terça-feira, 30 de julho de 2019

A fé cristã e a política brasileira


Há quem defenda a tese de que não há nenhuma ligação entre a fé cristã e a política. Nestas breves linhas, queremos demonstrar o oposto desta tese. Mas antes, precisamos afirmar que Jesus não foi um político profissional, pois Deus não o enviou para governar este mundo, nos moldes humanos de governabilidade.

A mensagem de Jesus tem uma dimensão essencialmente política. Mas de que tipo de política estamos falando? Os antigos gregos diziam que a política era a arte de governar, arte de exercer o poder. Todas as sociedades são marcadas pela política, porque em todas encontrarmos formas diversas do exercício do poder. Nós, humanos, criamos formas de organização social, e em todas elas temos política.

Jesus viveu e pregou a fraternidade: a arte de viver como irmãos. Ao falar do poder dos que governam, diante da sede de poder dos seus discípulos, que discutiam entre si para saber quem era o maior, Jesus estabeleceu que aquele que quiser ser o maior, que seja o servidor de todos (cf. Mc 10, 32-45). Portanto, segundo a lógica da mensagem de Jesus, aquele que quiser exercer o poder, deve exercê-lo servindo ao próximo.

Desse modo, podemos afirmar que a política, numa ótica evangélica, é poder que se exerce por meio do serviço aos outros. Quem não quer servir, também não deve exercer o poder; porque o poder que não se manifesta no serviço se transforma em um poder opressor. Tanto do ponto de vista da mensagem de Jesus quanto do ponto de vista da teoria do Estado Democrático de Direito, nesta matéria, o sentido é único: Para ser legítimo, o poder tem que se expressar no serviço à promoção da dignidade da pessoa humana.

Partindo deste pressuposto, indaga-se: O que está acontecendo hoje no Brasil? Nas eleições gerais de 2018, os brasileiros elegeram governadores, deputados, senadores e o presidente da República. Inúmeros candidatos usaram e abusaram do nome de Deus para serem eleitos. Muitos se apresentaram como enviados de Deus para salvar a nação, inclusive o presidente eleito e empossado. Milhões de católicos e protestantes votaram em Jair Bolsonaro, afirmando ser este um enviado de Deus, uma espécie de Messias, para salvar o País da "corrupção do PT", como se a corrupção fosse um fenômeno manifestado somente no Partido dos Trabalhadores! Até hoje há quem creia nisso!

Durante a campanha e nos dias da eleição e posse, o nome de Deus foi invocado, com lágrimas caindo dos olhos. Nunca na história das eleições brasileiras se viu algo parecido. Para quem ler a Bíblia e sabe interpretá-la, o excesso de piedade na manifestação externa de uma suposta fé, é algo que gera desconfiança. Em matéria religiosa, a falsidade costuma se manifestar nos excessos de piedade. Geralmente, quem muito invoca o nome de Deus, numa espécie de violação do segundo mandamento da Lei de Deus, são os mais perigosos que gostam de se aproveitar da religião e da ingenuidade de muitos religiosos, para alcançar seus objetivos pessoais e grupais.

Nestes dias, causou revolta em muitas pessoas a falta de respeito por parte do presidente da República em relação à memória do pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, desaparecido durante a ditadura militar. Os mortos não podem se defender. Por isso, a sua memória precisa ser respeitada. Quem afirma ser cristão não pode desrespeitar ninguém, principalmente os mortos. O desrespeito é uma das marcas de uma sociedade dominada pela banalidade do mal. Quando o mal é banalizado, a maldade se transforma em algo natural, coisa comum.

Desrespeitar a memória dos que morreram, seja quem for, é uma espécie de crueldade, e esta é frontalmente oposta ao Evangelho de Jesus Cristo. Não existe cristão cruel. Ou a pessoa segue Jesus, ou se entrega à crueldade. Jesus Cristo foi vítima da crueldade dos homens, e abominou comportamentos crueis, que provocam sofrimento nos outros. A pessoa cruel que pronuncia o nome de Jesus, invocando-o, está faltando, gravemente, com a fé que imagina ter. Quem segue Jesus é chamado a abraçar a bondade, porque Deus é Bom e cheio de ternura.

Por fim, é necessário dizer, categoricamente: são mentirosos e, portanto, falsos, os políticos que se dedicam a praticar o mal, e aparecem em atos religiosos, afirmando-se cristãos. São falsos, mentirosos e hipócritas. Os políticos que trabalham contra o bem comum, aprovando e executando projetos e leis que violam os direitos fundamentais e suas garantias; que abrem as fronteiras do País para que entrem os exploradores que somente desejam sugar as nossas riquezas; que incrementam medidas para fortalecer o poder dos fortes sobre os fracos; que não se preocupam com o rio de sangue que é derramado diuturnamente por causa da violência; que trabalham para aumentar e manter os seus privilégios em detrimento dos direitos básicos dos cidadãos; estes políticos são inimigos do povo e inimigos de Deus. Jamais podem ser chamados de cristãos.

Portanto, é imprescindível que fiquemos atentos com o que vai acontecer em 2020, ano em que serão eleitos vereadores e prefeitos. Não é possível que se repita o que ocorreu com a eleição dos deputados e senadores, governadores e presidente. A maioria destes não possui compromisso com o bem comum. São falsos cristãos. Se utilizam do discurso da defesa dos valores éticos, morais e cristãos para enganar as pessoas, para promover seus próprios interesses, e para esconder a imoralidade de suas condutas. São lobos revestidos de pele de cordeiro. São mercenários, que só pensam em ganhar dinheiro a todo custo.

Fé cristã e política podem andar juntas. Não há contradição entre ambas. A fé cristã é incompatível com a politicagem, e esta é a prática comum nesta sofrida república brasileira. Não sejamos politiqueiros, deixando-nos enganar pelos falsos políticos e falsos cristãos. Essa gente merece o nosso repúdio, não o nosso apoio. Nem tudo está perdido. A esperança permanece viva. De uma coisa estamos certos: Os poderosos cairão de seus tronos, e a sua ruína será completa. Ninguém prospera eternamente, praticando o mal. As pessoas más possuem em si mesmas o germe da sua própria destruição. É tudo uma questão de tempo. Resistir é preciso.

Tiago de França

domingo, 28 de julho de 2019

Deus é Pai

Jesus ensinou a chamar a Deus de Pai. É uma graça insuperável. Deus é nosso Pai. Não é propriedade de uma pessoa, de um grupo, de uma instituição religiosa, ou de uma religião específica. Deus está para além da religião.

Os que professam a fé correm um grande perigo: privatizar Deus, tornando-o objeto de culto. Deus não é objeto nem é privatizável, pois é a plena Liberdade; e criou-nos para a liberdade. Em Jesus, o Filho de Deus, fomos libertos para a liberdade. Esta parece ser uma das marcas do cristão.

Deus é nosso Pai, ou seja, Pai de todos. Ninguém está excluído. As religiões podem até criar preceitos e/ou regras para categorizar as pessoas, separando-as e até excluindo-as. Deus não age assim. Os esquemas religiosos, criados pela inteligência humana, não são utilizados por Deus. O Pai é inclusivo, porque somente ama e acolhe, sem excluir ninguém.

Ninguém é digno de chamar a Deus de Pai. Mas Jesus nos conferiu esta dignidade. É uma possibilidade permanentemente aberta. Possibilidade porque ninguém está obrigado a chamar a Deus de Pai. Ele nos atrai livremente: chama e espera a nossa decisão livre. Quem o acolher, experimenta o seu infinito amor.

Quem chama a Deus de Pai, tem que reconhecer as outras pessoas como irmãs. Deus não é Pai de uma pessoa, mas de todos. Se estamos incluídos neste "todos", então somos filhos do mesmo Pai, em Cristo Jesus. Portanto, dentro e fora da religião, é preciso olhar para o Pai e para os outros, pois quem diz amar o Pai que não vê, e não ama o irmão que vê, falta com a verdade. É o que nos ensina o apóstolo João.

É com o Pai que se aprende a amar. Como o Pai se revelou em Jesus, e este foi plenamente humano, então temos um modelo de humanidade para seguir: o próprio Jesus. O chamado é para amar como ele amou: na gratuidade, na fidelidade e na liberdade. Não há outro caminho para ser feliz. Este é o caminho que conduz à salvação que vem de Deus. Quem não estiver disposto a amar os outros, não pode chamar a Deus de Pai.

Amemo-nos.

Tiago de França

domingo, 21 de julho de 2019

Escolher o essencial


“Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas. Porém, uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada” (Lc 10, 41-42).

            Jesus estava na casa de duas mulheres: Marta e Maria (cf. Lc 10, 38-42). Quem recebeu Jesus foi Marta, mas quem se sentou aos seus pés, para escutar a sua palavra, foi Maria. Enquanto esta escutava a palavra de Jesus, aquela se ocupava com muitos afazeres. Vendo a irmã ocupada com Jesus, Marta reclama a sua ajuda, e pede a Jesus que ela se prontifique a ajudá-la. E a resposta de Jesus é a que introduz esta meditação breve. Os gestos e palavras destas mulheres e de Jesus tem muito a nos dizer hoje.

            Segundo Jesus, Marta estava preocupada e agitada com muitas coisas. Esta parece ser a situação da maioria das pessoas hoje. Preocupação e agitação fazem parte do mundo atual, muito mais que em outras épocas. Isso tem matado muita gente. O mundo está cheio de gente atormentada, que há muito tempo perdeu a paz interior. São pessoas atribuladas pelas preocupações e agitações, vítimas de um sistema econômico que explora e mata.

            Ninguém se preocupa e se agita à toa. Na medida em que a vida vai se tornando difícil, por causa das mínimas condições de vida que deveriam ser acessíveis a todas as pessoas, então termina-se por assistir à confusão da vida pós-moderna. Diante das inseguranças e constantes ameaças, as pessoas ficam preocupadas com o amanhã, agitando-se facilmente. É uma realidade compreensível. Viver em paz nos dias de hoje é um ideal cada vez mais distante.

            Jesus ensina que não há necessidade de vivermos preocupados e agitados com tantas coisas. A serenidade é uma virtude cristã, uma virtude desafiadora. Somente se livra do excesso das preocupações e agitações aqueles que realmente se entregam nas mãos de Deus e nele esperam. É necessário confiar em Deus, pois Deus é a segurança daqueles que seguem Jesus. É verdade que somos, diuturnamente, atingidos por más notícias e tribulações, mas a confiança em Deus gera certa serenidade, gera a paz de espírito.

            Confiar em Deus não significa esperar que Ele resolva todas as coisas, na hora em que bem quisermos. Deus não substitui o agir humano, mas é o Pai providente, que caminha junto, abrindo o caminho que conduz à vida plena. No mundo encontramos muitas pessoas que dedicam todo o seu tempo ao trabalho. Trabalhar é necessário, mas a vida não é feita somente de trabalho. De que adianta tanto trabalho para acumular riqueza, se a vida biológica pode encontrar o seu fim a qualquer momento? É necessário tempo para outras coisas, principalmente para a escuta da palavra de Jesus.

            No seio das comunidades cristãs também encontramos o chamado ativismo religioso. As pessoas se cansam de tantos eventos religiosos, e depois descobrem que evangelizaram pouco. A experiência de Jesus mostra que não são os eventos religiosos que evangelizam. As primeiras comunidades cristãs não viviam de eventos religiosos. Hoje, nossas Igrejas cristãs apreciam os grandes eventos, com grandes multidões. Mas o seguimento de Jesus não é para multidões. O seguimento de Jesus ocorre no cotidiano da vida das pessoas. Os eventos não estão em função do seguimento, mas em função da religião.

Há uma grande diferença entre ser cristão e ser religioso. É possível que uma pessoa possa ser cristã e religiosa, mas o que temos é muita religião e pouco seguimento de Jesus. Muito culto e construções de templos para pouca prática do amor-doação; muita religiosidade e muita injustiça. O seguimento de Jesus passa, necessariamente, pelo essencial, que Maria escolheu bem: escutar a palavra de Jesus.

O que significa escutar a palavra de Jesus hoje? Para responder acertadamente, precisamos identificar o lugar de fala de Jesus em nossos dias: Onde Jesus está falando? A experiência missionária de Jesus fala da predileção de Deus pelos pobres e marginalizados. Eis o lugar a partir do qual fala Jesus às nossas consciências e às nossas Igrejas: Jesus nos fala pela boca dos pobres e marginalizados. Estas pessoas o conhecem, mesmo desconhecendo as narrativas bíblicas sobre o Nazareno. Deus se revela no meio e a partir dos pobres e marginalizados. É o que toda a história da salvação nos revela.

Para ser cristão é necessário escolher o essencial: escutar a palavra de Jesus. Para isso, é também necessário se aproximar dos portadores da palavra de Jesus: os pobres e marginalizados. Eles carregam a palavra de Jesus na boca e no coração. Aliás, carregam a palavra de Jesus em sua carne sofredora. Os pobres e marginalizados são a carne sofrida de Jesus Cristo. São sacramentos da manifestação de Deus no mundo. Isto é profundamente místico e belo, profético e revelador. Precisamos nos curvar diante deste mistério, e nos deixar envolver por ele.

Por isso, quem escuta a palavra de Jesus no culto e depois trata o próximo com indiferença, não escutou a palavra. Escutar não é somente parar e dar ouvidos. Escutar é acolher o que a palavra de Jesus diz: Amai-vos uns aos outros como eu vos amei. Esta é a palavra de Jesus. Somente quem ama verdadeiramente, é que escutou, de fato, a palavra de Jesus.

O mandamento do amor é a palavra que salva e que dura para a vida eterna. Trata-se de uma palavra exigente, firme, clara, simples, penetrante e redentora, dirigida a todos. Não há salvação fora desta palavra. Portanto, quem quiser ser salvo, escute e acolha a palavra de Jesus: Ame o próximo como Jesus amou. Isto significa escolher o essencial.

Tiago de França

sábado, 20 de julho de 2019

Pe. Cícero Romão Batista e a Igreja dos pobres


         Há 85 anos, em Juazeiro do Norte, morreu o Pe. Cícero Romão Batista, uma das figuras mais importantes da história da Igreja católica no Brasil. Sua memória permanece viva, na mente e no coração de grande parte dos católicos nordestinos. Não podemos deixar que esta memória caia no esquecimento, pois o testemunho do Pe. Cícero tem muito a ensinar à caminhada da Igreja católica e do cristianismo no Brasil. Nesta breve reflexão, queremos destacar três características da personalidade desde grande sacerdote, que pode nos ajudar a sermos fieis a Jesus em nossos dias.

            O Pe. Cícero era um homem marcado pela caridade evangélica. Os pobres que o procuravam em sua casa não saíam da sua presença sem alguma solução para seus problemas. Ele atendia a todos, e por todos era venerado. Até seus opositores o admiravam, pela sua grandeza de alma. Aos pobres dava comida, terra, casa, conselhos e orientações, remédios, ajuda financeira e alívio para toda sorte de sofrimento.

Era um homem sensível ao clamor dos pobres e desvalidos. Em suas necessidades materiais e espirituais, os pobres já sabiam a quem recorrer. Pe. Cícero foi um pastor que cuidou, fielmente, do rebanho que lhe foi confiado. Foi fiel ao ministério da caridade até o fim de seus dias.

            O Pe. Cícero era um sacerdote obediente à Igreja católica. Por causa da manifestação do chamado “milagre de Juazeiro”, que consistiu na transformação da hóstia em sangue, inúmeras vezes, na boca da beata Maria de Araújo. Este milagre lhe causou muito sofrimento. O bispo diocesano da época mandou instaurar duas comissões de especialistas para investigar o ocorrido.

A primeira comissão atestou a veracidade do milagre, afastando a acusação de embuste que pesava sobre o sacerdote e sua beata (leiga consagrada a serviço da Igreja e dos pobres). A segunda comissão reprovou o milagre, mantendo a suspeita de embuste. O caso foi à Roma, e o Pe. Cícero também para lá se dirigiu, para se explicar pessoalmente. Após os devidos esclarecimentos, recebeu a autorização para retomar o exercício do ministério ordenado, pois tinha sido suspenso pelo seu bispo.

O fato é que algum tempo depois, o bispo o suspendeu novamente, porque estava convicto de que não se tratava de um milagre. A fama do Pe. Cícero se espalhou, e o Juazeiro do Norte se transformou em um lugar de romarias. Mesmo suspenso, o povo o procurava para pedir-lhe a benção e ajudas de toda sorte.

O Pe. Cícero não optou por se rebelar contra a Igreja católica, mas foi um servo obediente. Durante todo o processo que culminou na suspensão definitiva e quase excomunhão, ele foi fiel a todas as determinações da Igreja; e morreu dizendo que “um dia a própria Igreja fará a minha defesa”. É o que está acontecendo nos últimos anos: em Roma, trabalha-se para a sua canonização na Igreja.

O Pe. Cícero era um homem orante e virtuoso. Desde criança, o Pe. Cícero cultivava um profundo espírito de oração. Nasceu e cresceu no seio de uma família tradicionalmente católica, que lhe ensinou as virtudes cristãs e o iniciou na oração. No seminário, foi educado pelos padres lazaristas franceses, onde aprendeu a ser disciplinado, e teve acesso às ciências sagradas, necessárias ao exercício do ministério ordenado. Era de personalidade forte, dedicado aos estudos e à oração.

No ministério, ensinou ao povo a devoção à Maria, Mãe de Deus e Senhora das Dores. Até hoje, os romeiros que vão ao Juazeiro do Norte sabem da força que o rosário da Mãe de Deus tem, graças aos ensinamentos do Pe. Cícero, que ensinou não somente a rezar o rosário, como também a usá-lo no pescoço. É muito comum encontrar os romeiros da Mãe de Deus usando o rosário no pescoço. Nossa Senhora das Dores e o Pe. Cícero são os personagens mais venerados no Juazeiro do Norte e por milhões de devotos em todo o nordeste.

A oração sustentava a atividade missionária do Pe. Cícero, bem como o fortalecia em seus sofrimentos. Era um homem profundamente marcado pelo sofrimento: incompreensões, calúnias, difamações e acusações de toda ordem. A devoção ao Sagrado Coração de Jesus e à Mãe das Dores o manteve firme, servindo ao povo de Deus até o último suspiro, em 20 de julho de 1934.

Humildade, simplicidade, caridade evangélica, coragem, gratidão e disponibilidade eram algumas de suas virtudes. Homem de fé inabalável, sempre enxergava os acontecimentos a partir dos desígnios de Deus. O nome de Deus estava sempre na sua boca, ao se dirigir a todos, em qualquer ocasião.

No início do seu ministério pontifício, o Papa Francisco disse que desejava uma Igreja pobre para os pobres. O testemunho do Pe. Cícero tem muito a ensinar neste sentido. Trata-se de um testemunho que ensina a servir aos pobres, por meio da escuta e do socorro aos desvalidos. Assim como na época do Pe. Cícero, também hoje a fome se multiplica em todo o mundo. Continuamos diante da exploração dos mais pobres. Nossos governantes, principalmente o governo federal brasileiro, que desde o dia 1º de janeiro não para de ceifar o que com muito sacrifício se conseguiu em matéria de direitos humanos e garantias fundamentais.

As reformas trabalhista, previdenciária e tributária não visam ajudar os pobres; não os levam em consideração. Não são reformas, mas cortes de direitos. Crescem cada vez mais a miséria e a fome. Falta emprego e perspectiva de futuro. Cortes nos gastos com educação sinalizam um país sem futuro, pois nenhuma nação progride sem educação, pesquisa e inovação tecnológica; sem distribuição da riqueza e da renda.

A Igreja dos pobres é a Igreja que se preocupa com esta situação, denunciando-a. O Evangelho de Jesus é a Boa Notícia do Reino de Deus, anúncio da verdade, da justiça, da liberdade e da vida para todos. Onde há mentira, deve-se anunciar a verdade; onde há injustiça, deve-se clamar por justiça; onde a escravidão se apresenta, deve-se clamar pela liberdade; e onde a vida está sendo ceifada, deve-se elevar um grito pela vida digna de todas as pessoas. Sem o clamor por justiça, liberdade e vida, o cristianismo facilmente se transforma em um instrumento de alienação e dominação das pessoas e da sociedade.

O Pe. Cícero, com seus gestos e palavras, nos ensina que Deus quer a vida do seu povo; que todos os inimigos do povo de Deus são inimigos de Deus; que a missão de cada cristão batizado é anunciar o Reino de justiça e liberdade para todos. Sem este anúncio não há fé cristã, não há verdadeira Igreja de Jesus Cristo, não há salvação para a humanidade. Que o testemunho do Pe. Cícero desperte a fidelidade em todos aqueles que se colocaram no caminho de Jesus, hoje e sempre.

Tiago de França

sábado, 6 de julho de 2019

O Cristo rejeitado: Jo 7,1-24. Homilia breve.

Irmãos e irmãs,

            O trecho do Evangelho que acabamos de ouvir se localiza após o discurso de Jesus sobre o pão da vida. Trata-se da presença de Jesus na Festa das Tendas, em Jerusalém. Esta festa era uma das três grandes peregrinações do ano judaico, e contava com a presença numerosa multidão de judeus, que, fervorosamente, agradeciam a Deus pelo bom êxito das colheitas e suplicavam boas colheitas para o ano vindouro.

            O texto traz muitos elementos que certamente merecem a nossa atenção e meditação, mas no contexto desta homilia, quero ressaltar alguns aspectos da subida de Jesus a Jerusalém para participar desta importante festa.

            O texto se inicia dizendo que os judeus queriam matar Jesus. Esta não foi a primeira vez que isto aconteceu. No Evangelho de João encontramos um constante conflito entre Jesus e as autoridades judaicas do seu tempo. Qual será a motivação deste conflito? O texto nos responde. Os chefes dos judeus viam em Jesus uma ameaça que precisava ser eliminada.

            Em seguida, o texto fala dos irmãos de Jesus. Estes irmãos são os membros de sua família. Aqui não queremos entrar na discussão sobre se eram irmãos de sangue de Jesus ou não. Mas desejamos explicitar a recomendação deles: “Parte daqui e vai para a Judeia, para que teus discípulos também vejam as obras que fazes, pois ninguém age às ocultas, quando quer ser publicamente conhecido. Já que fazeis tais coisas, manifesta-te ao mundo!”

            Estas palavras dos parentes de Jesus mostram que queriam publicidade. Eles esperavam uma manifestação pública de forma espetacular. Esse desejo decorre daquilo que se tinha em mente naquela época: a promessa da vinda do Messias. Este era esperado de forma espetacular. Eles queriam que Jesus liderasse um movimento de libertação política, pois o clima era de revolta na Galileia e em Jerusalém, coração do mundo judeu. Mas Jesus não foi enviado com esta missão.

            Tendo alertado aos seus sobre o tempo oportuno para a sua manifestação pública em Jerusalém, Jesus fala do ódio do mundo em relação à sua pessoa. Por que o mundo o odiava? Porque ele dava testemunho de que as obras do mundo eram más. Já no início do Evangelho encontramos este mesmo sentido para a palavra mundo: o mundo que não reconheceu o Verbo de Deus (1,10). Jesus expõe as trevas do mundo. Aqui temos a razão da hostilidade do mundo em relação a Jesus. Quem não acredita em Jesus não experimenta a hostilidade do mundo.

            Tendo chegado o tempo oportuno, Jesus, às ocultas, sobe para a festa. Seus irmãos também subiram. Na festa, os judeus do Sinédrio procuravam prendê-lo, e as multidões tinham medo deles, porque não aceitavam que se falasse publicamente de Jesus. Falar de Jesus publicamente era algo bastante perigoso. Por isso, ao pé do ouvido, a gente do povo falava sobre Jesus: uns achavam que ele era um homem bom; outros diziam que ele era um enganador do povo.

            No meio da festa, Jesus subiu ao Templo e, ensinando, causou admiração em todos. Ele tinha o conhecimento das Escrituras e sabia convencer o povo. Hoje podemos dizer que Jesus tinha, entre outros dons, o da palavra. Os judeus o questionavam pelo conteúdo da sua palavra, que os incomodava.

            Respondendo ao questionamento dos presentes, Jesus fala da sua doutrina. Aliás, a doutrina não era sua, mas do seu Pai. Quem cumpre a vontade do Pai reconhece que a doutrina pertence a Deus Pai. Citando Moisés, que deu a Lei aos judeus, Jesus acusa aqueles que não praticam a Lei. Ele questiona o motivo da pretensão dos judeus em querer matá-lo.

            E o texto escolhido para esta meditação chega ao seu fim com o esclarecimento de Jesus a respeito da obra de Deus realizada em sua pessoa. Referindo-se à cura do enfermo da piscina de Betesda (cf. Jo 5, 1-18), Jesus denuncia o legalismo judaico que proibia salvar uma vida em dia de sábado. Ele exige que o julgamento dos fatos não seja feito levando-se em conta as aparências, mas conforme a justiça. Este, meus irmãos e irmãs, é o texto que acabamos de ouvir.

            Gostaria de frisar três pontos fundamentais para a nossa reflexão pessoal e comunitária. A palavra de Deus fala à nossa vida. A nossa conversão parte da escuta amorosa desta palavra.

            O primeiro ponto se refere à maneira como enxergamos Jesus. Hoje, cremos e professamos que Jesus é o Messias, o Filho de Deus. O que isto significa para nós? Que tipo de Messias temos em nossa mente? Será que somos como os judeus, que esperavam um Messias glorioso, com poder político para resolver conflitos? O que pensamos a respeito de Jesus, meus irmãos e irmãs, diz muito da nossa fé. Por trás de muitas manifestações externas de fé, encontramos muitas imagens falsas de Jesus.

            Em João, o Messias é o enviado do Pai, que veio ao mundo para nos ensinar a caminho do amor, caminho que conduz à vida plena. O amor se manifesta a partir da nossa fraqueza. Por isso, irmãos e irmãs, não tenhamos medo de aceitar a doutrina do Pai, anunciada e vivida por Jesus, que consiste no amor sem limites, que nos faz irmãos uns dos outros.

            O segundo ponto que aparece no texto evangélico é o da rejeição à pessoa de Jesus. Muitos não acreditaram nele, inclusive os de sua família. A vida plena, meus irmãos e irmãs, depende do acreditar. Quem não crê não tem a vida. Já está morto. Rejeita Jesus todo aquele que não acredita nele. E nós, cremos em Jesus, com palavras e ações, ou optamos por rejeitá-lo em nossos irmãos e irmãs? Tomemos cuidado, irmãos e irmãs, com o pecado da indiferença. Tratar os outros com indiferença é uma forma de rejeição a Jesus.

            Por fim, um terceiro ponto: a nossa forma de julgar os fatos e as pessoas. Não fomos constituídos juízes da vida alheia. Mas estamos a todo momento julgando, e o fazemos, muitas vezes, baseando-nos na aparência. Irmãos e irmãs, o nosso juízo, diz Jesus, deve ser conforme a justiça. Até que ponto somos justos com as pessoas, no trato que temos com elas, e em nossas falas a seu respeito?

            Peçamos ao bom Deus, que em nossas relações com as pessoas, sejamos amorosos para enxergamos Jesus nos outros. O Messias não está nas alturas dos céus, mas em nosso meio, diuturnamente. Que o Espírito nos conceda o dom da acolhida dos outros, que são diferentes e nos interpelam. A rejeição não pertence à fé cristã.

           A fé cristã abre-nos para os outros, para servi-los no amor, desinteressadamente. E se tivermos de emitir um juízo sobre alguém, que possamos considerar os outros como irmãos no amor. A nossa atitude deve ser a de Jesus, que em tudo procurou fazer a vontade do Pai e, por isso, foi glorificado. Ele nos chama para participarmos desta mesma glória, porque somos seus amigos, e nele, somos filhos de Deus. 

Tiago de França