“Dai-lhes vós mesmos de
comer!” (Mt 14,16).
O trecho do evangelho que está sendo
proclamado na liturgia dominical da Igreja católica, neste final de semana, é
um convite à reflexão sobre a solidariedade que une os discípulos de Cristo
(cf. Mt 14,13-21).
Após a morte do profeta João
Batista, que parece ter deixado Jesus muito triste, eis que ele procura um
lugar deserto. A missão de Jesus é uma espécie de continuidade da missão de
João Batista, apesar das diferenças e divergências metodológicas. João Batista
preparou o caminho, e Jesus se apresentou neste caminho. O papel do profeta foi
muito importante na recepção do Messias.
Não adiantou a Jesus querer procurar
um lugar deserto. As multidões souberam e o seguiram a pé. As pessoas precisavam
de suas palavras e gestos, pois eram como um rebanho abandonado, vítima das
doenças e da exploração religiosa e secular. Procuravam por aquele que as
escutava e ajudava a aliviar seus sofrimentos.
Ao ver as multidões, Jesus se encheu
de compaixão e curou os doentes, nos diz o evangelista. Jesus não se conteve
diante do sofrimento daquelas pessoas, porque era sensível à dor de cada uma
delas. Era um homem cheio de compaixão. Esta era a sua essência. Assim, revela
a natureza divina, que é pura compaixão e misericórdia. Deus sente compaixão e
cuida de seus filhos, sem jamais abandoná-los.
Os discípulos de Jesus, vendo que a
hora já estava adiantada, sugeriram que despedisse as multidões, para que
encontrassem alimento nos povoados. Parece que eles não compreenderam, ainda, a
mensagem de Jesus. Optaram pelo caminho mais fácil: despedir as pessoas, sem
socorrê-las. Jesus não concorda com a sugestão deles, e responde: “Eles não precisam ir embora. Dai-lhes vós
mesmos de comer!”
A resposta de Jesus também é uma advertência
a todos aqueles que desejam segui-lo: É necessário dar de comer às multidões,
ou seja, socorrer as pessoas em suas necessidades. No cristianismo, não basta
oferecer o alimento espiritual (a oração, o pão eucarístico, o culto, a
devoção, a reflexão da Palavra etc.), mas é necessário, também, socorrer as
necessidades materiais das pessoas. No caso do texto que estamos meditando, o
problema era a falta do alimento.
Não ter o que comer é um problema
grave, que jamais pode ser ignorado. A fome fere a dignidade das pessoas. Ninguém
consegue sobreviver sem a total ausência do alimento. Toda pessoa humana tem
direito à alimentação saudável e suficiente, para permanecer viva neste mundo.
Jesus tinha consciência disso. É verdade que há muitos outros tipos de fome,
que reclamam o alimento apropriado e necessário. No caminho de Jesus, ninguém
deveria passar privação do alimento que fortalece o corpo na caminhada da vida.
Nas comunidades cristãs, todos devem
ter o alimento. Ignorar a fome dos outros é pecado grave, que contraria a
bondade de Deus, que criou a terra com capacidade de gerar os frutos, e deu
inteligência ao homem para que a cultivasse. O fato de termos 820 milhões de
pessoas no mundo passando fome (segundo dados da ONU, em 2019) é uma gravíssima
injustiça e um grave pecado. É algo que deve inquietar o coração dos discípulos
de Cristo, levando-os a agir dentro de suas possibilidades.
O texto diz que Jesus se encheu de
compaixão e agiu. Seus discípulos disseram que tinham somente cinco pães e dois
peixes. Jesus pede que as multidões sentem para comer. Tomando os pães e os peixes,
ergueu os olhos para o céu, pronunciou a bênção, partiu os pães e os deu aos
seus discípulos para que servissem às multidões. A forma como o evangelista
narra faz lembrar da última ceia, na qual fez o mesmo gesto, distribuindo o pão
e o vinho, expressando a sua presença na partilha do pão.
Quando o pão é partilhado, aí está
Deus, que multiplica, sem deixar que ninguém passe necessidade. É verdade que
Jesus não fez surgir pães e peixes do nada, mas foi preciso que estes alimentos
estivessem à disposição, para serem partilhados. A questão central é a
partilha: Jesus ensina o valor da partilha daquilo que se tem para socorrer os
necessitados. O Deus e Pai de Jesus é aquele que faz este belo convite: “Ó vós todos que estais com sede, vinde às
águas; vós que não tendes dinheiro, apressai-vos, vinde e comei, vinde comprar
sem dinheiro, tomar vinho e leite, sem nenhuma paga” (Is 55,1).
O trecho evangélico termina dizendo
que todos comeram e ficaram satisfeitos, e ainda sobraram doze cestos dos
pedaços que sobraram. Deus dá com fartura. A partilha é o grande milagre da
fraternidade. Quando as pessoas se unem para viver como irmãs em Cristo Jesus, nada
lhes falta. A generosidade, a gratuidade e a solidariedade constroem a
fraternidade. Esta caracteriza o caminho de Jesus. Neste caminho não predomina
o egoísmo daqueles que somente pensam em si, satisfazendo seus próprios
interesses. O caminho de Jesus é sinônimo de comunhão fraterna.
O evangelista finaliza dizendo que
mais de cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças, saciaram a fome. Claro
que não se pode levar esse número ao pé da letra. O número revela a
universalidade da partilha: Todos são chamados a comer para viver dignamente.
Na mesa do Reino de Deus há lugar para todos, especialmente para os
empobrecidos e marginalizados. O Evangelho ensina o dom da partilha, que impede
que as pessoas sejam esquecidas e deixadas de lado. É preciso incluir, acolher,
socorrer, matar a fome de pão, de justiça e de paz. É assim que o Reino de Deus
se manifesta no mundo.
Tiago
de França
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