segunda-feira, 1 de junho de 2020

É hora de flexibilizar o isolamento social no Brasil?


         Nenhum país do mundo, exceto o Brasil, tomou a iniciativa de flexibilizar o isolamento social quando o número de mortes por Covid-19 e contágio do novo coronavírus cresceu assustadoramente. Este é um dado preocupante. Temos que apelar para o bom senso. O problema é quando este não faz parte da vida de milhões de pessoas. A situação piora quando a falta de bom senso domina os âmbitos político e empresarial. Mas a questão vai além do bom senso. É preciso parar e pensar.
            O chefe de operações de emergências da Organização da Saúde (OMS), Michael Ryan, afirmou que não é possível, ainda, prever quando a América do Sul atingirá o pico da transmissão do novo coronavírus. O Brasil está liderando os dez locais com maior transmissão no mundo. Colômbia, Chile, Peru, México, Haiti, Argentina e Bolívia são países nos quais a situação também é muito grave. Michael Ryan se pronunciou hoje, 1º de junho de 2020.
O Brasil já passou de 500 mil casos confirmados. Nas últimas 24 horas, o Ministério da Saúde informou que foram mais 12.247 novos diagnósticos. As mortes por Covid-19 já somam 29.937. O Norte e o Nordeste lideram o crescimento de novos casos confirmados e mortes. Miguel Nicolelis, coordenador do Comitê do Consórcio Nordeste e um dos maiores neurocientistas do mundo, afirma que a alta de novos casos e mortes se deve aos baixos índices de isolamento social.
O Chile tem chamado a atenção devido ao aumento da propagação do novo coronavírus. De 1º de maio a 1º de junho, os casos aumentaram mais de 500% e as mortes passaram de 234 para 1.113. A causa foi a flexibilização da quarentena. Na América do Sul, o Chile é um exemplo de que a flexibilização do isolamento social no momento errado pode ser desastrosa.
No Brasil, o caso de flexibilização que mais chama a atenção é o do Rio de Janeiro. Este estado chegou a mais de 5 mil mortes e 53 mil casos confirmados. Contrariando a OMS, o Ministério da Saúde, e ignorando os números de casos e mortes, o prefeito do Rio de Janeiro anunciou a flexibilização gradual do isolamento social a partir de amanhã, dia 2 de junho. Detalhe importante a ser considerado: o prefeito do Rio de Janeiro é aliado político do presidente Bolsonaro e é bispo da Igreja Universal do Reino de Deus. O presidente é contrário ao isolamento social, tal como a OMS tem recomendado.
            Considerando o número crescente de mortes e casos confirmados, bem como a subnotificação, que precisa também ser levada em conta, pois o Brasil não realizou testes em todos os brasileiros; considerando também o alerta da OMS, a flexibilização do isolamento social neste momento é medida que vai agravar cada vez mais a situação.
Países como Itália, Alemanha, França e Inglaterra somente deram início à flexibilização quando o número de mortes e casos confirmados diminuiu, significativamente. Nenhum deles saiu do isolamento social de forma arriscada e irresponsável como está acontecendo no Brasil.
            Logo quando o novo coronavírus chegou ao Brasil, o presidente da República se posicionou contra o isolamento social. Segundo o presidente, a economia é mais importante que a vida. Afirmou também, várias vezes, que 70% dos brasileiros iriam ser infectados pelo vírus, e que muita gente iria morrer. Suas falas mostram a total falta de compromisso com a situação. O presidente parece achar normal que milhares de pessoas morram. Em 20 de abril, quando perguntado sobre os mortos, respondeu, categoricamente: “Não sou coveiro, tá?” Esta expressão retrata o nível da sensibilidade do presidente com a terrível situação do povo brasileiro.
            Em nome da economia que favorece os mais ricos que formam a elite econômica do País, a flexibilização está sendo, progressivamente, adotada no momento errado. O discurso de que a economia está quebrando é falacioso, porque já bem antes da pandemia a economia brasileira estava se arrastando. O desemprego e a fome já assolavam o País. É impossível que uma pandemia não afete a economia mundial. Isto é inevitável. Apesar disso, deve-se, em primeiro lugar, cuidar da vida das pessoas. Não é possível uma economia forte em plena pandemia. Nesta, o vírus é o inimigo, e a vida precisa ser salva da morte.
            A realidade mostra que a situação do Brasil é politicamente tão caótica que o País não está sabendo nem combater um vírus! Na verdade, os que realmente entendem de saúde, sabem trabalhar e estão empenhados na luta contra o vírus. O problema é parte da classe política, intimamente alinhada com os interesses dos grandes grupos econômicos que dominam a economia nacional. Essa gente precisa chamar a classe trabalhadora de volta ao batente. Os mais ricos gostam de ver os pobres trabalhando, para manter seus lucros e privilégios. Em troca, esses trabalhadores, em sua maioria, recebem um salário mínimo, ou pouco mais que isso, para sobreviver. A isso chamam de economia.
            Se todos voltam à tão exigida “normalidade”, quem já está e continuará mais exposto ao risco de morte? Os mais pobres. Quem não tem a garantia de uma UTI para escapar da morte, caso a situação se complique? Os mais pobres. A quem interessa, em primeiro lugar, o retorno à “normalidade”? À elite econômica. Segundo os números, quem mais está sendo atingido pela pandemia do novo coronavírus? Os mais pobres. Qual o momento ideal para a retomada da tão reclamada “normalidade”? Quando o número de casos confirmados e mortos diminuir, significativamente.
            Curiosamente, no Rio de Janeiro, por pertencer à Igreja Universal do Reino de Deus, o prefeito Marcelo Crivella incluiu a abertura de templos religiosos no que chamou de plano de reabertura da economia e redução das medidas de isolamento social. Eis uma pergunta: Desde quando os templos religiosos integram atividade essencial, que contribui, significativamente, para a recuperação da economia? É algo muito questionável. Se esperaram até o momento, não poderiam esperar mais um pouco?
            Em matéria religiosa, a economia vale mais do que a vida? À luz da fé cristã, as Igrejas agem corretamente, aderindo ao discurso oficial da elite econômica que domina o País? É correto expor as pessoas ao risco de contágio, reabrindo os templos religiosos para prestar culto a Deus? Onde está a virtude da prudência e o senso de responsabilidade? Será que o cristianismo desapareceria se as Igrejas continuassem aderindo ao necessário isolamento social neste período tão grave da pandemia no Brasil? Por que o desespero em reabrir os templos? Será que líderes e fieis não conseguem ser resilientes por alguns meses? E a fé em Jesus, somente se expressa no culto?
            A vida é dom e responsabilidade. É preciso cuidar, com calma e paciência. Toda ação precisa salvaguardar a vida das pessoas, especialmente a vida dos mais fracos. A religião precisa permanecer do lado dos mais frágeis. Quando não se leva em consideração a vida, então já não há religião, mas opressão.
Aos cristãos, é preciso recordar o que diz a Escritura: “Tudo tem seu tempo. Há um momento oportuno para cada coisa debaixo do céu” (Eclesiastes 3,1). O momento atual não é oportuno para flexibilizar o isolamento social. O tempo é de recolhimento. Bastam os serviços essenciais, que não podem faltar. Muitas pessoas já perderam a sua vida. É tempo de viver e de deixar viver. É preciso cuidar das pessoas.
Tiago de França

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