus, para uma experiência mais íntima com ele. A experiência do ingresso no caminho de Jesus vai muito além da participação no culto e da observância dos preceitos religiosos. O culto e os preceitos devem ser expressão viva da caminhada com Jesus. Se a pessoa não faz esta experiência de Deus, o culto que presta a Deus parece perder o seu sentido. Que o Espírito nos conceda a graça de nos colocarmos no caminho de Jesus, de nele permanecermos e nos mantermos fieis até o fim.

Tiago de França

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