sexta-feira, 7 de junho de 2019

O Espírito Santo e a liberdade


“O Espírito anima a história e o tempo presente. Torna a história mais humana, e torna a vida e cada dia mais feliz. Transfigura o nosso presente e gera um futuro” (José Comblin).

            A espiritualidade cristã ensina que não há libertação possível fora da ação do Espírito Santo. A história do cristianismo mostra, com clareza, que durante muito tempo o Espírito ficou como que esquecido. Era mencionado, é verdade, mas não passava de mera alusão nas fórmulas canônicas de oração. Hoje, mais que em outras épocas, temos a plena convicção da missão do Espírito no mundo.

            A festa de Pentecostes que se aproxima convida-nos à recordação do essencial: o Espírito age em nós, porque esta é a vontade de Deus e o cumprimento da promessa de Jesus (cf. Jo 14,26). É o Espírito que ilumina e guia os seguidores de Jesus em sua caminhada rumo à plenitude do Reino definitivo. Como bem disse José Comblin, em sua obra O Espírito Santo no mundo: “O Espírito anima a história”. Isto significa que o plano divino haverá de se cumprir porque o Espírito de Deus está agindo, dia e noite, para que a humanidade chegue ao conhecimento da realização plena daquilo que Deus, desde a eternidade, planejou realizar.

            Este mesmo Espírito “anima o tempo presente”. O nosso tempo é marcado pelos inúmeros males, decorrentes de muitos conflitos de interesses. Há uma sede de poder e de riqueza, que há muito tempo domina o espírito humano. Em nome do poder e da riqueza, os homens são capazes de tudo. Há um caminho de autoaniquilação, que se apresenta como projeto global de destruição. Diante de tanta violência e morte, parece não existir saída.

Estaria o mal afastando, de forma definitiva, a realização do plano de Deus? A fé em Jesus responde negativamente. A profissão de fé dos que acreditam na ação amorosa de Deus no mundo nos abre a janela da grande alegria esperançosa do mundo que há de vir: nos porões da humanidade, lá onde tudo parece treva, as sementes do Reino estão sendo lançadas, e elas já estão dando frutos de vida eterna.

Desde as periferias do mundo, onde se pode escutar o clamor dos injustiçados de todos os tempos e lugares, Deus Pai, Filho e Espírito Santo está trabalhando, despertando e alimentando a esperança do mundo futuro: este mundo transformado naquilo que a Trindade deseja: lugar de fraternidade, justiça e paz para todos. Não pode o mal resistir à força do amor. Não podem os corações resistirem ao fogo abrasador do Espírito que sonda todas as coisas. A nossa profecia não é a profecia da desgraça definitiva, mas da esperança que insiste em prevalecer porque o Espírito a cultiva no mais profundo das entranhas humanas.

Quando sopra o Espírito, os olhos se abrem; os caídos se levantam; os injustiçados gritam; a alegria transborda como água no deserto; a luz da verdade afasta as trevas da mentira; cessam as inimizades e reina a proximidade e o reconhecimento das chagas de Cristo Jesus nos outros; enfim, nada neste mundo escapa da luz resplandecente Daquele que foi enviado a este mundo, em nome de Jesus, para continuar alimentando a chama que fumega. Assim é o Espírito de Deus.

O tempo presente assiste também à rejeição das crenças religiosas e à decepção de muita gente. Aos poucos as pessoas estão descobrindo, mesmo que de forma dolorosa, que o mistério divino sempre foi confiado a mulheres e homens fracos. Desde a experiência missionária de Jesus é assim. Já no grupo dos Doze encontramos Pedro negando Jesus, e Judas Iscariotes entregando o seu Mestre por trinta moedas de prata. Assim são os homens: interesseiros, mesquinhos, frágeis, prepotentes, limitados. Mas a estas pessoas quis Jesus confiar a continuidade da sua missão.

É verdade que esta convicção de nossa fraqueza não pode ser utilizada para justificar nossas incoerências. Pelo contrário, serve-nos para reconhecermos que somos pó da terra e que precisamos confiar Naquele que nos chamou à vida e à missão. Conhecendo a natureza humana, Jesus prometeu que o Pai enviaria o Espírito, o Paráclito, e assim se fez. É este Espírito que conduz a família humana, e de modo especial, a missão de Jesus na história humana. Entregues a este Espírito, os discípulos de Cristo conseguiram, conseguem e sempre conseguirão cumprir o mandato missionário do anúncio da Boa Notícia do Reino de Deus.

A Igreja católica, que celebrará Pentecostes nestes dias, sabe da sua missão no mundo; sabe também das suas limitações. Conhece seus medos e incoerências, sua falsa prudência e sua omissão. Esta mesma Igreja, constituída de mulheres e homens, santos e pecadores, peregrinos nas estradas deste mundo desigual, não pode, jamais, recuar. Interiormente, parece muito evidente o surgimento de um movimento de retorno à grande disciplina que vigorava antes do Concílio Vaticano II. Mas o Espírito aponta para o futuro. Ele gera o futuro. O passado não é o lugar da vida, mas daquilo que se viveu. A missão acontece no presente, com olhos voltados para o futuro. Do passado se aprende a não repetição daquilo que não agradou à Trindade.

Não é possível assistirmos à renovação da Igreja, do espírito humano e de toda a humanidade, caminhando para trás. A marcha da história acontece no sentido oposto: caminhamos para o amanhã com os pés no aqui e agora. É agora que o Reino está acontecendo. É agora que o Espírito está trabalhando. Trata-se de um movimento constante, que resultará na libertação total e definitiva. O testemunho das Sagradas Escrituras nos mostra que esta é a vontade de Deus revelada na pessoa de Jesus, o Filho de Deus. E não existe força capaz de impor outra orientação ou rumo à marcha da história.

Não se trata de mero determinismo, mas de movimento de liberdade. As experiências que vamos conhecendo vão nos apontando para o caminho que conduz à liberdade. Porque este é o desejo mais profundo do nosso coração: desejamos ser livres. Mas não se trata de qualquer liberdade, mas daquela que realmente nos torna dignos de sermos reconhecidos como humanos e filhos de Deus.

Neste processo, o Espírito “torna a história mais humana”. Este caminho de humanização das pessoas, para que se revele o Deus vivo que está em todas elas, conta com a participação do Espírito Santo. Quando nos colocamos neste caminho, tudo se transfigura, se renova e aparece tal como é. O Espírito concede-nos a graça da visão da realidade e do conhecimento concreto daquilo que chamamos vida. Esta passa a ser percebida e sentida, vivida plenamente. É assim que o Espírito trabalha. Mas, mais que isto, Ele também tem seus meios, que a nossa pobre inteligência é incapaz de conhecer. O que sabemos e afirmamos é a antífona daquilo que reza o grande e infinito salmo do amor divino por cada um de nós.

Que o Espírito nos ilumine e nos conceda a graça de conhecermos, concretamente, a verdadeira vida. Assim, somos livres, humanos e felizes.

Tiago de França

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