segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Mês vocacional: A vocação do diácono na Igreja católica


           Desde os tempos primitivos, a Igreja conta com uma diversidade de dons e carismas na construção do Reino de Deus. O apóstolo Paulo nos recorda esta verdade, ao dizer: “Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo. Há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. Há diferentes atividades, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. A cada um é dada a manifestação do Espírito, em vista do bem de todos” (1Cor 12,4-7).
            Inspirados nestas palavras do apóstolo Paulo, quero, neste mês de agosto, refletir sobre o tema das vocações na diversidade de suas manifestações. Neste breve texto, discorrerei sobre a vocação do diácono. Posteriormente, escreverei sobre as vocações presbiteral e episcopal. São ministérios específicos que existem em função do povo de Deus e da construção do Reino. Estas vocações não existem em função de pessoas, grupos ou interesses particulares, mas constituem ministérios “em vista do bem de todos”.

1. Os diáconos são expressão do Cristo Servidor
            A vocação diaconal tem sua origem na Igreja primitiva. Portanto, é tão antiga quanto a própria Igreja. No livro dos Atos dos Apóstolos encontramos um problema na comunidade: “os fiéis de língua grega começaram a queixar-se dos fiéis de língua hebraica”. E o motivo era que as viúvas estavam sendo deixadas de lado no atendimento diário. Então os apóstolos discutiram uma solução, e acharam por bem pedir que escolhessem “homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria”, para que cuidassem do “serviço às mesas” (cf. At 6,1-6).
            A proposta agradou a todos, e foram escolhidos Estevão, “homem cheio de fé e do Espírito Santo”, Filipe, Prócoro, Nicanor, Tímon, Pármenas e Nicolau de Antioquia, que era prosélito. Pelos nomes, percebe-se que eram gregos. Eis, portanto, duas características que todo diácono deve ter: Boa reputação e ser cheio do Espírito e de sabedoria. Isso significa que não é qualquer pessoa que pode exercer esse ministério, mas aqueles que são chamados por Deus a este sagrado serviço, e são confirmados pela Igreja.
            O texto diz que foram escolhidos para atender as pessoas, ajudando-as em suas necessidades. A caridade evangélica é a marcada do serviço diaconal. O livro de Atos também revela que os diáconos também pregavam. O anúncio do Evangelho integra todas as vocações na Igreja. Todas estão em função deste anúncio, sem o qual a Igreja perde a sua razão de existir.
            Com a institucionalização eclesiástica e com o passar do tempo, o ministério do diácono permanente foi sendo marginalizado na vida eclesial. A história do sacramento da Ordem revela isso. O diaconato transitório passou a ser a expressão evidente do ministério diaconal na Igreja. Entende-se por diaconato transitório a situação do candidato às ordens sacras, que tendo concluído a formação inicial, é ordenado diácono para um período determinado, com duração mínima de seis meses. Dependendo da necessidade e do discernimento do Bispo, o diácono pode ser ordenado presbítero antes dos seis meses.

2. A restauração do diaconato permanente na Igreja
            O concílio Vaticano II (1962-1965) restaurou o diaconato permanente na Igreja católica. A constituição dogmática Lumen Gentium – sobre a Igreja, no n. 29 afirma o seguinte: “Em grau inferior da hierarquia estão os diáconos, aos quais foram impostas as mãos ‘não em ordem ao sacerdócio, mas ao ministério’. Pois que, fortalecidos com a graça sacramental, servem o Povo de Deus em união com o Bispo e o seu presbitério, no ministério da Liturgia, da palavra e da caridade. É próprio do diácono, segundo for cometido pela competente autoridade, administrar solenemente o Batismo, guardar e distribuir a Eucaristia, assistir e abençoar o Matrimónio em nome da Igreja, levar o viático aos moribundos, ler aos fiéis a Sagrada Escritura, instruir e exortar o povo, presidir ao culto e à oração dos fiéis, administrar os sacramentais, dirigir os ritos do funeral e da sepultura. Consagrados aos ofícios da caridade e da administração, lembrem-se os diáconos da recomendação de S. Policarpo: ‘misericordiosos, diligentes, caminhando na verdade do Senhor, que se fez servo de todos’”.
            Assim como em Atos 6,6, os Bispos impõem suas mãos sobre o diácono no momento da ordenação. Juntamente com a oração própria, esse gesto consagra o diácono para servir o povo de Deus, imprimindo-lhe um caráter indelével, concedido pela graça sacramental. A imposição das mãos não “em ordem ao sacerdócio, mas ao ministério”, ou seja, o diácono permanente não é um padre pela metade, mas um ministro ordenado para o exercício de funções específicas, em comunhão com o Bispo e o presbitério, sem ser confundido com os leigos, nem com os presbíteros.
            O diácono serve o povo de Deus no ministério da Liturgia, da palavra e da caridade. Havendo diácono na celebração eucarística, pertencem a ele as funções de proclamar o Evangelho e preparar o altar para a apresentação das oferendas. Querendo, o presbítero pode pedir que o diácono também faça a homilia. Na liturgia eucarística somente o diácono, o presbítero e o Bispo podem fazer a homilia. A Lumen Gentium, como se pode conferir acima, faz questão de explicitar outras funções do diácono, estabelecendo, assim, o que compete a esse ministro da Igreja.
            Os diáconos permanentes também podem se ocupar com a administração, de acordo com as necessidades da Igreja e as diretrizes do Bispo. O número 29 do mesmo documento, termina dizendo o que segue: “Como porém, estes ofícios, muito necessários para a vida da Igreja na disciplina atual da Igreja latina, dificilmente podem ser exercidos em muitas regiões, o diaconado poderá ser, para o futuro, restaurado como grau próprio e permanente da Hierarquia. Às diversas Conferências episcopais territoriais competentes cabe decidir, com a aprovação do Sumo Pontífice, se e onde é oportuno instituir tais diáconos para a cura das almas. Com o consentimento do Romano Pontífice, poderá este diaconado ser conferido a homens de idade madura, mesmo casados, e a jovens idóneos; em relação a estes últimos, porém, permanece em vigor a lei do celibato”.

3. Algumas prescrições canônicas
            Canonicamente, o diácono é um clérigo incardinado em uma Igreja particular (cf. cânon 266, §1 do Código de Direito Canônico – CDC). Portanto, não é um sacristão qualificado nem um mini-padre. Os números 47 e 48 das diretrizes para a formação do diaconato permanente (documento da CNBB 96) afirmam que o diaconato faz parte do sacramento da Ordem e os diáconos exercem seu ministério a partir de uma graça sacramental. A Ordem confere uma graça especial do Espírito Santo para que o ministro, em sua realidade pessoal e histórico-cultural, seja imagem de Cristo Servo.
            Os diáconos permanentes são dispensados de algumas obrigações impostas aos presbíteros e Bispos, tais como: Não são obrigados a usar o hábito eclesiástico que distinguem, exteriormente, os clérigos dos leigos (batina, clergyman); podem exercer funções/atividades seculares proibidas aos presbíteros e Bispos, como filiação partidária e sindical e atividades de comércio; “salvo determinação contrária do direito particular” (cf. cânon 288 do CDC).
            No caso daqueles que são ordenados diáconos em vista do sacerdócio ministerial, pede-se que o candidato conheça bem a natureza e as exigências do diaconato. Recorda-se também que, ao pedir a ordenação, o candidato deve compreender e aceitar a observância do celibato. Na ordenação, promete-se esta observância. Tendo aceito as exigências e solicitado a ordenação, deve o candidato estar consciente do tríplice múnus que caracteriza o diaconato: a Palavra, a Liturgia e a Caridade (cf. o n. 348 das diretrizes para a formação dos presbíteros da Igreja no Brasil – Documentos da CNBB 110).
            Infelizmente, devido à falta de entendimento do significado e importância do ministério diaconal por parte de muitos clérigos e leigos, muitos diáconos permanentes não são devidamente respeitados e valorizados. Muitos fiéis, desprovidos do necessário conhecimento deste ministério, recusam-se a participar das celebrações presididas por diáconos permanentes. Também muitos presbíteros apresentam algumas resistências, mesmo tendo sido diáconos transitórios.
Em muitos casos, há uma espécie de preconceito em relação aos diáconos permanentes. Essa realidade, que chega a ser vergonhosa, reclama por formação e conscientização. A rejeição dos diáconos permanentes é prova incontestável da falta de conhecimento do significado e importância dos ministérios na Igreja. Esta é toda ministerial para o serviço do povo de Deus. No centro da comunidade eclesial está Jesus, e não a pessoa dos membros da hierarquia eclesiástica. Estes são chamados a ser os servidores da comunidade, a exemplo do Cristo Servidor, “que não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por muitos” (Mt 20,28).

Tiago de França

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