O conflito entre membros dos Poderes Executivo e Judiciário
tem levado muita gente a se perguntar sobre o significado do direito à
liberdade de expressão. Sem recorrer a termos técnicos do mundo jurídico,
próprios das peças jurídicas e do ambiente acadêmico, em breves linhas,
discorrerei sobre o assunto, com o intuito de esclarecer três pontos: 1. O
significado e o alcance do direito à liberdade de expressão; 2. A tendência à
absolutização deste direito; 3. Consequências jurídicas de sua violação.
1. Significado e alcance
O conflito entre os Poderes tem levado muita gente a opinar
sobre questões jurídicas, e tais opiniões, que podem ser livremente expressas,
muitas vezes, são contrárias à objetividade do significado dos direitos
fundamentais rigidamente delimitados pelo ordenamento jurídico pátrio. Em
outras palavras, é muita gente opinando sem conhecer o conteúdo jurídico dos
direitos, e isto tem gerado muita confusão.
Não é positivo o histórico do direito à liberdade de
expressão na história brasileira recente, especialmente no período
imediatamente anterior à Constituição da República de 1988. Na época da
ditadura militar, esse direito foi um dos mais violados, pois a censura era
livremente praticada por pessoas e órgãos do Estado. Esta situação levou a
Constituição de 1988 a tratar a questão de forma rígida, protegendo a liberdade
de expressão e incluído neste direito à liberdade de informação, de imprensa e
de manifestação do pensamento.
Não irei transcrever, mas recomendo a leitura do artigo 5º,
incisos IV, IX e XIV, bem como o artigo 220, parágrafos 1º e 2º da Constituição
de 1988, que falam do direito à livre expressão do pensamento e da atividade
intelectual; do direito ao acesso à informação, resguardado o sigilo da fonte;
e da vedação de toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e
artística. Isso significa que o Estado não pode censurar. Trata-se de uma
vedação constitucional.
A leitura e entendimento do texto constitucional nos
mostram, claramente, que todo cidadão é livre para se expressar, porque não se
pode falar de dignidade da pessoa humana excluindo a capacidade humana de se
expressar e o direito à livre expressão de ideias, sentimentos, aspirações,
preocupações, aprovação e contestação etc. Toda pessoa é um ser de fala e
enquanto tal tem o direito de se expressar e de ter acesso às falas dos outros.
O mesmo se refere às expressões artísticas, científicas etc.
Uma pessoa censurada na sua liberdade de expressão não
consegue realizar-se como pessoa, pois foi violentada em sua dignidade. Ninguém
pode ser reduzido ao silêncio, nem ser incriminado por ter manifestado seu
pensamento. As diversas formas de manifestação de expressão são protegidas pela
Constituição. Toda e qualquer violação destas formas de expressão deve ser
apreciada pelo Judiciário, para a necessária correção e, se for o caso, punição
de quem violou.
2. A tendência à absolutização do direito
à liberdade de expressão
Nenhum direito é absoluto. Esta é a regra básica. A própria
Constituição impõe alguns limites ao direito à liberdade de expressão, e um
deles está no inciso X do artigo 5º, que trata da obrigação/dever de se
respeitar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Este
limite corresponde ao direito à integridade moral que se encontra entre os
direitos da personalidade. O título I do Código Civil trata desses direitos.
Portanto, tanto o direito à liberdade de expressão quanto
os direitos de personalidade são constitucionais, não existindo hierarquia
entre eles. Quando estes direitos entram em conflito, ao analisar o caso
concreto, cabe ao juiz fazer a necessária ponderação. Há dois princípios
constitucionais que regem esta ponderação: os princípios da razoabilidade e o
da proporcionalidade.
3. Consequências jurídicas da violação do
direito à liberdade de expressão
Um exemplo para ilustrar, muito recorrente nos dias atuais:
Nas redes sociais, as pessoas tendem a falar o que quer, e logo argumentam,
quando questionadas, que estão exercendo o direito à liberdade de expressão.
Mas este entendimento e postura são equivocados. O direito à liberdade de
expressão não protege os excessos das pessoas, ou seja, nas redes sociais e
fora destas, ninguém tem o direito de falar o que quer, de forma ofensiva. Tal
direito não contempla a ofensa, decorrente dos excessos das pessoas.
Quando se atribui falsamente a alguém a autoria de um crime,
temos o crime de calúnia, previsto no artigo 138 do Código Penal, com previsão
de 6 meses a 2 anos de detenção e multa. Ex: José disse que Pedro desviou verba
pública, mas não apresenta provas da acusação; então José cometeu crime de
calúnia. A lei proíbe e pune toda pessoa que atribui a outra, falsamente, o
cometimento de um crime. Quem, sabendo que o fato é falso, divulga a calúnia,
também responde pelo mesmo crime.
Quando se atribui a alguém um fato ofensivo a sua
reputação, temos o crime de difamação. Neste caso, o fato ofensivo não é crime,
porque se fosse, o crime seria de calúnia. Ex: Expor, por mensagem de rede
social, a vida privada de alguém. Mesmo que o conteúdo ofensivo seja
verdadeiro, mas tal exposição é criminosa, pois ofendeu a honra da vítima. A
difamação é crime previsto no artigo 139 do Código Penal, com previsão de pena
de 3 meses a 1 ano de detenção e multa.
Quando alguém se dirige a outra pessoa de forma desonrosa,
utilizando-se de palavrões e xingamentos, gerando constrangimento ofensivo à
dignidade, comete crime de injúria. Este crime atinge a honra subjetiva da
pessoa e, por isso, não há necessidade que alguém conheça a ofensa. No caso da
calúnia e da difamação é necessário que terceiros tomem conhecimento da ofensa.
O crime de injúria está previsto no artigo 140 do Código Penal, com pena
prevista de 1 a 6 meses de detenção e multa.
Injuriar alguém por causa de sua cor, religião, etnia,
origem, condição de idoso, ou portador de deficiência, a pena é aumentada para
reclusão de 1 a 3 anos e multa, por se tratar de situações mais graves.
Calúnia, difamação e injúria são crimes contra a honra, que
ferem os direitos da personalidade. São crimes que retratam os excessos das
pessoas. Portanto, quem os comete não pode alegar exercício do direito à
liberdade de expressão.
Com exceção da injúria prevista no parágrafo 2º do artigo
140 do Código Penal, na situação em que a violência resultar em lesão corporal,
os crimes contra a honra somente se procede mediante queixa, por se tratar de
ação penal de iniciativa privada, ou seja, a vítima deve prestar queixa, dentro
do prazo de 6 meses, "contado do dia em que veio a saber quem é o autor do
crime, ou, no caso do § 3º do art. 100 deste Código, do dia em que se esgota o
prazo para oferecimento da denúncia" (Artigo 103 do Código Penal).
Desse modo, não é exagerada a recomendação de cuidado que
toda pessoa deve ter ao se expressar nas redes sociais (Facebook, Twitter,
WhatsApp, Instagram etc.) e fora delas. Estas redes são importantes para a
comunicação entre as pessoas, principalmente em tempos de pandemia, mas não
constituem "terra sem lei", onde se possa falar e proceder
ultrapassando os limites impostos pela Constituição, violando, assim, o direito
à integridade moral das pessoas.
Tiago de França
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