sexta-feira, 11 de setembro de 2020

A experiência libertadora do perdão


“Não existe cristianismo sem misericórdia” (Papa Francisco).
            A ninguém se deve negar o perdão. Esta regra da vida cristã enche de alegria o coração de Deus. Na oração do Pai nosso, o discípulo de Jesus pede ao Pai: “... e perdoa-nos a nossas dívidas como também nós perdoamos aos nossos devedores” (Mt 6,12). É preciso não esquecer do pedido completo: Pedir perdão a Deus e perdoar o próximo. Não é correto somente pedir perdão a Deus e negar o perdão aos outros. O próprio Jesus diz isso, ao afirmar que se deve perdoar “de coração” aqueles que nos ofendem (cf. Mt 18,35).
            Perdoar de coração significa perdoar de verdade, sem falsificar o ato de perdoar; sem guardar rancor, nem ressentimento; sem ficar lembrando, nem resmungando. O perdão verdadeiro parte do coração. Este, sim, liberta a pessoa. Negar o perdão é uma experiência escravizadora. Quem assim procede não é livre, porque demonstra incapacidade de perdoar. Portanto, trata-se de uma experiência que não é possível sem o auxílio da graça de Deus.
            Para perdoar é necessário, também, superar o espírito de vingança presente no mundo. Pagar o mal com o mal não é atitude do seguidor de Jesus. Essa forma nociva de agir faz com que a violência cresça e domine as pessoas, os grupos e a toda a sociedade. O que seria do mundo se todas as pessoas pagassem o mal com o mal?... Não há nenhuma vantagem na vingança. No lugar desta deve existir a compaixão, porque “se não tem compaixão do seu semelhante, como poderá pedir perdão dos seus pecados?” (Eclo 28,4).
            A realidade tem mostrado que vivemos numa sociedade enferma, escandalosamente marcada pela cultura do ódio. Os discursos de ódio se multiplicam e enfraquecem as relações interpessoais, fragmentando e contaminando o tecido social. Esta cultura é marcada pela intolerância, desrespeito, preconceito, julgamento e condenação, demonização e perseguição. Cresce o clima de hostilidade e confusão. Estas formas de violência passam a ser consideradas como “normais”, e as pessoas vão se acostumando com as múltiplas formas de agressão que se cometem em praticamente todos os lugares.
            Também no seio do cristianismo, vergonhosamente, assistimos a esse estado de coisas. Pessoas e grupos, que se intitulam “religiosos”, alimentam a cultura do ódio em nome de Deus e da fé cristã. Não conseguem enxergar a contradição que há entre os discursos de ódio e a fé em Jesus. Praticam a violência usando a Palavra de Deus! Fazem o que a Palavra reprova: julgam, condenam, excluem, marginalizam, desprezam e agridem pessoas, grupos e instituições. Perdem facilmente o senso do ridículo, com palavras e gestos incompatíveis com a fé cristã.
            O perdão é uma necessidade do ser humano, e a comunidade cristã deve ser lugar de reconciliação. O cristianismo não deve ser sinal de discórdia no mundo, mas instrumento da misericórdia de Deus. Para isso, os cristãos precisam dar testemunho desta misericórdia, sendo misericordiosos uns com os outros.
O perdão é prático, simples e libertador. Não é uma teoria, um discurso ou uma ideia, mas um instrumento de aproximação, congregação e de unidade. A paz também é fruto do perdão. Na discórdia não há paz, mas consciência pesada, espírito abatido e desassossego. Quando verdadeiro, o perdão é capaz de tranquilizar o coração e silenciar o espírito, libertando da perturbação.
            Deus não se cansa de perdoar, e pede que façamos o mesmo. Não há limites, nem condições para o perdão. Deve-se perdoar os outros não porque estes merecem, mas porque Deus exige. A experiência de Jesus é exemplar para todo cristão: Na cruz, pediu ao Pai que perdoasse os seus algozes (cf. Lc 23,34).
O perdão é fruto do amor. Jesus muito perdoou, porque muito amou. O amor exige e gera o perdão: Quem muito ama recebe de Deus o perdão dos pecados (cf. Lc 7,47). Deus não olha, em primeiro lugar, os muitos pecados dos pecadores, mas espera o arrependimento sincero, de coração, e a disponibilidade para a conversão.
            Para fazer a experiência do perdão é necessário ter a humildade de reconhecer os próprios pecados, porque sem este reconhecimento ninguém pede, verdadeiramente, perdão a Deus. O orgulhoso e prepotente não recebe o perdão de Deus. É necessário se despojar de todo orgulho e espírito de superioridade e, batendo no peito, inclinar-se diante de Deus e pedir perdão.
É assim que o pecador inicia o seu processo de conversão. Sem o reconhecimento das próprias fraquezas não é possível agradar a Deus. O cristão é salvo por pura graça de Deus, sem mérito pessoal algum. Por isso, o caminho que conduz à vida passa, necessariamente, pela prática da misericórdia. Fora da misericórdia não existe salvação, porque Deus é misericórdia. Uma pessoa pode ser muito religiosa, mas se não for misericordiosa, vã é a sua religiosidade. Sejamos, pois, misericordiosos.

Tiago de França

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