“O
Espírito anima a história e o tempo presente. Torna a história mais humana, e
torna a vida e cada dia mais feliz. Transfigura o nosso presente e gera um
futuro” (José Comblin).
A espiritualidade cristã ensina que não há libertação
possível fora da ação do Espírito Santo. A história do cristianismo mostra, com
clareza, que durante muito tempo o Espírito ficou como que esquecido. Era
mencionado, é verdade, mas não passava de mera alusão nas fórmulas canônicas de
oração. Hoje, mais que em outras épocas, temos a plena convicção da missão do
Espírito no mundo.
A festa de Pentecostes que se aproxima convida-nos à
recordação do essencial: o Espírito age em nós, porque esta é a vontade de Deus
e o cumprimento da promessa de Jesus (cf. Jo 14,26). É o Espírito que ilumina e
guia os seguidores de Jesus em sua caminhada rumo à plenitude do Reino definitivo.
Como bem disse José Comblin, em sua obra O
Espírito Santo no mundo: “O Espírito anima a história”. Isto significa que
o plano divino haverá de se cumprir porque o Espírito de Deus está agindo, dia
e noite, para que a humanidade chegue ao conhecimento da realização plena
daquilo que Deus, desde a eternidade, planejou realizar.
Este mesmo Espírito “anima o tempo presente”. O nosso
tempo é marcado pelos inúmeros males, decorrentes de muitos conflitos de
interesses. Há uma sede de poder e de riqueza, que há muito tempo domina o
espírito humano. Em nome do poder e da riqueza, os homens são capazes de tudo. Há
um caminho de autoaniquilação, que se apresenta como projeto global de
destruição. Diante de tanta violência e morte, parece não existir saída.
Estaria
o mal afastando, de forma definitiva, a realização do plano de Deus? A fé em
Jesus responde negativamente. A profissão de fé dos que acreditam na ação
amorosa de Deus no mundo nos abre a janela da grande alegria esperançosa do
mundo que há de vir: nos porões da humanidade, lá onde tudo parece treva, as
sementes do Reino estão sendo lançadas, e elas já estão dando frutos de vida
eterna.
Desde as
periferias do mundo, onde se pode escutar o clamor dos injustiçados de todos os
tempos e lugares, Deus Pai, Filho e Espírito Santo está trabalhando,
despertando e alimentando a esperança do mundo futuro: este mundo transformado
naquilo que a Trindade deseja: lugar de fraternidade, justiça e paz para todos.
Não pode o mal resistir à força do amor. Não podem os corações resistirem ao
fogo abrasador do Espírito que sonda todas as coisas. A nossa profecia não é a
profecia da desgraça definitiva, mas da esperança que insiste em prevalecer
porque o Espírito a cultiva no mais profundo das entranhas humanas.
Quando
sopra o Espírito, os olhos se abrem; os caídos se levantam; os injustiçados
gritam; a alegria transborda como água no deserto; a luz da verdade afasta as
trevas da mentira; cessam as inimizades e reina a proximidade e o
reconhecimento das chagas de Cristo Jesus nos outros; enfim, nada neste mundo
escapa da luz resplandecente Daquele que foi enviado a este mundo, em nome de
Jesus, para continuar alimentando a chama que fumega. Assim é o Espírito de
Deus.
O tempo
presente assiste também à rejeição das crenças religiosas e à decepção de muita
gente. Aos poucos as pessoas estão descobrindo, mesmo que de forma dolorosa,
que o mistério divino sempre foi confiado a mulheres e homens fracos. Desde a experiência
missionária de Jesus é assim. Já no grupo dos Doze encontramos Pedro negando
Jesus, e Judas Iscariotes entregando o seu Mestre por trinta moedas de prata. Assim
são os homens: interesseiros, mesquinhos, frágeis, prepotentes, limitados. Mas a
estas pessoas quis Jesus confiar a continuidade da sua missão.
É verdade
que esta convicção de nossa fraqueza não pode ser utilizada para justificar
nossas incoerências. Pelo contrário, serve-nos para reconhecermos que somos pó
da terra e que precisamos confiar Naquele que nos chamou à vida e à missão. Conhecendo
a natureza humana, Jesus prometeu que o Pai enviaria o Espírito, o Paráclito, e
assim se fez. É este Espírito que conduz a família humana, e de modo especial,
a missão de Jesus na história humana. Entregues a este Espírito, os discípulos
de Cristo conseguiram, conseguem e sempre conseguirão cumprir o mandato
missionário do anúncio da Boa Notícia do Reino de Deus.
A
Igreja católica, que celebrará Pentecostes nestes dias, sabe da sua missão no
mundo; sabe também das suas limitações. Conhece seus medos e incoerências, sua
falsa prudência e sua omissão. Esta mesma Igreja, constituída de mulheres e
homens, santos e pecadores, peregrinos nas estradas deste mundo desigual, não pode,
jamais, recuar. Interiormente, parece muito evidente o surgimento de um
movimento de retorno à grande disciplina que vigorava antes do Concílio
Vaticano II. Mas o Espírito aponta para o futuro. Ele gera o futuro. O passado
não é o lugar da vida, mas daquilo que se viveu. A missão acontece no presente,
com olhos voltados para o futuro. Do passado se aprende a não repetição daquilo
que não agradou à Trindade.
Não é
possível assistirmos à renovação da Igreja, do espírito humano e de toda a
humanidade, caminhando para trás. A marcha da história acontece no sentido
oposto: caminhamos para o amanhã com os pés no aqui e agora. É agora que o
Reino está acontecendo. É agora que o Espírito está trabalhando. Trata-se de um
movimento constante, que resultará na libertação total e definitiva. O testemunho
das Sagradas Escrituras nos mostra que esta é a vontade de Deus revelada na
pessoa de Jesus, o Filho de Deus. E não existe força capaz de impor outra
orientação ou rumo à marcha da história.
Não se
trata de mero determinismo, mas de movimento de liberdade. As experiências que
vamos conhecendo vão nos apontando para o caminho que conduz à liberdade. Porque
este é o desejo mais profundo do nosso coração: desejamos ser livres. Mas não se
trata de qualquer liberdade, mas daquela que realmente nos torna dignos de sermos
reconhecidos como humanos e filhos de Deus.
Neste processo,
o Espírito “torna a história mais humana”. Este caminho de humanização das
pessoas, para que se revele o Deus vivo que está em todas elas, conta com a
participação do Espírito Santo. Quando nos colocamos neste caminho, tudo se
transfigura, se renova e aparece tal como é. O Espírito concede-nos a graça da
visão da realidade e do conhecimento concreto daquilo que chamamos vida. Esta passa
a ser percebida e sentida, vivida plenamente. É assim que o Espírito trabalha. Mas,
mais que isto, Ele também tem seus meios, que a nossa pobre inteligência é
incapaz de conhecer. O que sabemos e afirmamos é a antífona daquilo que reza o
grande e infinito salmo do amor divino por cada um de nós.
Que o
Espírito nos ilumine e nos conceda a graça de conhecermos, concretamente, a
verdadeira vida. Assim, somos livres, humanos e felizes.
Tiago
de França
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