quinta-feira, 28 de maio de 2020

O DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO

O conflito entre membros dos Poderes Executivo e Judiciário tem levado muita gente a se perguntar sobre o significado do direito à liberdade de expressão. Sem recorrer a termos técnicos do mundo jurídico, próprios das peças jurídicas e do ambiente acadêmico, em breves linhas, discorrerei sobre o assunto, com o intuito de esclarecer três pontos: 1. O significado e o alcance do direito à liberdade de expressão; 2. A tendência à absolutização deste direito; 3. Consequências jurídicas de sua violação.
1. Significado e alcance
O conflito entre os Poderes tem levado muita gente a opinar sobre questões jurídicas, e tais opiniões, que podem ser livremente expressas, muitas vezes, são contrárias à objetividade do significado dos direitos fundamentais rigidamente delimitados pelo ordenamento jurídico pátrio. Em outras palavras, é muita gente opinando sem conhecer o conteúdo jurídico dos direitos, e isto tem gerado muita confusão.
Não é positivo o histórico do direito à liberdade de expressão na história brasileira recente, especialmente no período imediatamente anterior à Constituição da República de 1988. Na época da ditadura militar, esse direito foi um dos mais violados, pois a censura era livremente praticada por pessoas e órgãos do Estado. Esta situação levou a Constituição de 1988 a tratar a questão de forma rígida, protegendo a liberdade de expressão e incluído neste direito à liberdade de informação, de imprensa e de manifestação do pensamento.
Não irei transcrever, mas recomendo a leitura do artigo 5º, incisos IV, IX e XIV, bem como o artigo 220, parágrafos 1º e 2º da Constituição de 1988, que falam do direito à livre expressão do pensamento e da atividade intelectual; do direito ao acesso à informação, resguardado o sigilo da fonte; e da vedação de toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. Isso significa que o Estado não pode censurar. Trata-se de uma vedação constitucional.
A leitura e entendimento do texto constitucional nos mostram, claramente, que todo cidadão é livre para se expressar, porque não se pode falar de dignidade da pessoa humana excluindo a capacidade humana de se expressar e o direito à livre expressão de ideias, sentimentos, aspirações, preocupações, aprovação e contestação etc. Toda pessoa é um ser de fala e enquanto tal tem o direito de se expressar e de ter acesso às falas dos outros. O mesmo se refere às expressões artísticas, científicas etc.
Uma pessoa censurada na sua liberdade de expressão não consegue realizar-se como pessoa, pois foi violentada em sua dignidade. Ninguém pode ser reduzido ao silêncio, nem ser incriminado por ter manifestado seu pensamento. As diversas formas de manifestação de expressão são protegidas pela Constituição. Toda e qualquer violação destas formas de expressão deve ser apreciada pelo Judiciário, para a necessária correção e, se for o caso, punição de quem violou.
2. A tendência à absolutização do direito à liberdade de expressão
Nenhum direito é absoluto. Esta é a regra básica. A própria Constituição impõe alguns limites ao direito à liberdade de expressão, e um deles está no inciso X do artigo 5º, que trata da obrigação/dever de se respeitar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Este limite corresponde ao direito à integridade moral que se encontra entre os direitos da personalidade. O título I do Código Civil trata desses direitos.
Portanto, tanto o direito à liberdade de expressão quanto os direitos de personalidade são constitucionais, não existindo hierarquia entre eles. Quando estes direitos entram em conflito, ao analisar o caso concreto, cabe ao juiz fazer a necessária ponderação. Há dois princípios constitucionais que regem esta ponderação: os princípios da razoabilidade e o da proporcionalidade.
3. Consequências jurídicas da violação do direito à liberdade de expressão
Um exemplo para ilustrar, muito recorrente nos dias atuais: Nas redes sociais, as pessoas tendem a falar o que quer, e logo argumentam, quando questionadas, que estão exercendo o direito à liberdade de expressão. Mas este entendimento e postura são equivocados. O direito à liberdade de expressão não protege os excessos das pessoas, ou seja, nas redes sociais e fora destas, ninguém tem o direito de falar o que quer, de forma ofensiva. Tal direito não contempla a ofensa, decorrente dos excessos das pessoas.
Quando se atribui falsamente a alguém a autoria de um crime, temos o crime de calúnia, previsto no artigo 138 do Código Penal, com previsão de 6 meses a 2 anos de detenção e multa. Ex: José disse que Pedro desviou verba pública, mas não apresenta provas da acusação; então José cometeu crime de calúnia. A lei proíbe e pune toda pessoa que atribui a outra, falsamente, o cometimento de um crime. Quem, sabendo que o fato é falso, divulga a calúnia, também responde pelo mesmo crime.
Quando se atribui a alguém um fato ofensivo a sua reputação, temos o crime de difamação. Neste caso, o fato ofensivo não é crime, porque se fosse, o crime seria de calúnia. Ex: Expor, por mensagem de rede social, a vida privada de alguém. Mesmo que o conteúdo ofensivo seja verdadeiro, mas tal exposição é criminosa, pois ofendeu a honra da vítima. A difamação é crime previsto no artigo 139 do Código Penal, com previsão de pena de 3 meses a 1 ano de detenção e multa.
Quando alguém se dirige a outra pessoa de forma desonrosa, utilizando-se de palavrões e xingamentos, gerando constrangimento ofensivo à dignidade, comete crime de injúria. Este crime atinge a honra subjetiva da pessoa e, por isso, não há necessidade que alguém conheça a ofensa. No caso da calúnia e da difamação é necessário que terceiros tomem conhecimento da ofensa. O crime de injúria está previsto no artigo 140 do Código Penal, com pena prevista de 1 a 6 meses de detenção e multa.
Injuriar alguém por causa de sua cor, religião, etnia, origem, condição de idoso, ou portador de deficiência, a pena é aumentada para reclusão de 1 a 3 anos e multa, por se tratar de situações mais graves.
Calúnia, difamação e injúria são crimes contra a honra, que ferem os direitos da personalidade. São crimes que retratam os excessos das pessoas. Portanto, quem os comete não pode alegar exercício do direito à liberdade de expressão.
Com exceção da injúria prevista no parágrafo 2º do artigo 140 do Código Penal, na situação em que a violência resultar em lesão corporal, os crimes contra a honra somente se procede mediante queixa, por se tratar de ação penal de iniciativa privada, ou seja, a vítima deve prestar queixa, dentro do prazo de 6 meses, "contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do § 3º do art. 100 deste Código, do dia em que se esgota o prazo para oferecimento da denúncia" (Artigo 103 do Código Penal).
Desse modo, não é exagerada a recomendação de cuidado que toda pessoa deve ter ao se expressar nas redes sociais (Facebook, Twitter, WhatsApp, Instagram etc.) e fora delas. Estas redes são importantes para a comunicação entre as pessoas, principalmente em tempos de pandemia, mas não constituem "terra sem lei", onde se possa falar e proceder ultrapassando os limites impostos pela Constituição, violando, assim, o direito à integridade moral das pessoas.

Tiago de França

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