sábado, 1 de agosto de 2020

Partilhar o pão


“Dai-lhes vós mesmos de comer!” (Mt 14,16).
            O trecho do evangelho que está sendo proclamado na liturgia dominical da Igreja católica, neste final de semana, é um convite à reflexão sobre a solidariedade que une os discípulos de Cristo (cf. Mt 14,13-21).
            Após a morte do profeta João Batista, que parece ter deixado Jesus muito triste, eis que ele procura um lugar deserto. A missão de Jesus é uma espécie de continuidade da missão de João Batista, apesar das diferenças e divergências metodológicas. João Batista preparou o caminho, e Jesus se apresentou neste caminho. O papel do profeta foi muito importante na recepção do Messias.
            Não adiantou a Jesus querer procurar um lugar deserto. As multidões souberam e o seguiram a pé. As pessoas precisavam de suas palavras e gestos, pois eram como um rebanho abandonado, vítima das doenças e da exploração religiosa e secular. Procuravam por aquele que as escutava e ajudava a aliviar seus sofrimentos.
            Ao ver as multidões, Jesus se encheu de compaixão e curou os doentes, nos diz o evangelista. Jesus não se conteve diante do sofrimento daquelas pessoas, porque era sensível à dor de cada uma delas. Era um homem cheio de compaixão. Esta era a sua essência. Assim, revela a natureza divina, que é pura compaixão e misericórdia. Deus sente compaixão e cuida de seus filhos, sem jamais abandoná-los.
            Os discípulos de Jesus, vendo que a hora já estava adiantada, sugeriram que despedisse as multidões, para que encontrassem alimento nos povoados. Parece que eles não compreenderam, ainda, a mensagem de Jesus. Optaram pelo caminho mais fácil: despedir as pessoas, sem socorrê-las. Jesus não concorda com a sugestão deles, e responde: “Eles não precisam ir embora. Dai-lhes vós mesmos de comer!”
            A resposta de Jesus também é uma advertência a todos aqueles que desejam segui-lo: É necessário dar de comer às multidões, ou seja, socorrer as pessoas em suas necessidades. No cristianismo, não basta oferecer o alimento espiritual (a oração, o pão eucarístico, o culto, a devoção, a reflexão da Palavra etc.), mas é necessário, também, socorrer as necessidades materiais das pessoas. No caso do texto que estamos meditando, o problema era a falta do alimento.
            Não ter o que comer é um problema grave, que jamais pode ser ignorado. A fome fere a dignidade das pessoas. Ninguém consegue sobreviver sem a total ausência do alimento. Toda pessoa humana tem direito à alimentação saudável e suficiente, para permanecer viva neste mundo. Jesus tinha consciência disso. É verdade que há muitos outros tipos de fome, que reclamam o alimento apropriado e necessário. No caminho de Jesus, ninguém deveria passar privação do alimento que fortalece o corpo na caminhada da vida.
            Nas comunidades cristãs, todos devem ter o alimento. Ignorar a fome dos outros é pecado grave, que contraria a bondade de Deus, que criou a terra com capacidade de gerar os frutos, e deu inteligência ao homem para que a cultivasse. O fato de termos 820 milhões de pessoas no mundo passando fome (segundo dados da ONU, em 2019) é uma gravíssima injustiça e um grave pecado. É algo que deve inquietar o coração dos discípulos de Cristo, levando-os a agir dentro de suas possibilidades.
            O texto diz que Jesus se encheu de compaixão e agiu. Seus discípulos disseram que tinham somente cinco pães e dois peixes. Jesus pede que as multidões sentem para comer. Tomando os pães e os peixes, ergueu os olhos para o céu, pronunciou a bênção, partiu os pães e os deu aos seus discípulos para que servissem às multidões. A forma como o evangelista narra faz lembrar da última ceia, na qual fez o mesmo gesto, distribuindo o pão e o vinho, expressando a sua presença na partilha do pão.
            Quando o pão é partilhado, aí está Deus, que multiplica, sem deixar que ninguém passe necessidade. É verdade que Jesus não fez surgir pães e peixes do nada, mas foi preciso que estes alimentos estivessem à disposição, para serem partilhados. A questão central é a partilha: Jesus ensina o valor da partilha daquilo que se tem para socorrer os necessitados. O Deus e Pai de Jesus é aquele que faz este belo convite: “Ó vós todos que estais com sede, vinde às águas; vós que não tendes dinheiro, apressai-vos, vinde e comei, vinde comprar sem dinheiro, tomar vinho e leite, sem nenhuma paga” (Is 55,1).
            O trecho evangélico termina dizendo que todos comeram e ficaram satisfeitos, e ainda sobraram doze cestos dos pedaços que sobraram. Deus dá com fartura. A partilha é o grande milagre da fraternidade. Quando as pessoas se unem para viver como irmãs em Cristo Jesus, nada lhes falta. A generosidade, a gratuidade e a solidariedade constroem a fraternidade. Esta caracteriza o caminho de Jesus. Neste caminho não predomina o egoísmo daqueles que somente pensam em si, satisfazendo seus próprios interesses. O caminho de Jesus é sinônimo de comunhão fraterna.
            O evangelista finaliza dizendo que mais de cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças, saciaram a fome. Claro que não se pode levar esse número ao pé da letra. O número revela a universalidade da partilha: Todos são chamados a comer para viver dignamente. Na mesa do Reino de Deus há lugar para todos, especialmente para os empobrecidos e marginalizados. O Evangelho ensina o dom da partilha, que impede que as pessoas sejam esquecidas e deixadas de lado. É preciso incluir, acolher, socorrer, matar a fome de pão, de justiça e de paz. É assim que o Reino de Deus se manifesta no mundo.

Tiago de França

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