quinta-feira, 30 de abril de 2020

O Brasil e a pandemia do coronavírus


          Não é novidade para ninguém que, geralmente, no Brasil as coisas não são levadas a sério. Há uma forte tendência à avacalhação. Há muitas explicações para o entendimento desta situação, e uma delas é o desprezo pela ciência. Aceita-se, com muita facilidade, explicações infundadas sobre muitas coisas. A falta de conhecimento e informações domina a sociedade brasileira. Milhões de pessoas não tem noção da realidade; vivem sendo jogadas de um lado para o outro, como folhas secas ao vento.
            Esse contexto social é terreno fértil para os oportunistas e golpistas entrar em cena e dominar a situação. A forma como o governo federal está lidando com a pandemia e com as crises política e econômica é exemplo deste oportunismo violento. O presidente da República não aceita a letalidade do coronavírus, apesar das milhares de vítimas. Ele desdenha tanto do vírus quanto das vítimas e seus familiares. Não há nenhum sentimento de respeito e solidariedade.
            A falta de respeito do presidente já não escandaliza, e aí é que mora o perigo. O presidente sabe que a repetição de palavras e gestos baixos e indignos de um ser humano pode, aos poucos, ser aceita com naturalidade. Cria-se a cultura do político ignorante e desrespeitador. As pessoas vão se acostumando com esse tipo desprezível de político. O ser humano também se acostuma com o que é ruim e prejudicial ao convívio social. Nunca na história política do Brasil tivemos um presidente de um nível tão rasteiro.
            O ministro da saúde foi demitido. Deu lugar a outro totalmente alinhado com o nível do presidente, sem nenhuma experiência nem contato com o sistema único de saúde. Nas últimas horas, há notícias de que outros membros de altos postos do ministério da saúde foram demitidos. O objetivo é preencher tais cargos com pessoas oriundas das indicações políticas dos partidos que compõem o que chamam de “Centrão”. Estes partidos estão sendo procurados pelo presidente, para compor a base aliada do governo no Congresso. O presidente parece se preparar para um possível processo de impeachment.
            Indicações políticas, geralmente, são desprovidas de preparo técnico. Há uma incompatibilidade entre técnica e política no Brasil. Os quadros políticos são providos de gente despreparada, que só sabem fazer politicagem: Utilizam-se do dinheiro público e do aparelho estatal para manter a sede de dinheiro, prestígio e poder de pessoas desprovidas de interesse pelo bem comum. Esta é uma das práticas da velha política brasileira. Gasta-se muito dinheiro público para manter essa situação.
            A mudança no ministério da saúde é para atender à necessidade do presidente. Ele quer um ministério que reproduza seus discursos anticientíficos, pautados no achismo. O resultado disso para a saúde do povo é desastroso. Saúde não combina com achismo. A medicina não se pauta no despreparo nem na superstição, mas na ciência. Manter o povo doente e na ignorância é uma estratégia política dos governos autoritários. Neste contexto, a saúde se torna objeto dos privilegiados, e os planos de saúde privados ganham espaço e muito dinheiro.
            O atual governo já deixou claro que é totalmente alinhado com os grandes grupos empresariais que dominam a economia brasileira. Isso explica a constante revisão da legislação para favorecer a estes grupos. O povo desassistido pelo poder público não é uma preocupação do governo. Quem analisa as medidas do governo logo enxerga que os ricos estão se beneficiando, e os pobres estão perdendo e sendo prejudicados. Para camuflar a situação, o presidente se ocupa com piadas de mal gosto e gestos grotescos, desviando o foco da atenção das pessoas.  
            A pandemia do coronavírus no Brasil chegou a um nível muito agressivo. O número de infectados e mortos é inferior à realidade, porque não foram feitos testes em massa. Assim, não se sabe ao certo a quantidade de infectados pelo vírus. Os números publicados refletem a realidade de quem está sentindo os sintomas e procurando as unidades hospitalares de saúde. Como a população não está sendo submetida a testes, o vírus está circulando sem que ninguém saiba o número exato de vítimas.
            Outro fator perigoso é a indisciplina de milhões de brasileiros. De um lado, o presidente zomba do vírus e incita o povo a voltar ao que chama de “normalidade”; por outro, a Organização Mundial da Saúde recomenda o isolamento social. Um povo com pouco esclarecimento e confuso não consegue se prevenir. O discurso de salvação da economia do presidente e seus gestos que demonstram pouca ou nenhuma responsabilidade com a saúde pública influenciam, fortemente, muitas pessoas, principalmente as mais desinformadas.
            A realidade é que as UTIs estão sendo todas preenchidas, e o contágio está aumentando. Ainda há muitas pessoas que não acreditam na letalidade do vírus, assim como o presidente. Outros pensam que a mídia e os governadores estão inventando os números publicados, imaginando que o número de infectados e mortos seja inferior. Considerando a falta de testagem geral da população, a situação frágil do sistema único de saúde e a subnotificação de casos, a situação parece bem mais grave do que a que está sendo veiculada. Portanto, há fortes indícios de que os números oficiais não retratam a realidade.
            O contexto leva a crer na possibilidade de manipulação dos números oficiais, para passar a ideia de que o vírus está “indo embora” (expressão utilizada pelo presidente em certa ocasião). Nos EUA, país que conta com mais de 60 mil mortos e 1 milhão de infectados, o presidente Trump também adota postura irresponsável ao dizer que o vírus está indo embora. Como são ricos, a testagem da população é maior que em outros países. Assim, a realidade fica mais evidente. Mas, apesar da situação ser trágica, Trump continua alimentando o estilo populista irresponsável de governar. Jair Bolsonaro trilha o mesmo caminho.
            Enquanto o povo padece por causa do coronavírus e da falta de renda (o desemprego já chegou a 12,9 milhões de pessoas, segundo o IBGE), o presidente da República está brigando com o STF, que suspendeu a nomeação e posse do novo diretor-geral da Polícia Federal, um grande amigo seu e de seus filhos, que iria ajudá-los em inquéritos junto aquele Tribunal, estancando, assim, a sangria. O presidente está revoltado, e afirma que não “engoliu” a decisão do ministro que barrou o seu amigo na Polícia Federal.
            A esperança é que as pessoas estejam, pelo menos, enxergando o despreparo e a falta de interesse do presidente quanto à gestão transparente da coisa pública, bem como ao uso que ele faz do cargo e do aparelho estatal para proteger e beneficiar a si e aos seus. Isso está acontecendo de forma pública e notória. Não enxerga quem não quer. Quem consegue enxergar, e mesmo assim, defende o presidente, sinaliza que comunga dos mesmos pensamentos e posturas desprovidas de valores essenciais à vida em sociedade e à democracia, tais como verdade, liberdade, integridade moral, transparência, tolerância, respeito, entre outros.
            Sem pessimismo algum, esta é nossa realidade. Resta-nos torcer para que menos pessoas morram, e uma nova consciência possa emergir deste triste cenário. Ficar em casa continua sendo recomendável. É importante se prevenir, para não ser somado aos números oficiais nem às subnotificações. Ter consciência vale a pena e faz bem à saúde.

Tiago de França

segunda-feira, 27 de abril de 2020

BREVE ANÁLISE DO MOMENTO POLÍTICO ATUAL


         A saída do ex-ministro Sérgio Moro do Ministério da Justiça gerou confusão, revelou algumas verdades e confirmou outras. O fato é que nada pode passar despercebido, pois a situação deveria interessar a todos os brasileiros. Muitos não se interessam, apesar de serem vítimas da situação. Tudo depende da política. Não adianta fugir disso.
1. Um dado inicial: A ligação do ex-ministro com a Globo
            Há um dado inicial que precisa ser considerado, e que explica muito daquilo que está sendo veiculado hoje: A ligação do ex-ministro com a Globo. Não é uma novidade para aqueles que acompanharam os desdobramentos da operação Lava Jato. A Globo teve o privilégio de ter acesso antecipado a muitas das informações sigilosas da operação. Esse repasse de informações ficou conhecido como “vaza jato”.
            Esta prática é ilegal, mas a ilegalidade se tornou prática comum no Brasil. As informações foram vazadas, de forma seletiva e para prejudicar pessoas determinadas, e nada se fez para punir os responsáveis. O então juiz Sérgio Moro saiu ileso de Curitiba. A defesa dos réus, especialmente a do ex-presidente Lula, denunciou as irregularidades dos processos no STF e na ONU, mas nada aconteceu. As chamadas nulidades processuais não foram rigorosamente apreciadas: Tanto o Tribunal Regional da região de Curitiba quanto o STJ e STF ignoraram tais nulidades.
            A mesma Globo, neste momento, continua fiel ao seu papel: Recebeu do ex-ministro mensagens de celular, fazendo, desse modo, a sua defesa perante a opinião pública. A ideia é clara: Manter a fama de “herói nacional” construída durante a operação Lava Jato. O ex-juiz está na condição de quem é justo, saindo de um governo de gente suspeita. Quando juiz, eis a falta grave no exercício de sua função: A total ausência de imparcialidade na condução dos processos contra o ex-presidente Lula. A sua ligação com a Globo é uma das provas incontestáveis disso.
2. O histórico do presidente e as eleições de 2018
            Não é novidade para ninguém que o atual presidente, desde quando deputado, sempre militou a favor de sua própria família. O histórico político do ex-capitão mostra que nunca fez nada de significativo pelo bem comum. Durante quase três décadas foi deputado pelo Rio de Janeiro. O que efetivamente fez por aquele Estado? A situação do Rio de Janeiro expressa bem o que a maioria dos políticos anda fazendo por aquela parcela sofrida de brasileiros. O fato é que o ex-capitão nunca fez nada de grandioso sequer pelos militares.
            Mas parcela do povo brasileiro – não a maioria, pois esta não compareceu ao segundo turno das eleições – o quis presidente da República. As classes média e empresarial são responsáveis pela vitória do ex-capitão. Isto está registrado nas páginas sombrias da história política brasileira. Uma minoria de gente pobre entrou na onda e também votou. Mas a maioria dos pobres, presente principalmente no nordeste, não se identificou com o discurso de ódio adotado por Bolsonaro em sua campanha. O pobre nordestino, de modo geral, logo percebeu a falácia do discurso.
3. A participação de Moro na vitória do presidente
             Hoje, o presidente afirma que foi eleito sem a ajuda do ex-juiz. Isto não é verdade, pois durante a campanha eleitoral já se falava na possibilidade do então juiz se tornar Ministro da Justiça de seu governo. O nome do então juiz foi usado e abusado durante a campanha, e os eleitores do presidente acreditaram que, de fato, o então candidato era comprometido com o combate à corrupção, por indicar a escolha de um juiz que ganhou a fama de justiceiro.
            O então juiz cumpriu o seu papel: Tirou o ex-presidente Lula, que resistiu até o fim, da corrida ao cargo de presidente da República. O candidato Bolsonaro precisava disso, pois se fosse concorrer com o ex-presidente Lula, certamente teria perdido logo no primeiro turno.
A Globo também fez seu papel, publicando grampos telefônicos e mensagens de texto que comprometeram, gravemente, a campanha eleitoral do candidato do PT no lugar do ex-presidente Lula, o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. Mesmo assim, a eleição presidencial foi para o segundo turno. E neste, o ódio ao PT venceu: “Grita forte, brasileiro, ê, ê, ê, fora Dilma! Fora Lula! Fora PT”, cantavam e dançavam os bolsonaristas. A esta altura, muitos já estão arrependidos. Mas nem todos. Ainda há muita gente iludida.
4. A nomeação do ex-juiz e a falácia da “carta branca”
O presidente nomeou o ex-juiz, que julgou e condenou o seu principal adversário político, como Ministro da Justiça. Os iludidos acreditaram que seria o fim da corrupção no Brasil! O discurso anticorrupção, no Brasil, de modo geral, esconde a corrupção. Os mais esclarecidos já perceberam isso. A elite política e econômica ama esse discurso. Numa sociedade cuja maioria da população está cansada da velha e corrompida política, tal discurso gera credibilidade. O problema é que as pessoas não analisam os perfis de quem está propagando esse discurso.
O ex-juiz afirma ter sido enganado pelo presidente, pois já antes da nomeação, este o assegurou que teria “carta branca” para agir. Se ele realmente acreditou nisso, então era um iludido. Na política brasileira não existe “carta branca” para se combater a corrupção. Bastava o ex-juiz olhar o histórico da família Bolsonaro para compreender a falácia da “carta branca”. Inúmeras vezes, o presidente e os seus foram envolvidos em suspeitas. O filho do presidente está sendo investigado pela Polícia Federal por supostas práticas ilícitas da época em que foi deputado estadual no Rio de Janeiro.
5. A atuação do Ministro e a gravidade da tentativa de interferência do presidente
Mas o ex-juiz sabia muito bem o que estava fazendo e com quem estava lidando. Dificilmente encontramos na magistratura alguém que seja politicamente iludido. É possível encontrar desonestos, mas iludidos, jamais. No Ministério da Justiça, o ex-juiz não teve êxito. As grandes operações da Polícia Federal cessaram; o caso do assassinato da vereadora Marielle Franco não foi solucionado; o sistema prisional permanece caótico; total ausência de política de promoção dos direitos humanos; ausência de uma eficiente política nacional de segurança pública etc. O ex-ministro permaneceu em silêncio: Foi um dos ministros mais apagados do governo.
No segundo semestre de 2019, o presidente resolveu dar sinais de que não estava satisfeito com a atuação da Polícia Federal, e sugeriu a demissão do diretor-geral da corporação, bem como a substituição de alguns superintendentes. Segundo o que se apurou, a preocupação do presidente não era com o combate à corrupção, mas com algumas investigações que estavam caminhando na direção de sua família. Por ocasião de sua saída do governo, o ex-ministro fez questão de confirmar esta suspeita.
A tentativa de substituir o diretor-geral e superintendentes sem que estes tenham cometido falta funcional constitui interferência indevida na Polícia Federal, afetando a necessária autonomia que a instituição precisa para desenvolver o seu trabalho. Esta Polícia é, por lei, subordinada ao Presidente, mas este não tem o direito de saber sobre o andamento das investigações. Os relatórios de inteligência da Polícia Federal não podem ser enviados ao Presidente da República.
O presidente recuou na tentativa de substituição desses agentes, em 2019. Como as investigações continuaram, o presidente resolveu agir: Demitiu o diretor-geral da Polícia Federal, sem o aval do Ministro da Justiça. Este reagiu, imediatamente, tentando reverter a situação, mas não teve êxito. O diretor-geral é um de seus amigos, que atuou na operação Lava Jato. O ex-juiz não perdeu tempo, e aproveitou a oportunidade para deixar o governo.
6. A entrevista bombástica do Ministro e sua saída do governo Bolsonaro
O contexto favoreceu a saída do ex-juiz Moro, que, certamente, estava esperando uma boa oportunidade. Tendo esperado o momento certo, surpreendeu o presidente ao convocar uma entrevista coletiva, com o objetivo de preservar a imagem que conseguiu construir junto à população. O ex-juiz não tem nada de ingênuo.
A fala do ex-juiz é bombástica e coloca o presidente numa situação arriscada. O teor da entrevista aponta para o cometimento de possíveis crimes: obstrução de justiça, falsidade ideológica, advocacia administrativa, prevaricação, corrupção, coação e crime de responsabilidade, que podem abrir caminho para o processo de impeachment. É o que dizem os especialistas em direito criminal, que se debruçaram sobre a entrevista do ex-juiz Moro. É preciso considerar que, no momento da entrevista, o ex-juiz falou como Ministro de Estado, ou seja, agente público. Portanto, a sua fala goza da presunção de veracidade.
Não é nosso propósito fazer uma análise minuciosa da fala do ex-juiz, mas apenas situá-la no âmbito da conjuntura política nacional. Um ministro de Estado não é um agente do Poder Judiciário, ou seja, Sérgio Moro não é mais Juiz Federal. Todo ministro milita a favor do governo que representa. Assim que foi nomeado, ganhou a fama de ser um superministro de Estado. Isso significa que era um dos homens de confiança do Presidente da República.
7. Bolsonaro ganha um forte inimigo político
Neste sentido, é preciso considerar que o presidente foi eleito com a ajuda do ex-juiz e este foi beneficiado com o cargo de Ministro da Justiça. O mesmo ouviu do presidente a promessa de que seria indicado para ser Ministro do Supremo Tribunal Federal. O presidente assinalou publicação esta possibilidade. Mas a promessa não foi suficiente para manter o ex-juiz sob o controle de suas pretensões e caprichos pessoais. O superministro se transformou em um forte inimigo político. Este conhece o presidente e os bastidores de seu governo.
Após a entrevista do ex-juiz, o presidente tentou se defender. Tentou passar a ideia de que seu ex-ministro é um traidor e oportunista. Não é possível conceber esta ideia porque, na verdade, o ex-juiz continua sendo fiel ao seu propósito inicial: Ao deixar a magistratura, Sérgio Moro optou pela política partidária. Deixou o tribunal para atuar na seara política, e sabia muito bem que a política brasileira não é formada por santos.
As palavras e os gestos do ex-ministro apontam para a crença de que o caminho que optou é exitoso, e com o apoio da Globo, o sucesso pode ser garantido. Um político ignorado pela grande mídia tem mais dificuldade de ter sucesso em suas pretensões. É verdade que a mesma mídia que exalta é a que, posteriormente, pode execrar. Mas a aposta inicial tem dado certo. O perfil do ex-ministro se encaixa, perfeitamente, no jeito de fazer política no Brasil. Por isso, não causaria surpresa se o ex-ministro optasse por se filiar a um partido político, para tornar mais claras as suas pretensões. O PSDB tem interesse nisso.
8. O pedido de investigação da fala do ex-ministro e seus desdobramentos políticos
Como a Procuradoria Geral da República solicitou ao STF a investigação das declarações do ex-ministro, caso se confirmem, também ele pode se complicar. Mas isto depende da forma como o Judiciário vai lidar com a situação investigada. Dependendo do consenso dos que irão analisar o resultado das investigações, o ex-juiz poderá seguir ileso. O resultado das investigações e o convencimento dos juízes podem resultar no fim da carreira política tanto do presidente quanto do ex-juiz, ou de um deles. Pode ocorrer também que tudo permaneça como está, e ambos continuem atuando no triste e vergonhoso cenário político nacional.
Imediatamente após o anúncio de seu pedido de demissão, o ex-ministro repassou ao Jornal Nacional da Globo mensagens de seu celular que comprovam a insatisfação do presidente em relação ao diretor-geral da Polícia Federal. A interferência parece nítida. Trata-se de algo que precisa ser devidamente esclarecido, porque compromete, seriamente, tanto o trabalho da Polícia Federal quanto a imagem da corporação, que nos últimos tempos, principalmente durante os governos petistas, gozou de liberdade para investigar os crimes cometidos e supostamente cometidos por pessoas ricas e influentes.

9. O presidente procura a solução para seu problema: Encontrar amigos para o Ministério da Justiça e direção-geral da Polícia Federal.
Passada a tensão das primeiras horas do conflito, o presidente, desde então, começou a articular a sucessão para os cargos de Ministro da Justiça e diretor-geral da Polícia Federal. Os nomes conhecidos até o momento, e mesmo se forem substituídos por outros, confirmam a ideia de que o presidente está querendo, para ambos os cargos, pessoas com as quais tenha contato direto e constante, para o repasse de informações. Os escolhidos serão conhecidos próximos do presidente e de seus filhos. Estes tem sido seus assessores diretos. Dificilmente, um ministro permanece no cargo se desagradá-los.  
Como o presidente e seus filhos estão sendo alvo de investigações por parte da Polícia Federal, o futuro Ministro da Justiça e o diretor-geral da Polícia Federal serão pessoas que terão que lidar com essas investigações. Se o Poder Judiciário permitir que o presidente nomeie pessoas “amigas”, o resultado de toda essa confusão já é previsível: Vai dar em pizza! É possível que o Judiciário interfira nas nomeações a estes cargos? Sim, é possível, e dependendo de quem seja nomeado, é necessário que se interfira com rapidez e firmeza.
10. A clareza dos princípios constitucionais que regem a Administração Pública direta e indireta
No que se refere à Administração Pública, eis o que dispõe o artigo 37, caput, da Constituição de 1988: A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. O presidente e seus filhos precisam conhecer este importante artigo da Constituição. Estes princípios constitucionais não são opcionais, mas de cumprimento obrigatório. Em outros termos, devem ser observados em todas as circunstâncias. O presidente precisa conhecer tais princípios e colocá-los em prática, principalmente os princípios da impessoalidade e da moralidade.
A Polícia Federal não pode ser transformada numa espécie de gestapo (polícia que servia ao regime nazista na Alemanha), ou seja, numa polícia que serve à satisfação dos interesses do presidente, de sua família e aliados políticos. A Polícia Federal é Polícia de Estado, chefiada pelo presidente da República, mas que não pode ser submetida a seus caprichos pessoais. Não trabalha somente nas investigações dos crimes contra a pessoa do Presidente da República, mas sua missão é de “exercer as atribuições de polícia judiciária e administrativa da União, a fim de contribuir na manutenção da lei e da ordem, preservando o estado democrático de direito” (é assim que a Polícia Federal define a sua missão em seu site oficial na Internet).
11. E agora, José?...
O cenário político parece bem desenhado. Não parece inexistir clareza quanto ao que está ocorrendo. Só não compreende a situação aqueles que não se ocupam com análises críticas da realidade. Como a maioria dos brasileiros assim procede, então o ex-ministro está sendo considerado uma espécie de vítima da falta de honestidade e transparência do presidente.
Na verdade, o que se pode concluir é que ambos são parecidos; ambos se beneficiaram do aparelho estatal para se manterem politicamente. Enquanto isso, os pobres que integram a maioria do povo brasileiro padecem com a pandemia do coronavírus e o crescimento de desemprego. Mas o presidente não está preocupado com isso, pois anda bastante ocupado com a busca dos “amigos” que ocuparão os cargos vagos. Estes cargos são cruciais para a sua sobrevivência política. Como a frágil e sofrida democracia brasileira é pouco participativa, resta-nos esperar para ver no que vai dar. Fiquemos atentos, e em casa.

Tiago de França

sábado, 25 de abril de 2020

Fica conosco


“Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!” (Lc 24,29)
            O trecho evangélico para nossa meditação é o de Lucas 24,13-35. Trata-se de um texto rico em detalhes, que muito nos ensina. Não queremos explorar o sentido de todos os pormenores, mas fazer uma breve meditação de alguns pontos que podem nos ajudar nestes tempos de pandemia do coronavírus. Jesus, ressuscitado dentre os mortos, nos fala. A sua palavra nos reanima na caminhada da vida.
            O texto fala que dois dos discípulos de Jesus saíram de Jerusalém e se dirigiram a um povoado chamado Emaús. Eles conversavam sobre os acontecimentos dos últimos dias: paixão e morte de Jesus. Certamente, estavam profundamente tristes e frustrados, pois esperavam que Jesus fosse o libertador de Israel.
            Jesus se aproximou “e começou a caminhar com eles”, mas não o reconheceram, porque, segundo o evangelista, “estavam como que cegos”. Coitados, estavam afetados pela tristeza, frustração, abatimento... Jesus se interessa pela conversa deles, e pergunta sobre o assunto.
            Aqui já temos um ponto importante: Jesus se aproxima, caminha conosco e se interessa por nossa situação. Ele sabia a situação daqueles seus dois discípulos, assim como sabe da nossa situação. Vivemos caminhando na vida, e ele sabe dos nossos caminhos. Por onde e para onde caminhamos?... Em nossa caminhada, sobre o que estamos conversando?... Cada pessoa é chamada a responder a estas questões, considerando que Jesus quer caminhar conosco e participar da nossa vida.
            Não basta saber disso. Saber é importante, mas não resolve tudo. O saber esclarece; é como que a luz da lanterna. Mas para que serve a lanterna? Certamente, para iluminar e dissipar a escuridão do caminho. Jesus quer nos falar, e sua palavra dissipa as trevas da nossa ignorância. Ele abre a nossa inteligência para as coisas de Deus, conferindo-nos a visão de Deus e da sua vontade.
            Quem permite a companhia de Jesus nos caminhos da vida faz a experiência da cura da cegueira e da tristeza. As dificuldades da vida provocam abatimento. Muitas vezes, parece que fomos vencidos pelo desânimo. Mas se temos fé naquele que caminha conosco, que está presente e se interessa por nossas histórias pessoais e coletivas, então recuperamos o ânimo. Nossas histórias são preenchidas por alegrias e esperanças, tristezas e desilusões... Em tudo isso, Jesus vai nos falando, vai nos despertando.
            Aos dois discípulos, quando chama a atenção para a falta de inteligência e lentidão deles, Jesus diz: “Será que o Cristo não devia sofrer tudo isso para entrar na sua glória?” Claro que Jesus não está dizendo que o sofrimento pelo sofrimento é algo necessário. Ele não está falando de qualquer sofrimento, mas do seu sofrimento redentor. O seguidor de Jesus, que caminha com ele, também sofre porque aderiu ao mesmo projeto redentor de Jesus. Jesus não sofreu porque tinha que sofrer, mas porque foi fiel ao seu Pai e nosso Deus. Seu sofrimento foi manifestação de amor, pura doação para a salvação da humanidade.
            Assim, os que sofrem são chamados a se unir à paixão e morte de Jesus na cruz. Este é o caminho que conduz à ressurreição. Esta é a manifestação do poder e da glória de Deus. Todos sofremos. Uns sofrem mais, outros menos. O sofrimento faz parte da vida. São inúmeras as causas. A gente pode tornar a vida mais sofrida, quando queremos satisfazer os nossos desejos, nossa raiva, ódio e vingança, nossas ambições desmedidas, nossa vontade de fazer o mal aos outros etc.
            Uma prece importante é a de pedirmos a Deus que tranquilize nossos sentimentos agitados, fazendo-nos ter os mesmos sentimentos de Jesus Cristo. A vida, por mais difícil que seja, tem a sua leveza. Se pararmos para meditar sobre o sofrimento que nos aflige, sintonizando-nos com o sofrimento de Jesus na cruz, certamente nos sentiremos confortados. Da cruz de Jesus, banhada de sangue, não brota o desespero, mas esperança e paz. Na cruz, Jesus nos ensinou que é possível amar e perdoar. Carregando nossas cruzes também podemos experimentar o amor, o perdão, a paz e a mansidão.
            O texto também fala que após ter explicado para eles as passagens da Escritura que falavam a seu respeito, Jesus fez de conta que iria tomar outra direção, acelerando o passo. Mas eles pronunciam um belo convite: “Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!” Este convite precisa ser também nosso: Convidar Jesus para caminhar conosco. A noite vem chegando, e muitas vezes falta luz. Sem esta ficamos no escuro e sem visão das coisas. Quem gosta do escuro? Nascemos para a luz. Durante a noite, não nos dedicamos a vagar na escuridão. Não somos seres noturnos. Não nascemos para as trevas.
           E o texto acrescenta que Jesus entrou “para ficar com eles”. Jesus quer permanecer. Isto nos fala de uma fidelidade na presença. Ele não abandona os seus discípulos na tristeza e na frustração. De modo algum! E com eles reparte o pão. E no partir o pão, eles o reconheceram. Quanta alegria! Eles falam que seus corações ardiam enquanto escutavam Jesus explicar as Escrituras. Precisamos sentir essa ardência no coração. As palavras de Jesus têm esse poder: Fazem arder o coração. São palavras que despertam força, ânimo, coragem, esperança, paz, desejo de viver a fraternidade, caminhando na presença de Deus.
             O texto termina dizendo que os discípulos reconheceram Jesus “ao partir o pão”. Partir o pão não é experiência que se vive na solidão, mas na comunhão. Na liturgia, o pão é repartido e o próprio Cristo se oferece a cada pessoa disposta a recebê-lo. É um gesto que se multiplica no cotidiano de nossas vidas, quando vivemos a comunhão fraterna. É vivendo esta comunhão que reconhecemos Jesus hoje. Nestes tempos difíceis de pandemia e de crise política, como estamos vivendo a comunhão fraterna? Estamos reconhecendo Jesus na partilha do pão, ou ele continua sendo um desconhecido, porque insistimos em nossa mesquinhez e egoísmo?...

Tiago de França

sexta-feira, 24 de abril de 2020

A queda do ministro Sérgio Moro


Assisti, com muita atenção, à entrevista coletiva do ex-juiz e ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro. A sua fala é reveladora de muitas coisas. Que bom que não saiu sem explicar os reais motivos! Algumas questões ficaram evidentes, pois o ex-ministro foi claro, objetivo, conciso e perspicaz. Vamos aos pontos principais da entrevista, para concluirmos algumas coisas.
1. Ao citar a presidente Dilma, o ex-ministro disse que no governo desta não havia interferência política na Polícia Federal (PF). De fato, os governos petistas tiveram muitas falhas, mas não impediram que a Polícia Federal fizesse o seu trabalho de investigar os crimes, inclusive os crimes cometidos por membros do governo.
Bolsonaro deixou claro para o ex-ministro que deseja um diretor-geral e superintendentes da PF totalmente submissos. E disse também que deseja receber relatórios de inteligência do trabalho investigativo da PF. Esta pretensão é criminosa. As investigações são sigilosas, e a PF não pode compartilhar os relatórios de suas investigações com o Presidente da República. O presidente deveria ser punido por esta pretensão. Isso sequer poderia ser ventilado.
2. Cargos da PF devem ser preenchidos por pessoal de carreira na PF, e que apresentem, tecnicamente, competência para o ofício. O presidente não aceita isso. Ele quer transformar a PF numa polícia do presidente da República, mantendo, assim, total controle. Neste sentido, o ministro da Justiça e o diretor-geral da PF seriam apenas fantoches do presidente.
Nunca na história da PF um presidente da República atuou para transformá-la numa polícia ineficiente e sujeita aos caprichos do presidente da República como temos visto agora. Esta interferência política mostra a fragilidade moral do presidente, que teme ser desmascarado, juntamente com um de seus filhos, que está sendo investigado pela Polícia Federal. Está evidente que o presidente está querendo acabar com a investigação, pois o STF não as barrou, nem mandou arquivá-las.
3. O ex-ministro pensou que quando o presidente falou em "carta branca" para nomear, formar equipe e exonerar de cargos na PF, o presidente estava sendo verdadeiro. Enganou-se e frustrou-se. "Carta branca" a um ministro da Justiça é para quem não teme investigações. Não é o caso do presidente.
Milhões de brasileiros elegeram um presidente pouco afeito ao diálogo, à transparência e à probidade. Já durante a campanha eleitoral esta situação estava evidente. Não enxergou quem não quis.
4. Bolsonaro escolheu o juiz que julgou e condenou o seu adversário político, o ex-presidente Lula. A mídia transformou o ex-juiz Moro em um herói nacional. O presidente se apoiou na fama do ex-juiz para passar a ideia de que era comprometido com a ética e a transparência. Milhões de brasileiros acreditaram nesse discurso falacioso.
O ex-juiz se aproveitou da situação, e ficou feliz, porque, além do cargo de ministro da Justiça, recebeu do presidente a promessa de que se tornaria ministro do STF. O ex-juiz desconsiderou o tom autoritário do candidato e presidente eleito, e este pensou que poderia fazer com aquele o que está fazendo com todos os demais ministros: mantê-lo sob controle, ditando as regras, sem diálogo nem entendimento. Ambos se deram mal.
O ex-juiz agora arca com as consequências de sua escolha: A de ter deixado a magistratura após 22 anos de serviço. Agora, restaram-lhe poucas coisas: Não é mais juiz, nem ministro, e tudo indica que não será indicado para compor o STF como ministro. O ex-presidente Lula deve ter ficado de "alma lavada" hoje. O ex-juiz deve ter aprendido a lição. Ou não.
5. O fato de ter convocado uma entrevista para comunicar a sua saída do governo, indica que o ex-juiz não sairá da cena política tão cedo. Desde a sua atuação na magistratura, tem se mostrado um homem político, no sentido partidário do termo. Todos sabemos da sua identificação com políticos do PSDB. Como juiz, não tinha nenhuma vergonha de aparecer ao lado de políticos, demonstrando proximidade e amizade. Muitos juízes no Brasil fazem isto, explicitando a falta do que a lei processual chama de imparcialidade do juiz.
Considerando que o ex-juiz não é um homem ingênuo, mas conhecedor do estilo brasileiro de fazer política, a sua passagem pelo Ministério da Justiça foi a segunda fase de preparação para uma futura candidatura, seja para governador, deputado, senador ou presidente. A primeira fase consistiu na fama que conseguiu fazer, auxiliado pela mídia (principalmente a Rede Globo), sobre a condenação e prisão do ex-presidente Lula. Muita gente iludida ainda o tem como herói, e isso o ajudará nos próximos capítulos da vergonhosa história política brasileira.
6. Não é difícil de imaginar a sucessão do ex-ministro Moro e do diretor-geral da PF. O presidente não está preocupado com a repercussão negativa destas demissões. A sua preocupação é com as investigações que estão sendo feitas para apurar os crimes supostamente cometidos por seu filho. Por isso, vai continuar usando o poder que tem, não para combater o coronavírus, o desemprego e tantos outros males, mas para proteger a si, aos filhos e seus colaboradores mais próximos. Qualquer pessoa que tem o mínimo de bom senso percebe e admite isso.
Na entrevista, o ex-juiz falou que o presidente anda preocupado com inquéritos (investigações) em curso no STF. Isso mostra, claramente, que vai escolher um ministro e um diretor-geral da PF que atuem para impedir que estas investigações sejam aprofundadas. Neste sentido, o discurso anticorrupção do presidente é mentiroso, e só acredita nele os que o idolatram como o salvador da pátria. Os alienados já devem está demonizando o ex-juiz, chamando-o de "comunista" ou "esquerdista", ou algo do gênero. Pessoas alienadas não enxergam a realidade, mas vivem presas ao seu mundo imaginário. Vivem na ilusão.
Não é impossível que mais um general do exército ocupe o cargo de ministro, ou de diretor-geral da PF. Caso os nomes não saiam das Forças Armadas, certamente sairá do Congresso Nacional, da base aliada do governo. O fato é que o presidente não gosta de nomes puramente técnicos. Seus 28 anos de Câmara dos deputados ensinaram que tudo tem que passar pela politicagem, e esta prática que caracteriza a velha política é como que o sangue que corre nas veias do presidente, seus filhos e correligionários. Suas palavras e gestos provam isso.
7. Por fim, resta constatar a realidade: O presidente comprova mais uma vez o seu espírito nada democrático, mas autoritário. As demissões revelam autoblindagem. Não se sabe até quando o Parlamento e as demais instituições irão assistir, passivamente e de forma omissa, a esta desmoralização política.
Há elementos suficientes para se iniciar o processo de impeachment do presidente. O impeachment é um processo jurídico que põe fim ao cometimento de crimes de responsabilidade. O presidente, no regime democrático de direito, não pode fazer o que quer. Há limites constitucionais e legais para a sua atuação. Na democracia, não temos reis, mas presidentes que devem cumprir a Constituição. Muitos pedidos de impeachment estão sendo apresentados à Câmara dos deputados, cabe ao presidente desta tomar a decisão de acatar e dar o devido prosseguimento. Um dos ministros do STF já pediu que o presidente da Câmara se manifeste sobre os pedidos.
Esta situação envergonha o país perante o mundo: Mostra que o Brasil continua sendo dominado pela velha política, que provoca atraso e mortes. Em plena pandemia do coronavírus, o presidente age, irresponsavelmente, numa demonstração clara e debochada de que não está nem aí para o que realmente importa neste momento: Salvar o país do caos. Este, infelizmente, já está bem encaminhado. E agora, José?...

Tiago de França

quinta-feira, 23 de abril de 2020

O risco do fim do isolamento social


A Organização Mundial da Saúde diz que a América Latina está prestes a experimentar o pior momento da pandemia. Isto significa que o vírus está se proliferando.
Desconsiderando este dado, justamente neste momento, o isolamento social está sendo diminuído. Em outras palavras, quando as pessoas deveriam ficar em casa, porque o vírus continua matando mais gente, as pessoas estão voltando ao "normal".
A consequência lógica será o aumento das mortes. No Brasil, o governo não tem interesse na testagem da população. O interesse do governo é eleitoral, igual nos EUA. A vida humana não está em primeiro lugar. Quando perguntado pelos mortos, que já são quase 3 mil, o presidente responde que não é coveiro.
O fim do isolamento vai provocar o aumento de morte dos pobres. Os ricos não vão se arriscar, pois tem condições de se proteger. Os pobres estão sendo pressionados a voltar a trabalhar para seus patrões, que junto com o governo estão sustentando o discurso da economia.
Cada vez mais, muita gente morrerá porque as UTIs no Brasil estão praticamente ocupadas, com pessoas infectadas e em estado grave, além das que estão morrendo por causa de outras doenças. Esta é a realidade: o contágio está crescendo, dezenas de brasileiros estão morrendo diuturnamente, e o governo federal não está preocupado com isso.
Está mais que evidente o recado do governo federal: Se as pessoas morrem, o que é que tem? Resta-nos fazer outras duas perguntas para a nossa reflexão pessoal neste momento trágico de perda de dezenas de vidas: A vida de cada brasileiro não é importante? E você que acabou de ler essa reflexão breve, está disposto a pegar o vírus e perder a vida em nome da economia que enriquece os ricos e mata os pobres?...

Tiago de França

domingo, 19 de abril de 2020

A paz do Ressuscitado


“A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (Jo 20,21).
            Após a ressurreição de Jesus, os discípulos estavam com medo dos judeus. Certamente, a terrível morte de Jesus na cruz criou neles uma sensação de frustração e derrota. Matar alguém na cruz tinha como objetivo causar medo nas pessoas. Entre outros meios, era assim que o império romano demonstrava a sua força. Morrer na cruz era sinônimo de maldição. O Cristo ressuscitado aparece aos seus, e estes estão ainda apavorados, dominados pelo medo.
            Quem está com medo não tem paz. Há um desassossego, um estado de perturbação. Por isso, colocando-se no meio deles, Jesus lhes concede o que estão precisando com a máxima urgência: “A paz esteja convosco”. A paz de Jesus é a paz que somente ele concede. É a paz do Ressuscitado, que tranquiliza o coração, acalma o espírito, reanima o abatido, desperta a esperança, liberta do medo e coloca de pé o caído.
            No mesmo texto (cf. Jo 20,19-31), pela segunda vez, Jesus deseja a paz e fala do envio: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio”. Jesus não concede a paz para que seus discípulos permaneçam em segurança e tranquilos, fechados no mesmo lugar. A paz de Jesus é incompatível com fechamento. Durante alguns anos, ele os preparou para a missão. Até o momento da sua morte na cruz, puderam aprender com suas palavras e gestos. Após a ressurreição se inicia o tempo da missão.
            Jesus envia os seus discípulos assim como o Pai o enviou. Portanto, os discípulos são chamados a participar da sua missão. Livres do medo, Jesus os transforma em missionários, enviando-os. Mais adiante, voltando para o seio do Pai, ele enviará o Paráclito, o Espírito Santo. Por ocasião da vinda deste Espírito, os discípulos nunca mais conhecerão o medo e o consequente isolamento. O Espírito vai guia-los na missão confiada por Jesus. Este já sopra sobre eles o Espírito, mas é a partir de Pentecostes que a missão começa com toda força.
            Tomé aparece no texto representando todos aqueles que somente acreditam se ver e tocar. Jesus reprova esse tipo de atitude: “Acreditaste, porque me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!” Hoje já não podemos tocar na pessoa de Jesus, ressuscitado em seu corpo glorioso. Mas podemos tocá-lo de outras maneiras. Não temos motivos para não acreditar em Jesus. É verdade que não somos obrigados, pois crer em Jesus é um dom concedido por Deus. Não é mera atividade intelectual, mas dom divino que transforma a vida e a salva.
            A Tomé, Jesus também diz: “Não sejas incrédulo, mas fiel”. Para Jesus, crer é sinônimo de fidelidade. Para permanecer fiel, é necessário crer. O próprio Jesus concede a graça da fidelidade na fé. Ter uma fé fiel é uma virtude, a virtude dos santos. Trata-se de um chamado manifestado a todos. Não é privilégio de alguns. Apesar da sua descrença, Tomé pronuncia uma bela expressão de fé, após a advertência de Jesus: “Meu Senhor e meu Deus!”.
A fé faz a pessoa reconhecer o senhorio de Jesus. Ele é o único Senhor. Somente a Ele se deve servir (e o servimos na pessoa dos irmãos). Ele também é consubstancial ao Pai, ou seja, possui a mesma natureza de Deus. Em outras palavras, sendo um com o Pai e o Espírito, Jesus é verdadeiramente Deus e Senhor da história. Somente pela fé é possível afirmar esta verdade salvífica.
            O evangelista João conclui o trecho da meditação de hoje dizendo que Jesus realizou outros sinais, que não se encontram no texto do seu evangelho, e revela a finalidade destes sinais: Jesus os realizou “para que acrediteis que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e, para que, crendo, tenhais a vida em seu nome”. Jesus é o Ungido do Pai, o Messias; é o Filho de Deus. Todo aquele que nele crê tem a vida em seu nome. É o mistério insondável do amor de Deus revelado em Jesus.
            O que ganhamos ao nos tornarmos seguidores deste Messias? A vida em seu nome. E o que de mais belo e necessário precisamos senão a vida plena em nome de Jesus? De fato, padecemos por causa das ameaças à vida. A vida humana é frágil, limitada; incapaz de resistir a um vírus, um ser invisível capaz de matar a vida do corpo. Jesus, o Filho de Deus, quer oferecer uma vida nova e plena; vida que não mais experimenta a morte.
            Certamente não é pecado questionar as coisas para se obter uma fé apurada. Tomé não questionou por questionar, no sentido de desqualificar o Ressuscitado; não foi covarde como Judas, o traidor. Tomé estava com medo e tinha dúvidas. Pode ter visto Jesus morto na cruz. Estava frustrado. Tomé representa todos aqueles que, de certa forma, já não esperam mais nada. Há muitas pessoas tristes, desoladas, que estão fartas da maldade que reina no mundo. A estas, Jesus pede fé e fidelidade. Ele está disposto a permanecer com cada pessoa.
            Em tempos de coronavírus, a fé no Ressuscitado é um consolo que alimenta a esperança. A ressurreição de Jesus é uma prova incontestável da ação amorosa de Deus neste mundo. Foi neste mundo e para a vida do mundo que Jesus ressuscitou. Deus conhece a aflição da humanidade, sabe que esta passa por momentos perturbadores. Este mesmo Deus ressuscitou Jesus, derrotando o poder das trevas.
Com sua morte, Jesus destruiu o poder das trevas. Por isso, o cristão não pode cair no pessimismo, na descrença e na revolta. Deus está agindo. Há sinais de ressurreição no mundo. O Ressuscitado permanece no mundo, cuidando da criação de Deus. Deus tem trabalhado, e os sinais do seu poder estão se manifestando. Somente é possível enxergá-los com os olhos da fé.
Quem não tem, que peça o dom da fé. Quem a tem, peça que Deus a aumente, pois sem esta fé no Ressuscitado, a esperança não é possível, e a vida se torna um peso insuportável. É a fé que faz a pessoa sair do reino das trevas. Este reino conhecerá seu fim, quando Deus tornar pleno o seu Reino. Até lá, é preciso caminhar com Jesus, na sua presença, contando com o seu amor misericordioso e o dom da sua paz, vivendo em comunhão com os irmãos. Assim, a ressurreição vai se tornando realidade e a vida vai se eternizando. Vivemos tempos pascais.

Tiago de França

sexta-feira, 17 de abril de 2020

A queda do Ministro da Saúde


O que dizer da queda do ministro da saúde, do governo Bolsonaro? Cremos que podemos, a priori, pensar três questões que explicam a demissão do ministro.
A primeira é a divergência com o presidente da República, que revela ser este um político intolerante. Com a demissão do ministro da saúde, deixa claro que não tolera divergências ou discordâncias. Fica evidente que entende pouco e não aceita a importância da pluralidade de pensamento e posicionamentos sobre os problemas do país. Em seu governo, todos os ministros devem concordar com as suas ideias e posturas. Quem não concordar, perde o cargo.
Numa democracia, este é um péssimo sinal. Quem não aceita o diferente e as posições contrárias demonstra ser pouco ou nada democrático. A demissão do ministro é uma manifestação de autoritarismo político, algo que todo mundo deveria condenar. Democracia não rima com autoritarismo. Numa República democrática, o pensamento crítico e a pluralidade de ideias e posturas devem ser promovidos, jamais erradicadas.
A segunda questão se refere ao fato de o presidente ser contrário aos dados científicos. A ciência não tem a verdade absoluta das coisas. Mas é verdade que sem ela nenhum país do mundo consegue evoluir. Vivemos em um mundo dominado pela tecnologia e pelos avanços científicos, que, apesar dos limites éticos inerentes à evolução, muitas das soluções a problemas que foram surgindo ao longo dos séculos são promovidas pelos estudos e descobertas científicas.
Numa pandemia como a que assola a humanidade hoje, ir contra a ciência é algo extremamente perigoso. Fora da ciência, não será possível a erradicação do vírus e, consequentemente, a "salvação" da raça humana, que tem sido afetada em praticamente toda a face da terra. Na América Latina, o Brasil se encontra isolado, como o país cujo presidente da República não reconhece o isolamento social como meio principal e eficiente para barrar a proliferação do vírus. Muitos outros líderes de governo e de estado zombaram do vírus e, posteriormente, se arrependeram amargamente. O presidente dos EUA é um deles.
O fato de o presidente do Brasil ser contrário à ciência, não é nenhuma novidade. Muito antes de se candidatar a presidente da República, já fazia questão de tornar pública a sua limitação intelectual e seu desprezo pela ciência. O presidente é muito limitado, e se torna presa fácil nas mãos daqueles que constituem a força dominadora da política e da economia nacionais: a elite financeira.
A terceira questão decorre da segunda, ou seja, por trás da demissão do ministro da saúde, que atuou com competência e rigor, pautando-se na ciência e nas resoluções da Organização Mundial da Saúde, temos um presidente curvado diante do poder econômico, constituído pelos grandes empresários, que estão reclamando a ausência dos trabalhadores e dos consumidores de seus produtos. O discurso em prol da economia é um discurso em prol de uma economia que não inclui os pobres. Trata-se da economia dos grandes empresários.
No capitalismo é assim: Mesmo em meio a uma pandemia, não é a saúde nem a vida das pessoas que importam, mas a manutenção do lucro a todo custo. Inclusive, aproveitam-se também da pandemia para mudar as leis que regulam os encargos sociais no setor laboral, aliviando a já tranquila vida dos grandes empresários, e sufocando cada vez mais a vida dos pobres trabalhadores.
O que esperar do novo ministro da saúde? Espera-se que seja um ministro obediente, que não expresse o que realmente pensa sobre o problema do coronavírus e que, assim, trabalhe no sentido de afrouxar o isolamento social, expondo mais ainda os brasileiros ao contágio do vírus. Consequência disso será o aumento de infectados e mortos, considerando que o sistema de saúde do país (SUS) é muito frágil e incapaz de atender ao crescente número daqueles que não terão para onde correr senão para os hospitais públicos. Se assim não proceder, o novo ministro não permanecerá no cargo.
Será que os bolsonaristas de plantão estão enxergando a realidade com senso crítico e sentimento de arrependimento? Ou será que continuam enxergando o presidente como o "mito", espécie de messias que libertará o país do vírus e livrará o Brasil, este imenso Titanic, do caos definitivo, após o terrível choque com a geleira da ignorância? Esta é a realidade, quer concordemos, quer não.

Tiago de França

quinta-feira, 9 de abril de 2020

O mistério da última ceia do Senhor


“Derramou água numa bacia, pôs-se a lavar os pés dos discípulos e enxugava-os com a toalha que trazia à cintura” (Jo 13,5).
            Na última ceia do Senhor, encontramos Jesus lavando os pés de seus discípulos. O Senhor e mestre se inclina para lavar os pés de seus seguidores. Um gesto desconcertante, extraordinário e provocador. Não causaria estranheza se ocorresse o contrário: os discípulos lavando os pés de seu Mestre.
            Jesus faz o gesto e pergunta se eles compreenderam, e, em seguida, pede que façam a mesma coisa. O que significa este gesto? Na relação entre mestre e discípulo, segundo a compreensão da época, o mestre é superior ao discípulo; é aquele que ensina o que se deve fazer e como se deve viver. Portanto, havia uma relação de superioridade por parte do mestre, e de inferioridade por parte do discípulo. Uma relação de poder.
            Jesus ensina o contrário: O mestre é aquele que serve, sem dominar; ensina, sem se mostrar superior; inclina-se para ter outro ângulo de visão. Na comunidade cristã, o espírito de controle e dominação não deve encontrar lugar. Os pastores do povo de Deus não são senhores, dominadores nem donos do povo, mas servidores. São chamados a fazer como Jesus, atendendo ao que ele pediu: Inclinar-se para lavar os pés.
            A Igreja católica ensina que nesta quinta-feira da Semana Santa se celebra a instituição da Eucaristia e do sacerdócio ministerial. Em sintonia com o gesto do lava-pés é preciso dizer ao padres e bispos, com toda clareza: o povo é de Deus e a Igreja é de Jesus Cristo. Padres e bispos não são senhores, pois somente um é o Senhor: Jesus, o Cristo de Deus. Na Igreja, os ministros ordenados são servidores e devem ser tratados como servidores.
            A vivência da Eucaristia está no serviço aos irmãos. Quando afirmamos que a Eucaristia faz a Igreja, estamos dizendo que o serviço aos irmãos faz a Igreja. Na Eucaristia ouvimos Jesus dizer que ele está se doando: “Isto é o meu corpo que será entregue por vós...” O corpo e o sangue de Jesus são entregues para a remissão dos pecados e para que a vida se multiplique e se torne plena.
            Tomar parte na ceia do Senhor é uma grande responsabilidade, é sinônimo de adesão ao que Jesus é: Doação para a vida plena. Na Eucaristia, somos resgatados e elevados à dignidade de filhos e filhas de Deus; somos transformados em instrumentos do amor divino, único capaz de renovar todas as coisas. Na Eucaristia, todas as coisas são unificadas em Cristo; somos transformados em hóstias vivas. Assim, em nós e através de nós, Jesus penetra o mundo, recriando todas as coisas. A sua missão salvífica acontece.
            A fraternidade é o sinal eloquente da nossa participação no corpo e no sangue de Jesus. É a prova de que estamos em comunhão com ele. A fraternidade se revela na comunhão com Jesus, que acontece na comunhão com os irmãos. Por isso, quando comungamos na celebração eucarística e, posteriormente, dedicamo-nos às intrigas e à prática sistemática do mal, a graça oriunda da Eucaristia não permanece em nós. Na verdade, transparecemos uma grande mentira.
            Quem se recusa ao amor que gera fraternidade, presente na fecunda relação com os outros, e mesmo assim participa da comunhão eucarística, encontra-se numa profunda contradição. Aí está o sentido de comungar a própria condenação, expressa pelo apóstolo Paulo, quando fala de se comungar indignamente do corpo e do sangue do Senhor. Recusar-se ao amor é recusar-se ao próprio Deus presente na Eucaristia. Trata-se de uma negação de Deus, muito perigosa e inadmissível a qualquer cristão.
            Em tempos de pandemia do coronavírus, a ceia do Senhor poderá ser celebrada no seio de cada família cristã católica. É verdade que a celebração do mistério eucarístico não se encerra na celebração ritual, pois celebramos e vivenciamos esta celebração no cotidiano da vida, nos gestos e palavras que expressam o amor de Deus. Neste ano, acredita-se que esta consciência da celebração vivencial da Eucaristia seja mais clara e, portanto, evidente e fecunda.
            A atual situação nos mostra que a Eucaristia significa cuidado e proximidade, convivência amorosa e alegria de estar juntos. A fraternidade é a vivência destas coisas. No isolamento social, tendo em vista a preservação da própria vida e da vida dos outros, somos chamados a sermos pessoas eucarísticas, cuidando e se aproximando, convivendo na alegria de irmãos que vivem juntos. A fé em Jesus não pode ser vivenciada na solidão dos que se isolam para evitar a comunhão fraternidade, mas daqueles que se aproximam e permitem a proximidade.
            Ao redor da mesa, comendo e bebendo, Jesus ensina a comunhão fraterna, o verdadeiro sentido de ser Igreja no mundo. Quem sentar-se à mesa com Jesus, com ele estará comprometido e, assim, convidado desde já, para participar da grande festa da mesa do Reino de Deus, a qual se sentarão todos aqueles que atenderam ao chamado divino para viver amando a Deus e ao próximo. O amor revelado na Eucaristia é antecipação da participação na mesa do Reino de Deus; espécie de antegozo, mesmo que parcial, da festa sem fim que nos aguarda. Não há mistério mais belo, sublime e transformador, totalmente disponível para todos, sem exclusão de quem quer que seja.

Tiago de França

quarta-feira, 1 de abril de 2020

O recolhimento e a conversão


       Estamos vivendo tempos de pandemia. Um vírus, elemento invisível, intimida a humanidade e a obriga ao recolhimento. Este é oportunidade para reflexão, meditação e contemplação de Deus. No cristianismo, conhecemos a importância do recolhimento e da solidão. Tratar-se de um necessário movimento de interioridade, de voltar-se para dentro de si mesmo, de autoconhecimento.
            Certamente, muita gente se sente inquieta e incomodada. Estamos acostumados a viver voltados para fora, na extroversão. As sociedades ocidentais são barulhentas, agitadas, apressadas, tensas, dadas a movimentos intensos. De repente, foram obrigadas ao recolhimento. Apesar da Internet, da televisão e das redes sociais que ocupam a mente e “acalma” a tensão, os corpos humanos se encontram inquietos porque se sentem presos nas casas. Em muitos casos, presos à solidão das ruas, viadutos e praças.
            Não se tem notícia de pessoas que estão se dedicando à leitura, meditação e reflexão sobre a própria existência e a situação do mundo atual. A grande maioria está ocupada com o entretenimento das telas dos celulares, TVs e computadores. Outras estão ocupadas com o muito dormir, porque se sentem mais aliviadas e seguras no mundo do sono. Dormir é uma das formas de não enxergar o que está acontecendo. Mas muita gente acordada também está em um sono profundo, porque ainda falta o despertar para a realidade.
            Recolher-se é atitude corajosa. Na solidão contemplativa, a pessoa está diante de si mesma, tendo que encarar a sua verdade. Cada pessoa traz consigo a sua verdade, aquilo que verdadeiramente é. A verdade daquilo que se é significa a personalidade que, muitas vezes, escondemos dos outros: o nosso verdadeiro eu, nossa verdadeira identidade. O silêncio da solidão contemplativa faz aparecer esta identidade pessoal. Ter a coragem de permanecer diante da própria verdade, reconciliando-se com ela, aceitando-a, é uma experiência libertadora. É um encontro iluminador, um despertar para a vida.
            O confinamento é uma excelente oportunidade para um encontro consigo mesmo. Este encontro pode mudar o rumo da vida, porque gera novas posturas. Para os cristãos, seguidores de Jesus, o confinamento também significa experiência de Deus. Este Deus fala a partir de dentro, pois reside no mais íntimo do coração humano. Quando a pessoa mergulha em si mesma, no mais profundo de si poderá encontrar Deus. Ele é paciente, sabe esperar. É o Deus do encontro, que permanece, é o Revelador da nossa verdadeira identidade e felicidade. Feliz de quem o encontra e com ele permanece.
            Os cristãos católicos estão celebrando a Quaresma, tempo de recolhimento para uma escuta mais apurada da Palavra de Deus. Em poucos dias, celebrarão o mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus, o Cristo de Deus. Exceto os ministros ordenados e poucos auxiliares, todos celebrarão este mistério no recolhimento. Será uma experiência nova para muitos. Para outros, não será novidade porque nunca se ocuparam com a celebração deste mistério.
            Será que a celebração do mistério pascal de Cristo, centro da fé cristã, não vai provocar nenhuma transformação no interior daqueles que confessam a fé em Jesus, e que estão recolhidos? Será que esta feliz oportunidade de confinamento para um maior aprofundamento do ser cristão no mundo passará sem ser devidamente aproveitada? Até quando muitas pessoas adiarão o necessário e libertador encontro consigo mesmas? Este confinamento em decorrência da pandemia não provocará nenhum progresso espiritual? Após esse período de paixão e morte não se viverá a ressurreição? Até quando a humanidade insistirá em caminhar para o abismo, com olhos e ouvidos fechados, dominada pelo egoísmo gerador da cultura da morte?
            É tempo de conversão. Os apelos estão aí. Eles também estão em nós. Despertemos enquanto há tempo.
Tiago de França