terça-feira, 4 de agosto de 2020

Mês vocacional: A vocação do padre na Igreja católica

               A teologia do ministério presbiteral revela a beleza desse ministério para a vida da Igreja. O presbítero (padre) é “o amor do coração de Jesus”, nos diz São João Maria Vianney, padroeiro dos padres. Trata-se de uma vocação que “brota do coração de Deus e germina na terra boa do povo fiel, na experiência do amor fraterno”, ensina o Papa Francisco. Portanto, não existe padre para si mesmo, mas para o povo de Deus. Assim, deve o padre amar o povo de Deus com o mesmo amor com que ama Jesus Cristo.
            Neste artigo, discorrei sobre o ministério presbiteral a partir de dois documentos do concílio Vaticano II, que explicitam, com fidelidade, a vida e a missão do presbítero na Igreja. São documentos importantes, que merecem ser conhecidos, pois é impensável que o católico desconheça o significado, importância e alcance da vida e missão dos Pastores do povo de Deus. Quanto mais se conhece, mais se respeita e valoriza.

1. O presbítero no início da Igreja
            No Novo Testamento, especialmente em algumas cartas paulinas e nos Atos dos Apóstolos, encontramos referências ao ministério do presbítero, que aparecem como “anciãos” das comunidades, cuidando das pessoas, vivendo de forma colegiada, presidindo, pregando e ensinando a doutrina cristã.
            Daí decorrem algumas características do ministério presbiteral, a saber: O padre é chamado a cuidar das pessoas. Esse cuidado não se reduz à dimensão espiritual, mas, também, à assistência material, na caridade evangélica.
            O padre não exerce sozinho a sua missão, mas é membro do povo de Deus e de um presbitério (conjunto de presbíteros ligados ao Bispo). Isso significa que o padre deve evitar o isolamento, e procurar relacionar-se bem com as pessoas, com seus irmãos padres e com o Bispo. Ao isolar-se, aparecem os problemas, que tendem a se agravar e inviabilizar a missão presbiteral.
            Sob a autoridade do Bispo, o padre preside a comunidade cristã, sem autoritarismo nem com atitude de dono. O padre não é dono da vida das pessoas, nem da comunidade. Presidir é coordenar, orientar, guiar, sugerir, organizar os trabalhos, acompanhar, permitir que as pessoas possam colaborar livremente, animar a comunidade.
            Os textos neotestamentários falam que os presbíteros eram homens da pregação da Palavra de Deus e do ensino da doutrina. Cabe ao padre a pregação do Evangelho de Cristo, com palavras e com o testemunho da própria vida. Na celebração eucarística, principalmente aos domingos, festas e solenidades, o padre deve fazer uma boa homilia.
Esta é muito importante, pois, segundo o Papa Francisco, a homilia “é o ponto de comparação para avaliar a proximidade e a capacidade de encontro de um Pastor com o seu povo. De facto, sabemos que os fiéis lhe dão muita importância; e, muitas vezes, tanto eles como os próprios ministros ordenados sofrem: uns a ouvir e os outros a pregar. É triste que assim seja. A homilia pode ser, realmente, uma experiência intensa e feliz do Espírito, um consolador encontro com a Palavra, uma fonte constante de renovação e crescimento” (cf. os números 135 a 144 da exortação apostólica Evangelii Gaudium).
Deve o padre ser um homem versado nas coisas de Deus. Para isso, o período de formação é longo e marcado por inúmeras reflexões filosóficas, bíblicas, teológicas e espirituais. Uma vez tendo se empenhado na formação inicial, o padre se apresenta como conhecedor dos conceitos básicos que constituem a doutrina cristã. Na comunidade, com os demais catequistas, o padre é homem do ensino das coisas que se referem a Deus e à Igreja. Hoje, mais que em outras épocas, as pessoas estão cada vez mais sedentas, e exigem a presença de padres bem formados.

2. O presbítero segundo a constituição dogmática Lumen Gentium
            Diferentemente da eclesiologia pré-conciliar, a Lumen Gentium (LG) inverte a ordem de tratamento dos temas, quando fala do Povo de Deus e da constituição hierárquica da Igreja. Isso sinaliza para o fato de que a hierarquia não está acima do povo Deus, mas faz parte deste povo. Bispos, padres e diáconos são membros do povo de Deus. Cada membro da hierarquia precisa estar consciente disso.
            No primeiro capítulo da LG, temos o tema do mistério da Igreja. Em seguida, o segundo capítulo trata do Povo de Deus, e no terceiro capítulo, a hierarquia eclesiástica e em especial o episcopado, é apresentada, de forma densa e profunda.
            A LG afirma, no n. 28, que o padre depende do Bispo no exercício do próprio poder. Por isso, é um colaborador da ordem episcopal. Pela ordenação, é consagrado, à imagem de Cristo, sumo e eterno sacerdote. Como verdadeiro sacerdote do Novo Testamento, participando do sacerdócio de Cristo, tem como funções principais: Pregar o evangelho, apascentar os fiéis e celebrar o culto divino. Seu múnus sagrado é exercido, principalmente, na celebração eucarística.
            O presbítero é o ministro que se coloca entre Deus e a comunidade, participando da mediação de Cristo. Portanto, apresenta a Deus as necessidades e preces do povo. No meio deste povo, adora o Pai em espírito e verdade. Medita na lei do Senhor, prega e ensina: Ensina o que crê e vive o que ensina.
            A Lumen Gentium segue dizendo que o presbítero é um esclarecido cooperador do Bispo, constituindo com este e os demais presbíteros um presbitério. Nas comunidades, torna presente o Bispo. Está associado a este com ânimo fiel, devendo-lhe obediência, respeito e reverência. Tornando visível a Igreja universal, sob a autoridade do Bispo, santifica e governa a porção do rebanho a si confiada.
            O n. 28 da LG termina exigindo que o presbítero reconheça o Bispo como pai, bem como pede que este considere todos os padres de seu presbitério como filhos e amigos. Entre si, os presbíteros devem viver uma íntima fraternidade; devem dar testemunho de verdade e vida, e evitar todo tipo de divisão. Estes são os elementos teológicos e constitutivos do ministério presbiteral, nos termos da Lumen Gentium.

3. Sacerdócio ministerial: Exigências e recomendações à luz do Decreto Presbyterorum Ordinis
            O capítulo III desse decreto, trata da vida dos presbíteros, e descreve, inicialmente, a vocação presbiteral à perfeição. Unido a Jesus, o padre deve buscar a santidade. Esta é a vocação de todo cristão, especialmente daqueles que pastoreiam o rebanho do Senhor. Sem essa união com Jesus, a santidade não pode ser alcançada.
            A vida do presbítero contém todos os meios necessários à santidade e à salvação. Por isso, deve o padre procurar ser santo em suas palavras e ações. Os fiéis precisam enxergar nele um homem de Deus, zeloso nas coisas de Deus. Ao olhar para ele, o povo precisa ver o Cristo Jesus. Assim como cada cristão é um outro Cristo no mundo, também o padre, no seio da comunidade cristã, é um outro Cristo.
            Ser santo não é ser perfeito, sem falhas; mas significa ser amigo de Jesus, próximo das pessoas, especialmente dos mais humildes e marginalizados. No seu ministério, o padre se santifica no serviço aos mais humildes do povo de Deus. Buscando a coerência de vida, cuidando de sua integridade moral, vive o que o decreto chama de “unidade de vida dos presbíteros em Cristo”. A caridade pastoral, nutrida pela Eucaristia, piedosa e convictamente celebrada, ajudará o padre a ser um homem de Deus no meio do povo.
            Em seguida, o decreto apresenta algumas “peculiares exigências espirituais na vida dos presbíteros, destacando, em primeiro lugar, a humildade e a obediência. Um padre humilde é uma bênção de Deus! A humildade atrai, enquanto que a arrogância afasta. Ser humilde significa reconhecer-se como filho de Deus, numa total dependência dele. Um padre humilde cuida melhor dos humildes, e enfrenta, corajosamente, os arrogantes deste mundo, com paciência e mansidão. Toda pessoa humilde conhece o seu lugar, sem se impor aos outros.
            A obediência é outra virtude a ser praticada pelo padre. Como fiel colaborador da ordem episcopal, deve obediência ao Bispo. Caso seja religioso, também deve obedecer aos seus superiores. Na ordenação, ajoelhado diante do Bispo, com suas mãos unidas as dele, o padre faz a promessa da obediência. Ao renovar, anualmente, as promessas sacerdotais, durante a celebração da Missa dos Santos Óleos, cada padre renova também a promessa da obediência.
            A respeito do celibato sacerdotal, diz o decreto, no n. 16: “Pela virgindade ou pelo celibato observado por amor do reino dos céus, os presbíteros consagram-se por um novo e excelente título a Cristo, aderem a Ele mais facilmente com um coração indiviso, n'Ele e por Ele mais livremente se dedicam ao serviço de Deus e dos homens, com mais facilidade servem o seu reino e a obra da regeneração sobrenatural, e tornam-se mais aptos para receberem, de forma mais ampla, a paternidade em Cristo”.
            O celibato é dom de Deus, concedido em vista da missão. Portanto, trata-se do celibato por amor ao Reino dos céus. Como celibatários, os padres se dedicam ao serviço de Deus e dos homens “com um coração indiviso”. Isso significa que o celibatário é alguém que se consagrou totalmente, sem reservas. A missão sacerdotal é sinônimo de entrega total e generosa ao serviço de Deus e de seu povo. Na Igreja católica de rito latino, o celibato é obrigatório. Essa obrigatoriedade é questionada por muitos, mas aqui não tratarei desta questão, porque o foco do artigo é a vocação do presbítero e não a disciplina eclesiástica do celibato.
            Assim, é preciso dizer que o padre não é um solteirão, nem um frustrado no campo afetivo e sexual. Devidamente integrado, e vivendo o celibato como dom de Deus, cultiva relações saudáveis, muito necessárias na vida sacerdotal. Do contrário, infelizmente, é possível encontrar padres afetiva e sexualmente desajustados, que tem causado uma enorme ferida na vida eclesial, comportando-se de forma indigna de um ministro de Deus. Trata-se de uma realidade que precisa de atenção e cuidados, que não pode ser ignorada, nem negada.
            O decreto também fala da pobreza voluntária como uma exigência do ministério presbiteral. O padre não deve ser homem rico, poderoso e de prestígio mundano na sociedade. Configurado a Cristo Bom Pastor, deve buscar viver com simplicidade e despojamento. Um padre pobre é capaz de fazer com que a Igreja viva a opção pelos pobres e, consequentemente, é bem aceito entre os pobres. A pobreza é diferente de miséria. Esta é reprovável à luz da fé e dos direitos fundamentais da pessoa humana. Jesus era pobre e realizou a sua missão entre os pobres.
            O padre deve ter, e na grande maioria dos casos tem, as condições necessárias ao desempenho da sua missão: residência, atendimento médico, alimentação, vestuário, transporte, e um salário que o ajude nas demais despesas ordinárias da vida. Para além dessas condições necessárias, tudo é supérfluo e acúmulo desnecessário. O padre deve confiar em Cristo a quem serve, e não nas falsas seguranças que as riquezas deste mundo oferecem.

4. Tentações que aparecem na vida dos presbíteros
            Assim como Jesus foi tentado, o padre também é tentado a se desviar do caminho de Jesus. Para vencer as tentações, deve estar enraizado em Cristo; do contrário, sucumbe e perde o sentido da missão para a qual foi chamado, vivendo uma aparência de vocação. Finalizo essas breves considerações, mencionando algumas tentações que são recorrentes na vida do padre, que precisam ser vencidas, com muita fé, oração e confiança no Senhor. Eis algumas das tentações mais perigosas:
- A tentação do poder e do ter, que contraria a humildade e a pobreza voluntária;
- A tentação da vida dupla, que contraria a vivência do celibato;
- A tentação do espírito de superioridade, marca da pessoa orgulhosa, que atenta contra o diálogo e a boa relação com as pessoas;
-  A tentação da preguiça e do comodismo, que atenta contra a disponibilidade para a missão, deixando as pessoas desassistidas em suas necessidades materiais e espirituais;
- A tentação da desobediência, que contraria a promessa feita no dia da ordenação;
- A tentação do carreirismo, que faz do sacerdócio um meio de tirar vantagem em tudo, especialmente na busca obstinada por cargos de visibilidade e lugares que garantam vida cômoda;
- A tentação do mundanismo espiritual, que faz o padre usar o sagrado para alimentar a sua vaidade e aparentar piedade e santidade;
- A tentação do estrelismo, que leva o padre a se colocar no centro da vida da comunidade, ocupando o lugar de Cristo;
- A tentação da inveja, que o coloca como adversário de irmãos clérigos e leigos, destruindo a fraternidade;
- A tentação de viver sem rezar, tornando-o superficial e vazio;
- A tentação do consumismo, que o transforma em escravo do consumo de coisas supérfluas, em vista somente da satisfação da própria vaidade;
- A tentação das ambições desmedidas, que transforma o padre numa pessoa egoísta, centrada somente em si mesma e nos seus interesses.
            No altar do Senhor, na meditação de sua Palavra, na oração, no encontro permanente com os que sofrem e no dom da amizade, o padre encontra Jesus que o conduz firme e forte na missão. O ministério presbiteral, assim como os demais ministérios na Igreja, depende, em primeiro lugar, da ação da graça divina; e em segundo, da abertura de cada pessoa a esta graça.
O mesmo Deus que chama é o que acompanha e mantém o padre no caminho de Jesus. É necessário confiar e se entregar, ter fé e se colocar a serviço, esperar em Deus e caminhar na sua presença. Optando pelo Reino, tudo o mais vem por acréscimo (cf. Mt 6,33). Quem escuta o chamado e se decide por caminhar com Jesus, servindo-o com amor e generosidade, não perde nada. O próprio Cristo é a riqueza, a segurança e a salvação dos discípulos missionários que se colocam em seu caminho.

Tiago de França

2 comentários:

Arthur disse...

Muito bem, Seminarista Tiago. Texto rico de informações e leitura agradável.

Arthur França_Seminarista de Teresina

Tiago de França disse...

Valeu, irmão! Abraço!