“Recebei o Espírito Santo” (Jo
20,22).
Neste dia de Pentecostes, plenitude
da Páscoa, o que dizer sobre o Espírito Santo? À luz das Escrituras, com ênfase
no texto bíblico da liturgia da Igreja católica para este Domingo (cf. Jo
20,19-23), ousarei algumas afirmações sobre o Espírito Santo.
O Espírito é liberdade. O Espírito é
livre e libertador. A sua missão é libertar a humanidade do egoísmo que sempre
quis dominá-la. Este egoísmo trava as relações, gera indiferença e morte. Os que
se deixam guiar pelo Espírito já não se encontram sob o jugo do egoísmo, mas
são livres para permanecer no caminho que conduz aos outros. No encontro com os
outros, o mandamento de Jesus é vivido, na força do Espírito.
Considerando que o Espírito é livre,
então ninguém o domina, pois está em todos e em tudo. Não há necessidade que
alguém ou alguma instituição queira dominá-lo. Por isso, nenhuma pessoa ou
instituição dita ao Espírito a sua missão, pois ele sopra onde e quando quer. A
sua ação, revelada desde o Gênesis, indica a sua dinâmica: Surpreende sempre,
porque age fora dos esquemas humanos. Não há inteligência humana que consiga
conceituar o seu ser e seu agir.
O Espírito conduz à missão. Desde o
início, os cristãos perceberam que o Espírito é o guia da missão. Sem ele, esta
não existe. Portanto, fora do Espírito a missão perde o seu sentido, a sua
razão de ser. Sem ser guiado pelo Espírito, o cristão deixa de ser missionário
e se torna protagonista de si mesmo, alguém entregue à vaidade, centrado na
busca de seus interesses pessoais e institucionais.
Assim, é possível que muita gente
que pensa ser missionário, na verdade, é um buscador do sucesso e do êxito
pessoal. Às vezes, em nome do próprio Espírito, induz os outros ao engano e à
confusão. Este mesmo Espírito revela que o missionário que foi enviado por
Jesus e que permanece sob a ação do Espírito é aquela pessoa que age como
Jesus: Buscando o Reino de Deus e a sua justiça. É para a busca deste Reino que
o Espírito conduz o missionário. Este não procura outra coisa senão o Reino de
Deus.
O Espírito promove a unidade e concede a paz.
Ao longo da história, as pessoas sempre tiveram dificuldade de lidar com a
pluralidade. O diferente sempre foi visto como um incômodo. Daí decorre muitos
males: Inveja, competitividade, deslealdade, entre outros que constituem a cultura
da eliminação do outro. Saber conviver e tolerar a diversidade são graças do
Espírito Santo.
No seio das comunidades cristãs,
principalmente na Igreja católica, devido à sua constituição hierárquica, as
pessoas tendem a pensar que o Espírito promove a uniformidade: Todos devem agir
conforme uma única orientação, como se a vida fosse linear e, portanto,
uniforme. Hoje, pensar dessa forma, é pecar contra o Espírito Santo. A vida
humana e de toda a criação é plural. Basta olhar para a natureza, para enxergar
a beleza da biodiversidade.
A humanidade é formada pelo conjunto
da diversidade das culturas, línguas, religiões, ritos, preferências políticas
e ideológicas etc. As sociedades se organizam de forma diversa. São inúmeras as
formas de ser e de pensar. Em todas estas coisas, o cristão enxerga a ação do
Espírito, gerador da vida na multiplicidade de suas manifestações. Nenhuma destas
manifestações aparece como superior às demais. Todas são igualmente importantes
e belas. Ninguém suportaria o tédio de um mundo uniforme. É na pluralidade que
tudo pode ser enriquecido.
Quando o concílio Vaticano II
analisou a história da Igreja católica no mundo, voltando-se para a riqueza dos
ensinamentos promovidos e cultivados nas comunidades cristãs primitivas, logo
se deu conta de que é necessário reconhecer e promover a diversidade de ideias
e formas religiosas de ser. A partir daí se percebeu mais nitidamente a
diversidade das visões de mundo e formas de ser presentes na própria Igreja
católica e no mundo.
Em cada lugar, a Igreja possui um rosto próprio, mesmo
obedecendo, liturgicamente, a ritos pré-estabelecidos. O mesmo se pode dizer da
vivência das doutrinas: Há uma unificação doutrinal e uma diversidade de formas
de observar a mesma doutrina. Um italiano vive a realidade eucarística de forma
totalmente diferente de um africano. Os contextos são diversos, bem como são diferentes
as vivências eucarísticas.
O
Espírito concede o dom da fé e mantém o discípulo no caminho de Jesus. A fé
é dom de Deus concedido no Espírito. Sem a assistência do Espírito a fé não
sobrevive. Mesmo crendo em Jesus, o cristão permanece vivendo neste mundo,
marcado por tentações e fragilidades. Mesmo guiado pelo Espírito, permanece
exposto ao mal. Por isso, o cristão precisa entregar-se cada vez mais à ação do
Espírito, para, desse modo, tornar-se mais forte nas lutas internas que trava
consigo mesmo, superando a fragilidade de seu ser pecador.
As Escrituras revelam que esta fragilidade revelada nas
pessoas não é motivo para que o Espírito se afaste. Pelo contrário, porque são
frágeis, podem contar com a Sua força. Este Espírito é a força dos fracos. Ele permanece
fiel, apesar das infidelidades humanas. Todas as vezes que o Espírito é deixado
de lado, ou esquecido, as pessoas são dominadas por seus instintos egoístas e
se tornam capazes de toda espécie de mal. Na verdade, este Espírito está dentro
das pessoas, e desde dentro ele fala, sonda, fortalece, orienta, dá força,
revigora, ilumina, conduz... Basta silenciar para escutá-lo e se deixar conduzir.
Também a Igreja se equivocou muito quando deixou o Espírito
de lado. Os descaminhos da história da Igreja católica não são frutos do
Espírito, mas refletem a ausência de escuta e de obediência no Espírito. Muitas
vezes, a instituição eclesiástica buscou a satisfação de seus interesses,
vivendo, desse modo, não segundo o Espírito, mas, como diz o Papa Francisco, a
Igreja se deixou dominar pelo “mundanismo espiritual”. Este não é fruto do
Espírito, mas falsa aparência de vida espiritual.
Para se livrar deste terrível mal, que consiste na aparência
de uma fé que não existe, é necessário se colocar no caminho de Jesus. O teólogo
José Comblin dizia que ter fé é colocar-se no caminho de Jesus e nele
perseverar. O Espírito é quem coloca e mantém o discípulo neste caminho. Sem o
Espírito é impossível perseverar, pois fora dele a pessoa está entregue às suas
próprias fraquezas. Na vida cristã, o seguimento depende do Espírito, pois nele
o cristão pode afirmar, em sua vida, o senhorio de Jesus para a glória de Deus
Pai (cf. 1 Cor 12,3b).
Nestes tempos difíceis, marcados pela intolerância e pelas
crises econômica, política e ecológica, o caminho de Jesus permanece aberto e
desafiador. É o caminho que conduz ao Pai; caminho que não se encontra fora do
mundo, mas totalmente interligado com as desafiantes realidades da vida
pós-moderna. Todo aquele que escuta o Espírito passa a fazer parte deste caminho.
Neste, o cristão permanece com os outros, vivendo o amor que tudo transforma, santifica
e salva.
Neste caminho, o Espírito vai conduzindo o discípulo de
Cristo, transformando-o naquilo que Deus quer. É caminho de pacificação e
integração, de compromisso e de amizade, de alegria e encontro, de superação do
medo e da falta de sentido. No Espírito, o cristão é capaz de cumprir a vontade
de Deus, para encontrar-se, definitivamente, nele e, assim, ser salvo. Esta é a
paz e a perfeita alegria; festa sem fim. É o Reino se concretizando, desde
agora, rumo à plenitude. Viver segundo o Espírito é experimentar, já neste mundo,
a vida de ressuscitados, antecipação da gloriosa da condição dos filhos de Deus
na pátria futura.
Tiago de França