A teologia
do ministério presbiteral revela a beleza desse ministério para a vida da
Igreja. O presbítero (padre) é “o amor do
coração de Jesus”, nos diz São João Maria Vianney, padroeiro dos padres. Trata-se
de uma vocação que “brota do coração de
Deus e germina na terra boa do povo fiel, na experiência do amor fraterno”,
ensina o Papa Francisco. Portanto, não existe padre para si mesmo, mas para o
povo de Deus. Assim, deve o padre amar o povo de Deus com o mesmo amor com que
ama Jesus Cristo.
Neste artigo, discorrei sobre o
ministério presbiteral a partir de dois documentos do concílio Vaticano II, que
explicitam, com fidelidade, a vida e a missão do presbítero na Igreja. São documentos
importantes, que merecem ser conhecidos, pois é impensável que o católico
desconheça o significado, importância e alcance da vida e missão dos Pastores
do povo de Deus. Quanto mais se conhece, mais se respeita e valoriza.
1. O presbítero no início da Igreja
No
Novo Testamento, especialmente em algumas cartas paulinas e nos Atos dos Apóstolos,
encontramos referências ao ministério do presbítero, que aparecem como “anciãos”
das comunidades, cuidando das pessoas, vivendo de forma colegiada, presidindo,
pregando e ensinando a doutrina cristã.
Daí decorrem algumas características
do ministério presbiteral, a saber: O padre é chamado a cuidar das pessoas.
Esse cuidado não se reduz à dimensão espiritual, mas, também, à assistência
material, na caridade evangélica.
O padre não exerce sozinho a sua
missão, mas é membro do povo de Deus e de um presbitério (conjunto de
presbíteros ligados ao Bispo). Isso significa que o padre deve evitar o
isolamento, e procurar relacionar-se bem com as pessoas, com seus irmãos padres
e com o Bispo. Ao isolar-se, aparecem os problemas, que tendem a se agravar e
inviabilizar a missão presbiteral.
Sob a autoridade do Bispo, o padre
preside a comunidade cristã, sem autoritarismo nem com atitude de dono. O padre
não é dono da vida das pessoas, nem da comunidade. Presidir é coordenar,
orientar, guiar, sugerir, organizar os trabalhos, acompanhar, permitir que as
pessoas possam colaborar livremente, animar a comunidade.
Os textos neotestamentários falam
que os presbíteros eram homens da pregação da Palavra de Deus e do ensino da
doutrina. Cabe ao padre a pregação do Evangelho de Cristo, com palavras e com o
testemunho da própria vida. Na celebração eucarística, principalmente aos
domingos, festas e solenidades, o padre deve fazer uma boa homilia.
Esta é muito importante, pois, segundo o Papa Francisco, a
homilia “é o ponto de comparação para
avaliar a proximidade e a capacidade de encontro de um Pastor com o seu povo.
De facto, sabemos que os fiéis lhe dão muita importância; e, muitas vezes,
tanto eles como os próprios ministros ordenados sofrem: uns a ouvir e os outros
a pregar. É triste que assim seja. A homilia pode ser, realmente, uma
experiência intensa e feliz do Espírito, um consolador encontro com a Palavra,
uma fonte constante de renovação e crescimento” (cf. os números 135 a 144
da exortação apostólica Evangelii Gaudium).
Deve o padre ser um homem versado nas coisas de Deus. Para isso,
o período de formação é longo e marcado por inúmeras reflexões filosóficas,
bíblicas, teológicas e espirituais. Uma vez tendo se empenhado na formação
inicial, o padre se apresenta como conhecedor dos conceitos básicos que
constituem a doutrina cristã. Na comunidade, com os demais catequistas, o padre
é homem do ensino das coisas que se referem a Deus e à Igreja. Hoje, mais que
em outras épocas, as pessoas estão cada vez mais sedentas, e exigem a presença
de padres bem formados.
2. O presbítero segundo a constituição
dogmática Lumen Gentium
Diferentemente da eclesiologia pré-conciliar,
a Lumen Gentium (LG) inverte a ordem
de tratamento dos temas, quando fala do Povo de Deus e da constituição hierárquica
da Igreja. Isso sinaliza para o fato de que a hierarquia não está acima do povo
Deus, mas faz parte deste povo. Bispos, padres e diáconos são membros do povo
de Deus. Cada membro da hierarquia precisa estar consciente disso.
No primeiro capítulo da LG, temos o
tema do mistério da Igreja. Em seguida, o segundo capítulo trata do Povo de
Deus, e no terceiro capítulo, a hierarquia eclesiástica e em especial o
episcopado, é apresentada, de forma densa e profunda.
A LG afirma, no n. 28, que o padre
depende do Bispo no exercício do próprio poder. Por isso, é um colaborador da
ordem episcopal. Pela ordenação, é consagrado, à imagem de Cristo, sumo e
eterno sacerdote. Como verdadeiro sacerdote do Novo Testamento, participando do
sacerdócio de Cristo, tem como funções principais: Pregar o evangelho,
apascentar os fiéis e celebrar o culto divino. Seu múnus sagrado é exercido,
principalmente, na celebração eucarística.
O presbítero é o ministro que se
coloca entre Deus e a comunidade, participando da mediação de Cristo. Portanto,
apresenta a Deus as necessidades e preces do povo. No meio deste povo, adora o
Pai em espírito e verdade. Medita na lei do Senhor, prega e ensina: Ensina o
que crê e vive o que ensina.
A Lumen Gentium segue dizendo que o presbítero é um esclarecido
cooperador do Bispo, constituindo com este e os demais presbíteros um
presbitério. Nas comunidades, torna presente o Bispo. Está associado a este com
ânimo fiel, devendo-lhe obediência, respeito e reverência. Tornando visível a
Igreja universal, sob a autoridade do Bispo, santifica e governa a porção do
rebanho a si confiada.
O n. 28 da LG termina exigindo que o
presbítero reconheça o Bispo como pai, bem como pede que este considere todos
os padres de seu presbitério como filhos e amigos. Entre si, os presbíteros
devem viver uma íntima fraternidade; devem dar testemunho de verdade e vida, e
evitar todo tipo de divisão. Estes são os elementos teológicos e constitutivos do
ministério presbiteral, nos termos da Lumen
Gentium.
3. Sacerdócio ministerial: Exigências e
recomendações à luz do Decreto Presbyterorum
Ordinis
O capítulo III desse decreto, trata
da vida dos presbíteros, e descreve, inicialmente, a vocação presbiteral à
perfeição. Unido a Jesus, o padre deve buscar a santidade. Esta é a vocação de
todo cristão, especialmente daqueles que pastoreiam o rebanho do Senhor. Sem essa
união com Jesus, a santidade não pode ser alcançada.
A vida do presbítero contém todos os
meios necessários à santidade e à salvação. Por isso, deve o padre procurar ser
santo em suas palavras e ações. Os fiéis precisam enxergar nele um homem de
Deus, zeloso nas coisas de Deus. Ao olhar para ele, o povo precisa ver o Cristo
Jesus. Assim como cada cristão é um outro Cristo no mundo, também o padre, no
seio da comunidade cristã, é um outro Cristo.
Ser santo não é ser perfeito, sem
falhas; mas significa ser amigo de Jesus, próximo das pessoas, especialmente
dos mais humildes e marginalizados. No seu ministério, o padre se santifica no
serviço aos mais humildes do povo de Deus. Buscando a coerência de vida,
cuidando de sua integridade moral, vive o que o decreto chama de “unidade de
vida dos presbíteros em Cristo”. A caridade pastoral, nutrida pela Eucaristia,
piedosa e convictamente celebrada, ajudará o padre a ser um homem de Deus no
meio do povo.
Em seguida, o decreto apresenta
algumas “peculiares exigências espirituais na vida dos presbíteros, destacando,
em primeiro lugar, a humildade e a obediência. Um padre humilde é uma bênção de
Deus! A humildade atrai, enquanto que a arrogância afasta. Ser humilde
significa reconhecer-se como filho de Deus, numa total dependência dele. Um padre
humilde cuida melhor dos humildes, e enfrenta, corajosamente, os arrogantes deste
mundo, com paciência e mansidão. Toda pessoa humilde conhece o seu lugar, sem
se impor aos outros.
A obediência é outra virtude a ser
praticada pelo padre. Como fiel colaborador da ordem episcopal, deve obediência
ao Bispo. Caso seja religioso, também deve obedecer aos seus superiores. Na
ordenação, ajoelhado diante do Bispo, com suas mãos unidas as dele, o padre faz
a promessa da obediência. Ao renovar, anualmente, as promessas sacerdotais,
durante a celebração da Missa dos Santos Óleos, cada padre renova também a
promessa da obediência.
A respeito do celibato sacerdotal,
diz o decreto, no n. 16: “Pela virgindade
ou pelo celibato observado por amor do reino dos céus, os presbíteros
consagram-se por um novo e excelente título a Cristo, aderem a Ele mais facilmente
com um coração indiviso, n'Ele e por Ele mais livremente se dedicam ao serviço
de Deus e dos homens, com mais facilidade servem o seu reino e a obra da
regeneração sobrenatural, e tornam-se mais aptos para receberem, de forma mais
ampla, a paternidade em Cristo”.
O celibato é dom de Deus, concedido
em vista da missão. Portanto, trata-se do celibato por amor ao Reino dos céus.
Como celibatários, os padres se dedicam ao serviço de Deus e dos homens “com um coração indiviso”. Isso significa
que o celibatário é alguém que se consagrou totalmente, sem reservas. A missão
sacerdotal é sinônimo de entrega total e generosa ao serviço de Deus e de seu
povo. Na Igreja católica de rito latino, o celibato é obrigatório. Essa
obrigatoriedade é questionada por muitos, mas aqui não tratarei desta questão,
porque o foco do artigo é a vocação do presbítero e não a disciplina
eclesiástica do celibato.
Assim, é preciso dizer que o padre
não é um solteirão, nem um frustrado no campo afetivo e sexual. Devidamente integrado,
e vivendo o celibato como dom de Deus, cultiva relações saudáveis, muito
necessárias na vida sacerdotal. Do contrário, infelizmente, é possível
encontrar padres afetiva e sexualmente desajustados, que tem causado uma enorme
ferida na vida eclesial, comportando-se de forma indigna de um ministro de
Deus. Trata-se de uma realidade que precisa de atenção e cuidados, que não pode
ser ignorada, nem negada.
O decreto também fala da pobreza
voluntária como uma exigência do ministério presbiteral. O padre não deve ser
homem rico, poderoso e de prestígio mundano na sociedade. Configurado a Cristo
Bom Pastor, deve buscar viver com simplicidade e despojamento. Um padre pobre é
capaz de fazer com que a Igreja viva a opção pelos pobres e, consequentemente,
é bem aceito entre os pobres. A pobreza é diferente de miséria. Esta é
reprovável à luz da fé e dos direitos fundamentais da pessoa humana. Jesus era
pobre e realizou a sua missão entre os pobres.
O padre deve ter, e na grande
maioria dos casos tem, as condições necessárias ao desempenho da sua missão:
residência, atendimento médico, alimentação, vestuário, transporte, e um
salário que o ajude nas demais despesas ordinárias da vida. Para além dessas
condições necessárias, tudo é supérfluo e acúmulo desnecessário. O padre deve
confiar em Cristo a quem serve, e não nas falsas seguranças que as riquezas
deste mundo oferecem.
4. Tentações que aparecem na vida dos
presbíteros
Assim como
Jesus foi tentado, o padre também é tentado a se desviar do caminho de Jesus. Para
vencer as tentações, deve estar enraizado em Cristo; do contrário, sucumbe e
perde o sentido da missão para a qual foi chamado, vivendo uma aparência de
vocação. Finalizo essas breves considerações, mencionando algumas tentações que
são recorrentes na vida do padre, que precisam ser vencidas, com muita fé,
oração e confiança no Senhor. Eis algumas das tentações mais perigosas:
- A
tentação do poder e do ter, que contraria a humildade e a pobreza voluntária;
- A
tentação da vida dupla, que contraria a vivência do celibato;
- A tentação
do espírito de superioridade, marca da pessoa orgulhosa, que atenta contra o
diálogo e a boa relação com as pessoas;
- A tentação da preguiça e do comodismo, que
atenta contra a disponibilidade para a missão, deixando as pessoas
desassistidas em suas necessidades materiais e espirituais;
- A
tentação da desobediência, que contraria a promessa feita no dia da ordenação;
- A
tentação do carreirismo, que faz do sacerdócio um meio de tirar vantagem em
tudo, especialmente na busca obstinada por cargos de visibilidade e lugares que
garantam vida cômoda;
- A
tentação do mundanismo espiritual, que faz o padre usar o sagrado para
alimentar a sua vaidade e aparentar piedade e santidade;
- A
tentação do estrelismo, que leva o padre a se colocar no centro da vida da
comunidade, ocupando o lugar de Cristo;
- A
tentação da inveja, que o coloca como adversário de irmãos clérigos e leigos,
destruindo a fraternidade;
- A tentação
de viver sem rezar, tornando-o superficial e vazio;
- A
tentação do consumismo, que o transforma em escravo do consumo de coisas
supérfluas, em vista somente da satisfação da própria vaidade;
- A
tentação das ambições desmedidas, que transforma o padre numa pessoa egoísta,
centrada somente em si mesma e nos seus interesses.
No altar do Senhor, na meditação de
sua Palavra, na oração, no encontro permanente com os que sofrem e no dom da
amizade, o padre encontra Jesus que o conduz firme e forte na missão. O ministério
presbiteral, assim como os demais ministérios na Igreja, depende, em primeiro
lugar, da ação da graça divina; e em segundo, da abertura de cada pessoa a esta
graça.
O mesmo Deus que chama é o que acompanha e mantém o padre
no caminho de Jesus. É necessário confiar e se entregar, ter fé e se colocar a
serviço, esperar em Deus e caminhar na sua presença. Optando pelo Reino, tudo o
mais vem por acréscimo (cf. Mt 6,33). Quem escuta o chamado e se decide por
caminhar com Jesus, servindo-o com amor e generosidade, não perde nada. O próprio
Cristo é a riqueza, a segurança e a salvação dos discípulos missionários que se
colocam em seu caminho.
Tiago de França
2 comentários:
Muito bem, Seminarista Tiago. Texto rico de informações e leitura agradável.
Arthur França_Seminarista de Teresina
Valeu, irmão! Abraço!
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