Nenhum cristão pode afirmar
que não precisa se converter. A conversão é para toda a vida. Quando afirmamos
que há pessoas convertidas é porque existem pessoas que optaram pelo caminho de
Jesus e nele estão perseverando. O fato de estar no caminho de Jesus não
significa que esteja imune à tentação de abandoná-lo; e, infelizmente, há
muitos que abandonam.
Desse modo, já temos o significado evangélico do que
chamamos de conversão: colocar-se no caminho de Jesus. “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada
dia e siga-me”, nos diz Jesus (Lc 9, 23). Inicialmente, Jesus fala de um
querer: “se alguém quer...” Para que
haja conversão deve existir este querer.
Ninguém está obrigado a se converter. A conversão é um chamado à liberdade, e
somente pode ser vivida na liberdade. É neste sentido que ensina o apóstolo
Paulo: “É para a liberdade que Cristo nos
libertou” (Gl 5, 1).
Querer se converter é querer seguir Jesus Cristo. A pessoa
precisa saber que a conversão implica numa mudança radical de vida, pois quando
alguém se decide pelo caminho de Jesus, passa a participar da sua vida. Esta participação
na vida do divino Mestre muda radicalmente a vida do discípulo. Quem se
aproxima, se torna próximo e segue Jesus, ganha um novo sentido para a vida. É verdade
que não há um surgimento de outra pessoa, mas a mesma pessoa se identifica de
tal modo com Jesus que esta comunhão de vida a faz resplandecer. Ocorre o que
nos fala o próprio Jesus no evangelho de João: “Se alguém me ama, guardará minha palavra e meu Pai o amará e a ele
viremos e nele estabeleceremos morada” (Jo 14, 23).
Para seguir Jesus é preciso querer amá-lo, e quem assim
procede, guarda a sua palavra. O amor é esta palavra de Jesus. O amor a Jesus
nos faz praticantes de seu ensinamento fundamental. No amor, Jesus, o Pai e o
Espírito estabelecem morada em nós. Mas esta relação amorosa com o Deus Uno e
Trino não é meramente abstrata, mas se dá no concreto da vida. Mergulhada em
Deus a pessoa não é chamada a viver contemplando-o no isolamento da solidão. Certamente,
momentos de solidão são necessários para uma escuta mais apurada da voz e da presença
de Deus, que também se manifesta no silêncio e na quietude.
Somos moradas itinerantes da presença amorosa de Deus, e
somente assim conseguimos irradiar esta presença no mundo. Trata-se de uma
presença que acolhe, aquece e ilumina. Se Deus permanece em nós, amando-nos
diuturnamente, então Ele quer chegar a todos por meio de nós. Assim, quando os
outros enxergam em nós a presença de Deus é porque estamos manifestando, com
nossos gestos e palavras, a ternura e a misericórdia, a alegria e a acolhida, o
amor e o perdão, a compreensão e bondade, a humildade e a simplicidade divinas.
A pessoa que caminha com Jesus na contramão deste mundo se transforma numa
referência amorosa, e aí ocorre uma forte atração na direção de Deus. Habitando
em nós, Deus atrai todos a Si.
Teresa de Calcutá, Lindalva Justo de Oliveira, Helder
Câmara, Luciano Mendes, Oscar Romero, Rosa de Lima, João XXIII, Francisco de Assis,
Ezequiel Ramin, Teresinha do Menino Jesus, Alfredinho Kunz e tantos outros
santos, conhecidos e anônimos, foram portadores desta presença amorosa de Deus.
Eles encarnaram o amor divino. Seus testemunhos são uma clara e incontestável
demonstração de como Deus age no mundo. Todos carregaram as cruzes que integram
o caminho de Jesus.
Antes de falar da necessidade de carregar a cruz, Jesus
fala do renunciar a si mesmo. Falar de
renúncia hoje não causa nenhuma atração. Mais que outras épocas, a renúncia
sempre foi vista como algo ruim. De fato, renunciar não é algo fácil de se
praticar. Geralmente, precisamos renunciar aquilo que nos causa prazer, gosto,
satisfação. Vivemos num mundo que produz satisfação. O mercado produz objetos
que provocam a sede de satisfação nas pessoas. Estas, de modo geral, vivem a
procura de satisfação, e não conhecem nem querem conhecer limites à satisfação
de seus desejos.
É verdade que em nome da conversão não podemos cair no
puritanismo. O puritanismo leva ao farisaísmo. O espírito de superioridade, que
consiste em se sentir melhor que os outros, é a marca do fariseu. No evangelho
encontramos Jesus desmascarando o falso moralismo dos fariseus que se consideravam
justos somente porque observam a letra da lei, mas não praticavam o amor: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas!
Sois semelhantes a sepulcros caiados, que por fora parecem belos, mas por
dentro estão cheios de ossos de mortos e de toda podridão” (Mt 23, 27). Quem
segue Jesus não cultiva a cultura da aparência, mas busca o essencial, que é o
amor-doação.
Portanto, a renúncia aos desejos desenfreados é
importante, mas, no caminho de Jesus, também somos chamados a renunciar outros
empecilhos mais gravosos, tais como: o comodismo; a arrogância; a malícia; a
ignorância; o desejo da destruição dos outros; o apego ao dinheiro; o apego ao
prestígio e ao poder; a indiferença. São muitas as pedras de tropeço que
aparecem no caminho. O seguimento a Jesus não é fácil porque se trata de um
caminho estreito e pedregoso. Vivemos diante de dois caminhos: o que conduz à
vida plena, e o que leva à perdição (cf. Mt 7, 13-14). O caminho de Jesus é o
que conduz à vida, caminho apertado e exigente.
Considerando que
se trata de uma missão exigente, para seguirmos Jesus precisamos do auxílio da
graça de Deus. Contando somente com as próprias forças, nenhum cristão se
converte nem alcança a salvação. O homem é incapaz de salvar a si mesmo. Sem a
ação do Espírito Santo não há quem consiga entrar e perseverar no caminho de
Jesus. Quando permitimos a ação deste Espírito, nasce o querer e a disposição
de seguir Jesus. Assim, inicia-se o processo de conversão, da necessária
mudança radical de vida. Esta passa a convergir na direção de Deus. Como vimos
acima, o convertido se torna um com
Deus Pai, Filho e Espírito Santo.
Por fim, precisamos afirmar, categoricamente: vivemos
numa realidade religiosa muito carente de pessoas convertidas, de pessoas
capazes de doar a própria vida como fez Jesus. É verdade que temos, graças à
ação amorosa de Deus, que não cessa, muitas testemunhas da Ressurreição de
Jesus. Mas precisamos crescer cada vez mais neste caminho de santidade, que é o
caminho da conversão. Precisamos avançar para as águas mais profundas (cf. Lc
5, 1-11).
Dentro
e fora de nossos templos há um número grandioso de pessoas que ainda não
ousaram entrar no caminho de Jesus. Isto significa que há muitos que prestam
culto a Jesus, e até são fieis praticantes dos preceitos religiosos, mas que
não ousam se aproximar de Jesus, para uma experiência mais íntima com ele. A experiência
do ingresso no caminho de Jesus vai muito além da participação no culto e da
observância dos preceitos religiosos. O culto e os preceitos devem ser
expressão viva da caminhada com Jesus. Se a pessoa não faz esta experiência de
Deus, o culto que presta a Deus parece perder o seu sentido. Que o Espírito nos
conceda a graça de nos colocarmos no
caminho de Jesus, de nele
permanecermos e nos mantermos fieis
até o fim.
Tiago de França
Nenhum comentário:
Postar um comentário