“Não existe cristianismo sem
misericórdia” (Papa Francisco).
A ninguém se deve negar o perdão.
Esta regra da vida cristã enche de alegria o coração de Deus. Na oração do Pai nosso, o discípulo de Jesus pede ao
Pai: “... e perdoa-nos a nossas dívidas
como também nós perdoamos aos nossos devedores” (Mt 6,12). É preciso não
esquecer do pedido completo: Pedir perdão a Deus e perdoar o próximo. Não é
correto somente pedir perdão a Deus e negar o perdão aos outros. O próprio Jesus
diz isso, ao afirmar que se deve perdoar “de
coração” aqueles que nos ofendem (cf. Mt 18,35).
Perdoar de coração significa perdoar
de verdade, sem falsificar o ato de perdoar; sem guardar rancor, nem
ressentimento; sem ficar lembrando, nem resmungando. O perdão verdadeiro parte
do coração. Este, sim, liberta a pessoa. Negar o perdão é uma experiência
escravizadora. Quem assim procede não é livre, porque demonstra incapacidade de
perdoar. Portanto, trata-se de uma experiência que não é possível sem o auxílio
da graça de Deus.
Para perdoar é necessário, também,
superar o espírito de vingança presente no mundo. Pagar o mal com o mal não é
atitude do seguidor de Jesus. Essa forma nociva de agir faz com que a violência
cresça e domine as pessoas, os grupos e a toda a sociedade. O que seria do
mundo se todas as pessoas pagassem o mal com o mal?... Não há nenhuma vantagem
na vingança. No lugar desta deve existir a compaixão, porque “se não tem compaixão do seu semelhante,
como poderá pedir perdão dos seus pecados?” (Eclo 28,4).
A realidade tem mostrado que vivemos
numa sociedade enferma, escandalosamente marcada pela cultura do ódio. Os
discursos de ódio se multiplicam e enfraquecem as relações interpessoais,
fragmentando e contaminando o tecido social. Esta cultura é marcada pela
intolerância, desrespeito, preconceito, julgamento e condenação, demonização e
perseguição. Cresce o clima de hostilidade e confusão. Estas formas de
violência passam a ser consideradas como “normais”, e as pessoas vão se
acostumando com as múltiplas formas de agressão que se cometem em praticamente
todos os lugares.
Também no seio do cristianismo,
vergonhosamente, assistimos a esse estado de coisas. Pessoas e grupos, que se
intitulam “religiosos”, alimentam a cultura do ódio em nome de Deus e da fé
cristã. Não conseguem enxergar a contradição que há entre os discursos de ódio
e a fé em Jesus. Praticam a violência usando a Palavra de Deus! Fazem o que a
Palavra reprova: julgam, condenam, excluem, marginalizam, desprezam e agridem pessoas,
grupos e instituições. Perdem facilmente o senso do ridículo, com palavras e
gestos incompatíveis com a fé cristã.
O perdão é uma necessidade do ser
humano, e a comunidade cristã deve ser lugar de reconciliação. O cristianismo
não deve ser sinal de discórdia no mundo, mas instrumento da misericórdia de
Deus. Para isso, os cristãos precisam dar testemunho desta misericórdia, sendo
misericordiosos uns com os outros.
O perdão é prático, simples e libertador. Não é uma teoria,
um discurso ou uma ideia, mas um instrumento de aproximação, congregação e de
unidade. A paz também é fruto do perdão. Na discórdia não há paz, mas
consciência pesada, espírito abatido e desassossego. Quando verdadeiro, o
perdão é capaz de tranquilizar o coração e silenciar o espírito, libertando da
perturbação.
Deus não se cansa de perdoar, e pede
que façamos o mesmo. Não há limites, nem condições para o perdão. Deve-se
perdoar os outros não porque estes merecem, mas porque Deus exige. A
experiência de Jesus é exemplar para todo cristão: Na cruz, pediu ao Pai que
perdoasse os seus algozes (cf. Lc 23,34).
O perdão é fruto do amor. Jesus muito perdoou, porque muito
amou. O amor exige e gera o perdão: Quem muito ama recebe de Deus o perdão dos
pecados (cf. Lc 7,47). Deus não olha, em primeiro lugar, os muitos pecados dos
pecadores, mas espera o arrependimento sincero, de coração, e a disponibilidade
para a conversão.
Para fazer a experiência do perdão é
necessário ter a humildade de reconhecer os próprios pecados, porque sem este reconhecimento
ninguém pede, verdadeiramente, perdão a Deus. O orgulhoso e prepotente não
recebe o perdão de Deus. É necessário se despojar de todo orgulho e espírito de
superioridade e, batendo no peito, inclinar-se diante de Deus e pedir perdão.
É assim que o pecador inicia o seu processo de conversão.
Sem o reconhecimento das próprias fraquezas não é possível agradar a Deus. O
cristão é salvo por pura graça de Deus, sem mérito pessoal algum. Por isso, o
caminho que conduz à vida passa, necessariamente, pela prática da misericórdia.
Fora da misericórdia não existe salvação, porque Deus é misericórdia. Uma
pessoa pode ser muito religiosa, mas se não for misericordiosa, vã é a sua
religiosidade. Sejamos, pois, misericordiosos.
Tiago
de França
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