quarta-feira, 1 de maio de 2019

Pensar em tempos de obscuridade


          Pensar livremente sempre foi o exercício fundamental dos espíritos evoluídos. A evolução da sociedade e do homem depende da difícil e desafiadora arte de pensar. O que seria da humanidade sem a ousadia de muita gente que se debruçou sobre os próprios pensamentos, provocando descobertas de toda ordem? O ser humano é ontologicamente vocacionado ao pensar, ou seja, não se realiza fora da atividade pensante. Quando entregue à preguiça mental e ao controle sistematizado da mente, o homem e a sociedade ficam como que paralisados, entregues ao arbítrio dos mais espertos.

            A filosofia, a sociologia, a história, a antropologia, a psicologia, a psicanálise e outras áreas congêneres, criadas pelo esforço permanente da inteligência humana, sempre foram abordagens incômodas, pois são contrárias aos interesses daqueles que lucram e se aproveitam da ingenuidade e cegueira da grande maioria das pessoas que não se ocupam com o pensar. A grande maioria dos humanos não se ocupa com o pensar, mas assimila os modelos e padrões estabelecidos pelas grandes corporações financeiras, que ganham muito dinheiro fabricando coisas e ideias que visam a dominação dos espíritos e dos corpos humanos.

            No mundo capitalista não há espaço para o espírito crítico. Não interessa ao mercado a multiplicação de pessoas que se dedicam ao aperfeiçoamento do pensar crítico. Este pensar desmascara os projetos de dominação. O mercado financeiro visa o lucro, e para que este seja alcançado é necessário a manipulação da consciência e o uso das forças de homens fracos. O homem fraco é aquele que não pensa sobre a vida e sobre o que acontece no mundo. É aquele que vive somente em função da satisfação de suas necessidades básicas. De fato, há milhões de pessoas que se contentam com o alimento, o vestir, o calçar, o comer e o lazer. O mercado financeiro precisa de mão de obra qualificada, e esta mão de obra é constituída por pessoas que são treinadas para somente produzir e consumir.

            Quando o governo federal diz que vai cortar os gastos com filosofia e sociologia nas universidades, o recado é claro: o governo quer colocar a educação pública a serviço dos interesses do mercado. De que tipo de gente o mercado precisa? De pessoas que aprendam a produzir com eficiência e qualidade, bem como de uma massa numerosa de consumidores inconsequentes. Consumir sem necessidade é uma espécie de consumo irresponsável. Quem não pensa a realidade do consumo é usado pelo mercado para a produção dos lucros das grandes empresas produtoras de descartáveis.

            Trazendo a reflexão para o âmbito das relações interpessoais, ocorre algo semelhante: vivemos numa situação profundamente marcada pelo esquecimento do outro. Este ganha notoriedade quando tem dinheiro ou influência, ou ambas as coisas. Há uma grande massa de seres humanos ao redor do mundo que se encontra na invisibilidade: massa de inúteis e sobrantes, de pessoas que nem produzem nem consomem. São sem importância e descartadas pelo sistema. Este é tão perverso que faz as pessoas entenderem que o que estamos descrevendo não passa de uma ideologia marxista barata.

            A expressão “isso é coisa de comunista” tem integrado a lábia barata e fajuta dos que vivem a serviço da promoção do sistema capitalista. Para tais pessoas, “bom é o capitalismo, que promove o progresso”. Tal afirmação parece acertada, mas não resiste a simples indagações: O capitalismo promove o progresso de quem? No Brasil dos 13 milhões de desempregados, quem está progredindo? No governo aliançado com as forças do grande mercado financeiro, quem está ganhando e quem está perdendo? Por acaso, estas questões são comunistas? Há muita gente poderosa se aproveitando do discurso anticorrupção e anticomunista. O Brasil é um país no qual a manipulação da consciência é de fácil execução.

            A sistematização do pensamento e da crítica é ferramenta essencial para a emancipação das pessoas; do contrário, estas continuarão consumindo as informações cuidadosamente elaboradas com a finalidade de enganar e camuflar a realidade. Sem a análise da realidade não é possível se libertar das mentiras bem contadas pelos que operam a dominação social. Os que oprimem dependem da cegueira da maioria. Sem gente cega não é possível explorar. O prazer dos poderosos deste mundo é ver as pessoas sendo exploradas; e a exploração é tão eficiente que a maioria dos explorados, uma vez conformados com a situação, até se sentem gratos por serem escravos.

            Vivemos tempos de obscuridade. Lamentavelmente, em pleno século XXI. Quando se diz que com a Internet e as redes sociais as pessoas estão mais atentas ao que está acontecendo, há um profundo engano. É verdade que a Internet continua sendo uma ferramenta importante para a busca de informações. Mas quem sabe pesquisar na Internet? Quem a utiliza para a realização permanente de pesquisas? Quem ensina às pessoas a filtrar as inúmeras informações fragmentadas? De modo geral, e as eleições gerais de 2018 demonstraram isso, os brasileiros não utilizam a Internet para pesquisas. A pesquisa não é o forte da cultura brasileira. A maioria está presente nas redes sociais, curtindo e compartilhando o que a própria rede vai ofertando, conforme o interesse dos grandes grupos que faturam muito dinheiro com a propaganda e o consumo de mentiras e mercadorias.

            A obscuridade está alicerçada na irracionalidade. Quem não pensa vive na obscuridade, ou seja, não conhece as causas dos acontecimentos da vida. A maioria tem acesso somente às versões predominantes dos acontecimentos. Os veículos de comunicação fazem seus recortes e oferecem suas versões. As pessoas simplesmente assimilam e formam a sua visão de mundo a partir disso. Assim, não há uma visão de mundo propriamente dita, pois não envolve o pensar por si mesmo. A assimilação e repetição irracional dos fatos não é uma atividade intelectualmente crítica. Sem análises não há pensamento crítico. Compreender o que está acontecendo no mundo é essencial para uma vida digna de seres humanos. Quem não enxerga a realidade é, geralmente, engolido por ela. Pensar é necessário para a evolução da humanidade. As pessoas hoje precisam compreender isto, para se libertarem das prisões que as oprimem.

Tiago de França

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