sexta-feira, 22 de novembro de 2019

O valor da proximidade na construção da nova humanidade

       Umas das características da vida pós-moderna é a distância entre as pessoas. Inúmeros são os motivos que explicam este fenômeno que tem agravado a situação esquizofrênica de muitas relações interpessoais. Dentre os motivos se destacam a falta de interesse pelos outros, pelo bem-estar dos outros; a busca desenfreada do prazer a todo custo; a falta de sensibilidade; o esquecimento dos outros e a busca obsessiva da realização dos próprios interesses.

            Estes e outros motivos explicam a falta de proximidade. A pressa de buscar o que se deseja, e o medo da não realização, provoca o esquecimento dos outros. Estes não são esquecidos quando servem de ponte para que os objetivos pessoais de muita gente sejam alcançados. Os outros são transformados em objetos de satisfação dos desejos. Ocorre o que se passou a chamar de coisificação do ser humano. Os egoístas costumam coisificar os outros, pois, como somente pensam em si, os outros aparecem como oportunidades de satisfação de interesses.

            Este parece ser o tipo predominante de relação que temos em nossa sociedade doente e perversa. A proximidade aparece como remédio contra este mal. Mas o que significa aproximar-se dos outros? Por que é necessária esta proximidade? Analisaremos a questão à luz dos ensinamentos de Jesus de Nazaré. Independentemente de religião, o testemunho de Jesus de Nazaré tem muito a dizer às mulheres e homens de hoje, pois ele não estava preocupado com a religião, mas com as pessoas. Falar de proximidade significa falar de relação entre as pessoas, tendo em vista a promoção da dignidade humana.

            Toda pessoa precisa de se relacionar. Ninguém nasceu para o isolamento, pois neste não há felicidade possível. Para ser feliz, as pessoas precisam se abrir às outras, experimentando o dom da relação interpessoal. Não há ser humano fora da relação com os outros, pois é nesta que toda pessoa cresce e se desenvolve, realiza-se e conhece a felicidade. Fugir dos outros é atitude sintomática, um claro sinal de que há algo de errado, considerando que o humano é, por natureza, um ser de relação, de abertura ao infinito presente nos outros.

            Com Jesus de Nazaré, os cristãos aprendem que fora da relação com os outros não é possível ser salvo. A salvação oferecida por Deus em Cristo e no Espírito é um dom gratuito a ser alcançado na fraternidade. Ninguém salva a si mesmo nem é salvo sozinho. A salvação é uma graça comunitária. O cristão é salvo com os outros, vivendo em comunidade. O cristianismo é o caminho do grupo, da comunidade, onde se gera a fraternidade entre as pessoas. Ninguém é fraterno sozinho. Ser fraterno implica a presença e a relação com os outros.

            Para o exercício da arte da proximidade são necessárias algumas condições, dentre as quais podemos destacar, à luz do Evangelho de Jesus, as seguintes:

1. Querer. Tudo começa com o querer. Se alguém não deseja tornar-se próximo, então permanecerá distante. A proximidade exige um querer livre, portanto, espontâneo, que nasce da vontade livre de cada pessoa. Esta precisa querer se aproximar, e permitir a aproximação dos outros;

2. Convicção. Quem não se convence da necessidade da proximidade, dificilmente se disponibilizará a tornar-se próximo dos outros. Convencer-se significa ter a clareza do valor e do alcance da proximidade, da sua imprescindibilidade para a própria vida e para a vida dos outros;

3. Abertura. Sem esta não é possível se aproximar de quem quer que seja. Sem a pré-disposição de abrir-se aos outros, para um encontro efetivo e afetivo, não é possível a relação entre as pessoas. Não existe verdadeiro encontro sem abertura. Fechado em si mesmo, todo ser humano perde a feliz oportunidade de crescer com os outros, pois estes sempre têm algo a dizer e ensinar. A abertura aos outros é oportunidade certa de autoconhecimento e crescimento humano.

4. Respeito. Os outros são diferentes. Isto não constitui defeito, mas característica fundamental da raça humana. Todos são diferentes, e na diversidade dos modos de ser está a riqueza do gênero humano. Se todas as pessoas fossem iguais, o mundo certamente seria insuportável. Aliás, a vida não seria possível. Portanto, para que exista proximidade é necessário respeito por aquilo que o outro é na sua singularidade. Querer mudar os outros é atitude desrespeitosa. Cada pessoa, na relação com as demais, é chamada a autoconhecer-se e, a partir daí, avaliar o que precisa mudar em si mesmo. A mudança parte de cada pessoa, e não da imposição dos caprichos dos outros.

5. Acolhida. Abrir-se aos outros também significa acolher bem, com amor e generosidade. Os outros precisam se sentir acolhidos, do contrário, não permanecem. Numa sociedade marcada pela repulsa e pela rejeição, a acolhida é gesto profético e humanitário. A proximidade exige acolhida, porque não tem sentido querer ser próximo sem o desejo de acolher aquele a quem se dirige. No movimento que provoca o encontro com os outros, a acolhida ocupa lugar central. Acolher o outro do jeito que este se apresenta é uma virtude.

6. Compreensão. Esta é resultado da cultura do encontro. Como compreender os outros sem fazer a experiência do encontro? “Ouvi dizer”, “acho que seja assim”, “desconfio que seja”, “aparenta ser, não sei se é” etc., são expressões que revelam a distância entre as pessoas; distância que provoca pré-julgamentos que, muitas vezes, são equivocados. Aí não há compreensão. Esta se manifesta no encontro com os outros. É a proximidade que gera a compreensão. Sem o desejo de compreender os outros não é possível relacionar-se. Para uma proximidade exitosa a compreensão é uma exigência fundamental.

7. Escuta. Não é pequeno o número dos que precisam ser escutados. Há pessoas desejosas da escuta, porque foram esquecidas em seu clamor. Há muito clamor para poucos ouvidos. Quem escutará o lamento dos que choram? A proximidade também exige escuta. Esta é um dom precioso. Quem escuta, aprende. Escutar é dar aos outros o poder da fala. Se um escuta, o outro fala. Se não há quem escute, para quem se vai falar? A proximidade exige mais a escuta do que a fala. O aprendizado vem da escuta atenta e amorosa. A multiplicação das palavras torna a proximidade pesada e, muitas vezes, insuportável. É necessário saber dosar, e se dispor a escutar mais.

8. Atenção. Muitas vezes, as pessoas se aproximam umas das outras e, de repente, esquecem-se que estão juntas: cada um se ocupa consigo mesmo. O telefone móvel (celular) é uma das ferramentas que ajudam nesta ocupação consigo mesmo na presença dos outros. A proximidade exige a decisão de estar com os outros, inteiramente. Não há proximidade na mera justaposição de pessoas, ou seja, no mero encontro de corpos. É imprescindível a atenção à pessoa do outro, ao que está sendo dito com o corpo, a voz, os gestos e o olhar. Os outros pedem a nossa atenção. Na proximidade é necessário estar por inteiro na presença do outro. Este merece a nossa presença plena e amorosa.

9. Paciência. Quando não é possível ter êxito na proximidade com algumas pessoas, a paciência é de grande valia. O outro tem o seu tempo e seu ritmo. A presença diante do outro não deve ser impositiva, pois as relações saudáveis são naturais e espontâneas, leves e tranquilas. A perseverança é filha da paciência. Toda pessoa impaciente não consegue se relacionar bem, pois não sabe esperar, não conhece a tranquilidade necessária para estar diante dos outros.

10. Verdade. Este é um dos valores fundamentais que precisam estar presentes na relação entre as pessoas. Aproximar-se com o intuito de enganar é pura desonestidade. As pessoas merecem a verdade, pois é esta que liberta. Relações pautadas na mentira não prevalecem, não perduram, são fadadas ao fracasso. Por isso, a proximidade exige a fala verdadeira, a conduta transparente. Não se deve aproximar-se do outro para mentir sobre outras pessoas. Este tipo de encontro não edifica, mas causa destruição da reputação alheia. A mensagem de Jesus ensina que é preciso ser verdadeiro com as pessoas, para que estas, conhecendo a verdade, experimentem a liberdade. Ninguém é livre cultivando a mentira.

          Estas breves provocações certamente nos deram uma indicação sobre a importância da proximidade para que exista, de fato, a cultura do encontro. Somente esta é capaz de erradicar a “globalização da indiferença” (expressão do Papa Francisco). Encontrando-se, as pessoas se entendem e se realizam; encontrando-se, encontram a solução para os problemas da vida. A solução para muitos desencontros está na proximidade. Esta nos faz vencer o medo e a solidão, realidades presentes na vida de tanta gente. Ser fraterno é possível e necessário. A proximidade é meio para este feliz convite de humanização, urgentemente oportuno para as mulheres e homens de hoje.

Tiago de França

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