Desde os
tempos primitivos, a Igreja conta com uma diversidade de dons e carismas na
construção do Reino de Deus. O apóstolo Paulo nos recorda esta verdade, ao
dizer: “Há diversidade de dons, mas o
Espírito é o mesmo. Há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. Há
diferentes atividades, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. A cada um
é dada a manifestação do Espírito, em vista do bem de todos” (1Cor 12,4-7).
Inspirados nestas palavras do
apóstolo Paulo, quero, neste mês de agosto, refletir sobre o tema das vocações
na diversidade de suas manifestações. Neste breve texto, discorrerei sobre a vocação do diácono. Posteriormente,
escreverei sobre as vocações presbiteral e episcopal. São ministérios
específicos que existem em função do povo de Deus e da construção do Reino. Estas
vocações não existem em função de pessoas, grupos ou interesses particulares,
mas constituem ministérios “em vista do
bem de todos”.
1. Os diáconos são expressão do Cristo
Servidor
A
vocação diaconal tem sua origem na Igreja primitiva. Portanto, é tão antiga
quanto a própria Igreja. No livro dos Atos dos Apóstolos encontramos um problema
na comunidade: “os fiéis de língua grega
começaram a queixar-se dos fiéis de língua hebraica”. E o motivo era que as
viúvas estavam sendo deixadas de lado no atendimento diário. Então os apóstolos
discutiram uma solução, e acharam por bem pedir que escolhessem “homens de boa reputação, cheios do Espírito
e de sabedoria”, para que cuidassem do “serviço
às mesas” (cf. At 6,1-6).
A proposta agradou a todos, e foram
escolhidos Estevão, “homem cheio de fé e
do Espírito Santo”, Filipe, Prócoro, Nicanor, Tímon, Pármenas e Nicolau de
Antioquia, que era prosélito. Pelos nomes, percebe-se que eram gregos. Eis,
portanto, duas características que todo diácono deve ter: Boa reputação e ser
cheio do Espírito e de sabedoria. Isso significa que não é qualquer pessoa que
pode exercer esse ministério, mas aqueles que são chamados por Deus a este
sagrado serviço, e são confirmados pela Igreja.
O texto diz que foram escolhidos
para atender as pessoas, ajudando-as em suas necessidades. A caridade
evangélica é a marcada do serviço diaconal. O livro de Atos também revela que
os diáconos também pregavam. O anúncio do Evangelho integra todas as vocações
na Igreja. Todas estão em função deste anúncio, sem o qual a Igreja perde a sua
razão de existir.
Com a institucionalização
eclesiástica e com o passar do tempo, o ministério do diácono permanente foi sendo
marginalizado na vida eclesial. A história do sacramento da Ordem revela isso. O
diaconato transitório passou a ser a expressão evidente do ministério diaconal
na Igreja. Entende-se por diaconato transitório a situação do candidato às
ordens sacras, que tendo concluído a formação inicial, é ordenado diácono para
um período determinado, com duração mínima de seis meses. Dependendo da necessidade
e do discernimento do Bispo, o diácono pode ser ordenado presbítero antes dos
seis meses.
2. A restauração do diaconato permanente
na Igreja
O concílio Vaticano II (1962-1965)
restaurou o diaconato permanente na Igreja católica. A constituição dogmática Lumen Gentium – sobre a Igreja, no n. 29
afirma o seguinte: “Em grau inferior da
hierarquia estão os diáconos, aos quais foram impostas as mãos ‘não em ordem ao
sacerdócio, mas ao ministério’. Pois que, fortalecidos com a graça sacramental,
servem o Povo de Deus em união com o Bispo e o seu presbitério, no ministério
da Liturgia, da palavra e da caridade. É próprio do diácono, segundo for
cometido pela competente autoridade, administrar solenemente o Batismo, guardar
e distribuir a Eucaristia, assistir e abençoar o Matrimónio em nome da Igreja,
levar o viático aos moribundos, ler aos fiéis a Sagrada Escritura, instruir e
exortar o povo, presidir ao culto e à oração dos fiéis, administrar os
sacramentais, dirigir os ritos do funeral e da sepultura. Consagrados aos
ofícios da caridade e da administração, lembrem-se os diáconos da recomendação
de S. Policarpo: ‘misericordiosos, diligentes, caminhando na verdade do Senhor,
que se fez servo de todos’”.
Assim como em Atos 6,6, os Bispos impõem
suas mãos sobre o diácono no momento da ordenação. Juntamente com a oração
própria, esse gesto consagra o diácono para servir o povo de Deus,
imprimindo-lhe um caráter indelével, concedido pela graça sacramental. A imposição
das mãos não “em ordem ao sacerdócio, mas
ao ministério”, ou seja, o diácono permanente não é um padre pela metade,
mas um ministro ordenado para o exercício de funções específicas, em comunhão
com o Bispo e o presbitério, sem ser confundido com os leigos, nem com os
presbíteros.
O diácono serve o povo de Deus no
ministério da Liturgia, da palavra e da caridade. Havendo diácono na celebração
eucarística, pertencem a ele as funções de proclamar o Evangelho e preparar o
altar para a apresentação das oferendas. Querendo, o presbítero pode pedir que o
diácono também faça a homilia. Na liturgia eucarística somente o diácono, o
presbítero e o Bispo podem fazer a homilia. A Lumen Gentium, como se pode conferir acima, faz questão de
explicitar outras funções do diácono, estabelecendo, assim, o que compete a
esse ministro da Igreja.
Os diáconos permanentes também podem
se ocupar com a administração, de acordo com as necessidades da Igreja e as
diretrizes do Bispo. O número 29 do mesmo documento, termina dizendo o que
segue: “Como porém, estes ofícios, muito
necessários para a vida da Igreja na disciplina atual da Igreja latina,
dificilmente podem ser exercidos em muitas regiões, o diaconado poderá ser,
para o futuro, restaurado como grau próprio e permanente da Hierarquia. Às
diversas Conferências episcopais territoriais competentes cabe decidir, com a
aprovação do Sumo Pontífice, se e onde é oportuno instituir tais diáconos para
a cura das almas. Com o consentimento do Romano Pontífice, poderá este
diaconado ser conferido a homens de idade madura, mesmo casados, e a jovens
idóneos; em relação a estes últimos, porém, permanece em vigor a lei do
celibato”.
3. Algumas prescrições canônicas
Canonicamente, o diácono é um
clérigo incardinado em uma Igreja particular (cf. cânon 266, §1 do Código de
Direito Canônico – CDC). Portanto, não é um sacristão qualificado nem um
mini-padre. Os números 47 e 48 das diretrizes para a formação do diaconato
permanente (documento da CNBB 96) afirmam que o diaconato faz parte do
sacramento da Ordem e os diáconos exercem seu ministério a partir de uma graça
sacramental. A Ordem confere uma graça especial do Espírito Santo para que o
ministro, em sua realidade pessoal e histórico-cultural, seja imagem de Cristo
Servo.
Os diáconos permanentes são
dispensados de algumas obrigações impostas aos presbíteros e Bispos, tais como:
Não são obrigados a usar o hábito eclesiástico que distinguem, exteriormente,
os clérigos dos leigos (batina, clergyman);
podem exercer funções/atividades seculares proibidas aos presbíteros e Bispos,
como filiação partidária e sindical e atividades de comércio; “salvo determinação contrária do direito
particular” (cf. cânon 288 do CDC).
No caso daqueles que são ordenados
diáconos em vista do sacerdócio ministerial, pede-se que o candidato conheça
bem a natureza e as exigências do diaconato. Recorda-se também que, ao pedir a
ordenação, o candidato deve compreender e aceitar a observância do celibato. Na
ordenação, promete-se esta observância. Tendo aceito as exigências e solicitado
a ordenação, deve o candidato estar consciente do tríplice múnus que
caracteriza o diaconato: a Palavra, a Liturgia e a Caridade (cf. o n. 348 das diretrizes
para a formação dos presbíteros da Igreja no Brasil – Documentos da CNBB 110).
Infelizmente, devido à falta de
entendimento do significado e importância do ministério diaconal por parte de
muitos clérigos e leigos, muitos diáconos permanentes não são devidamente
respeitados e valorizados. Muitos fiéis, desprovidos do necessário conhecimento
deste ministério, recusam-se a participar das celebrações presididas por
diáconos permanentes. Também muitos presbíteros apresentam algumas
resistências, mesmo tendo sido diáconos transitórios.
Em muitos casos, há uma espécie de preconceito em relação
aos diáconos permanentes. Essa realidade, que chega a ser vergonhosa, reclama
por formação e conscientização. A rejeição dos diáconos permanentes é prova
incontestável da falta de conhecimento do significado e importância dos
ministérios na Igreja. Esta é toda ministerial para o serviço do povo de Deus. No
centro da comunidade eclesial está Jesus, e não a pessoa dos membros da
hierarquia eclesiástica. Estes são chamados a ser os servidores da comunidade,
a exemplo do Cristo Servidor, “que não
veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por muitos” (Mt
20,28).
Tiago de França
Nenhum comentário:
Postar um comentário