A cultura
do ódio no mundo virtual, principalmente nas redes sociais, é uma realidade que
tem preocupado muitas pessoas e instituições. Neste breve artigo, tratarei da
questão à luz da fé cristã, na esfera religiosa. Posteriormente, poderei
discorrer sobre o assunto à luz do direito penal. Inicialmente, quero tratar da
existência de pessoas e grupos que utilizam as redes sociais (Facebook,
Instagram, YouTube e WhatsApp, entre outras) para disseminar o ódio entre as
pessoas. Muitas destas afirmam professar a fé em Jesus Cristo. Esta é uma
conduta louvável à luz do Evangelho? Verifiquemos.
O que seria esta cultura do ódio? Trata-se
de um movimento violento, que induz as pessoas a se odiarem, ou odiarem
determinada pessoa ou grupo. Este movimento é composto por indivíduos que gastam
seu tempo e suas energias com a disseminação de informações falsas (fake news) e interpretações equivocadas
e preconceituosas sobre a Sagrada Escritura e a doutrina cristã católica. Estamos
tratando de perfis católicos nas redes sociais. Em inglês, estas pessoas são denominadas
haters (odiadores).
Algumas se utilizam de perfis falsos
para extravasar o seu ódio, outras revelam a sua identidade. Ambas não aceitam
discutir fora do mundo virtual, e o motivo é simples: geralmente, são medrosas
e desprovidas de conhecimento fundamentado sobre o que falam. Muitas não conseguem
se controlar e cometem crimes contra a honra alheia: difamação e calúnia. Quando
denunciadas, respondem a processos judiciais. A linguagem que usam é direta,
veemente e agressiva; possuem uma visão míope sobre a realidade, são reducionistas.
Politicamente, são de direita ou de
extrema-direita. Entre os mais famosos difamadores e caluniadores “cristãos”
não se encontram pessoas de esquerda. Os alvos principais costumam ser o Romano
Pontífice, o Papa Francisco, e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. O pessoal
da esquerda se identifica com o Papa Francisco, por ser um Papa mais aberto e
reconhecedor da importância das questões sociais. Não é de se negar que há,
quase que inevitavelmente, um conflito entre os chamados progressistas,
politicamente de esquerda, e os ultraconservadores, politicamente de extrema-direita.
Estamos nos referindo ao âmbito político das opções. Geralmente, é assim que
tais pessoais e grupos se apresentam.
Nas eleições gerais de 2018, milhões
de católicos e cristãos de outras Igrejas se identificaram com as pautas e os
perfis de políticos ultraconservadores, representados pelo presidente eleito,
Jair Bolsonaro. Assim, ficou evidente que a maioria dos cristãos conservadores
e ultraconservadores se identifica com projetos políticos que possuem a mesma
linha ideológica. Inclusive, os políticos ultraconservadores se utilizam de
ideias e doutrinas religiosas mais conservadoras para justificar suas opções
políticas. Agora estamos assistindo ao resultado desta onda ultraconservadora
que tomou conta do catolicismo, do protestantismo e do Estado brasileiro.
Teologicamente falando, nenhuma
forma de violência pode ser justificada. Quem conhece a Bíblia sabe que o Deus
e Pai de Jesus Cristo é pacífico, justo e misericordioso. Jesus Cristo nos
revelou a verdadeira face de Deus: um Deus apaixonado pelo ser humano e por
toda a criação; que foi capaz de enviar o seu único Filho para salvar toda a
humanidade; que se revelou como Pai, Filho e Espírito Santo, Trindade amorosa,
desprovida de qualquer desejo de vingança. O Deus dos cristãos não é dado à
violência, nem é um vingador, mas é o Deus da justiça e da paz.
No Evangelho, encontramos Jesus
felicitando os mansos: “Bem-aventurados
os mansos, porque herdarão a terra” (Mateus 5,5). Não são os violentos que
são felizes, mas os mansos. Noutro momento, diz Jesus: “Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração” (Mateus
11,29). Portanto, a cultura do ódio, expressa na disseminação da mentira, entre
outras atitudes maléficas, não possui justificação no Evangelho. Quem instiga o
ódio se coloca na contramão do Evangelho, sendo totalmente contrário à mensagem
pacífica de Jesus Cristo.
Nas redes sociais, o cristão é
convidado a expressar sempre a verdade e combater a mentira, pois é a verdade
que liberta o ser humano (cf. João 8,32). A mentira sistemática, que visa
destruir a boa reputação de pessoas, grupos e instituições, é obra de Satanás,
que é o pai da mentira (cf. João 8,44). Por isso, insistir na mentira para
prejudicar aos outros é ação antievangélica, porque contraria a fé cristã. A mentira
gera engano e confusão, e destrói a vida comunitária e a paz social.
No seio da Igreja católica há dois
grupos contrários ao Papa Francisco e a todos aqueles que estão em comunhão com
ele: Os ultraconservadores, que o acusam de ser herege e pedem a sua renúncia. Estes
também afirmam que a Sé Romana está vacante desde a renúncia do Papa Bento XVI.
Não aceitam Francisco como Papa, mesmo sabendo que Francisco foi,
legitimamente, eleito. O segundo grupo é menos radical: Os conservadores, que
não chegam a acusar o Papa de ser herege, mas não comungam com o seu pensamento
e gestos. Nestes grupos é possível encontrar leigos, seminaristas, diáconos,
padres, bispos e até cardeais.
Os ultraconservadores acreditam que
o Papa Francisco é uma ameaça à ortodoxia da fé cristã. Propagam a ideia de que
o Papa ameaça a Tradição da Igreja. Na verdade, não acontece nem uma coisa, nem
outra. Na prática, o Papa retoma a centralidade de Jesus e sua Palavra na vida
e missão da Igreja. Neste sentido, o Papa está em plena sintonia com o concílio
Vaticano II, que fez a Igreja retornar às fontes primitivas. Os opositores do
Papa são pessoas com mentalidade de cristandade, ou seja, ainda acreditam que o
mundo gira em torno da Igreja católica. Apesar da sobrevivência de alguns
resquícios da cristandade, esta tende a desaparecer de forma definitiva.
O mundo gira em torno do poder, do
prestígio e do dinheiro. Não pertence mais à religião cristã ou a qualquer
outra a palavra final sobre as diversas questões que afetam a humanidade. Na pós-modernidade,
marcada pela globalização e pelo relativismo ético e moral, as pessoas não mais
escutam o que dizem as religiões. Vivemos numa época marcada pelo desprezo e
pela marginalização das tradições religiosas.
As pessoas que conservam a fé em Deus tendem a alimentar a
sua fé fora dos muros dos templos religiosos. Não adianta negar esta realidade.
Por isso, o Papa Francisco, atento a este cenário, defende e promove uma “Igreja
em saída”. Na cristandade, a Igreja não saía em direção ao mundo, mas fugia
deste porque o considerava obra das trevas. Os que tem mentalidade de
cristandade pensam assim: É preciso subir até Deus, pois o mundo está dominado
pelo diabo e seus agentes. O que nos diz o Evangelho? Jesus fala que seus
discípulos devem fazer o caminho inverso: Ide e evangelizai! “O que vocês estão
fazendo aí, olhando para o alto?”, questiona a mensagem de Jesus.
A busca por seguranças, dinheiro, prestígio e poder leva
muita gente a rejeitar um modelo de “Igreja em saída”. Sair é movimento
inseguro, é abraçar o caminho de Jesus: estreito, pedregoso, marcado pela cruz.
Mas não é uma cruz romantizada, sem sofrimento nem martírio. É a cruz que
implica perseguição, incompreensão, difamação, calúnia, desprezo e sangue. Esta
é a espiritualidade da cruz de Cristo: Mais cristianismo, menos devocionismo e
apego a costumes, práticas e estruturas ultrapassadas. Os opositores do Papa e
da “Igreja em saída” não conhecem esta espiritualidade. Na verdade, gostam do
espetáculo, do estrelismo, do ego inflamado, do barulho e da confusão. São pessoas
que precisam se ocupar com o exercício libertador da caridade fraterna.
Jesus nos diz que a boca fala daquilo que o coração está
cheio (cf. Mateus 12,34). Este é um dos critérios de discernimento para saber as
reais intenções destas pessoas. Se somente falam mal do próximo, emitindo
opiniões sem fundamento na verdade, então são dignas do nosso descrédito. Quando
se ocupam somente com o juízo e a condenação dos outros, não precisamos
ouvi-las, pois estão na contramão do que disse Jesus (cf. Marcos 4,24; Mateus
7,1).
A caridade é o critério mais importante. Perdemos a razão
quando faltamos com a caridade com o próximo. Fechar-se ao diálogo e à
concórdia é faltar com a caridade. As outras pessoas merecem a nossa atenção,
escuta e respeito. Inventar mentiras sobre os outros é uma grave falta de
caridade. Todos precisamos aprender a dialogar. O diálogo continua sendo o
caminho para o entendimento mútuo e para a paz social. Ninguém convence os
outros usando da mentira. Aderir à verdade é assumir um compromisso com a
comunhão fraterna. Os falsos profetas são mentirosos, porque não promovem a
comunhão, mas são servidores da divisão, inimigos da unidade cristã.
O ódio não é mais forte que o amor, nem é superior ao
testemunho daqueles que se encontram na verdade. Somente aqueles que estão na verdade
escutam a voz de Jesus (cf. João 18,37). Os servidores da mentira são filhos do
diabo (cf. João 8,44), agentes da discórdia, “profetas da desgraça” (expressão
usada por São João XXIII, Papa que convocou o Vaticano II). Todos os que se
dedicam ao ódio serão cobertos de vergonha e confusão, porque o mal não prospera,
mas destrói as pessoas (cf. Salmo 70,2-3).
Por fim, cabe-nos dizer, sem equívoco algum: Todo
aquele que gasta seu tempo nas redes sociais para criar e compartilhar
mentiras, promovendo, assim, a disseminação da cultura do ódio, não está em
comunhão com Jesus, nem com a Igreja. É inadmissível abrir a boca para
dizer que Jesus é o Senhor e, ao mesmo tempo, difamar e caluniar o próximo. É possível
a existência de discordâncias, pois são diversos os pontos de vista. Mas é
inaceitável que em nome da liberdade de expressão, liberdade de imprensa e
liberdade de consciência, alguém crie e compartilhe mentiras sobre outras
pessoas.
Na Igreja, à luz do Evangelho, da Tradição e do magistério
dos Papas e Bispos, os pastores integram o povo de Deus, e deve existir o
necessário clima de respeito, estima e consideração entre clérigos e não clérigos.
Diante de Deus não existe classe superior, mas todos são irmãos em Cristo Jesus,
filhos de um mesmo Pai, e todos bebem do mesmo Espírito. Cada um a seu modo,
dentro de suas possibilidades, são chamados a promover a unidade e a paz. O cristão
não é um agente da divisão, mas é um discípulo missionário de Cristo Jesus,
vivendo no mundo sem ser do mundo, sendo sal da terra e luz do mundo, para que
todos tenham vida e a tenham em abundância. Esta é a vontade de Deus para a
salvação da humanidade.
Tiago de França