sábado, 28 de novembro de 2020

Advento: acolher o Cristo que vem

 


“Vós sabeis em que tempo estamos, pois já é hora de despertar” (Rm 13,11).

            Na Igreja Católica, o ano litúrgico se inicia com o Tempo do Advento: tempo de vigilância e esperança. Essas são as duas palavras que falam da teologia e espiritualidade deste importante tempo para a vida da Igreja. Dois grandes momentos do mistério pascal de Cristo são precedidos de um tempo de preparação: o Natal e a Páscoa. O Advento prepara o Natal e a Quaresma prepara a Páscoa. Muito sábia a Mãe Igreja ao conduzir seus filhos e filhas a um caminho claro e feliz de preparação para a celebração dos mistérios da encarnação do Filho de Deus e Senhor Nosso Jesus Cristo, e de sua Páscoa, festa sublime da Ressurreição.

            Das vésperas do 1º Domingo do Advento até o dia 16 de dezembro, as leituras apontam para o mistério da parusia do Senhor. Chama-nos à vigilância sincera e ativa, para uma espera fecunda do Cristo que virá. Este Cristo, Senhor da História e Filho do Homem, julgará a todos com justiça, segundo o amor (cf. Mt 25,31-46). A volta definitiva do Senhor é certa, mas de data desconhecida. A ninguém revelou o quando de sua volta para o julgamento definitivo. Por isso, a Igreja chama seus filhos e filhas à vigilância ativa. Não se trata de uma espera passiva e melancólica, mas marcada pelo agir missionário. Esperamos a vinda gloriosa do Senhor, observando o seu mandato missionário.

            A espera do Cristo que vem precisa ser dessa forma, porque o Senhor quer nos encontrar em ação, jamais parados, “olhando o tempo passar”. Batizados e enviados, os cristãos são continuadores da missão do Senhor. Ungidos pelo Espírito, são incansáveis nessa missão. Destemidos e confiantes, esperam o Senhor com os pés na estrada e as mãos abertas e estendidas na direção do próximo, servindo gratuita e generosamente. Segundo a teologia do Papa Francisco, é preciso esperar o Senhor sendo Igreja em saída missionária, manifestando a misericórdia de Deus ao mundo.

            Quando escreve aos romanos, Paulo nos recorda o sentido dessa vigilância (cf. Rm 13,11): “... já é hora de despertar”. Este despertar indica-nos a necessidade da conversão. Advento também é tempo de conversão. É no caminho de Jesus que o discípulo missionário de Jesus se converte. Não há possibilidade de conversão fora desse caminho, porque com Jesus é que se aprende a ser santo. Ele é a fonte de toda santidade; esta “é o rosto mais belo da Igreja”, nos ensina o Papa Francisco na sua exortação apostólica Gaudete et Exsultate, n. 9. Na presença do Senhor e guiado por seu Espírito, o cristão caminha rumo à plenitude da vida, manifestada em Jesus, o Verbo de Deus.

            Do dia 17 a 24 de dezembro, a Igreja convida a uma preparação fecunda para a celebração do mistério do Nascimento do Senhor. Nesses dias, as leituras falam da esperança do povo de Deus. A leitura do profeta Isaías revela, assim como outros profetas, a promessa do Messias. Em Isaías 40,3 aparece a referência a uma voz que clama e convida para que se prepare um caminho para o Senhor.

No Novo Testamento, os evangelistas falam de João Batista, que é esta voz forte, chamando à conversão e à acolhida do Messias. Na voz do profeta João Batista encontramos uma orientação fundamental para a justa e necessária preparação da solene festa do Natal do Senhor: despertos, trilhando um caminho de justiça e santidade, preparamos o coração para a acolher aquele que vem “...para iluminar os que jazem nas trevas e na sombra da morte, para guiar nossos passos no caminho da paz” (Lc 1,79). Quão belo e profundo é o mistério d’Aquele que jamais abandona o seu povo!

O profeta João Batista evidencia a esperança do povo de Deus, alicerçada na confiança que esse povo tinha na realização das promessas divinas, recordadas ao longo do tempo; e os profetas eram os responsáveis por essa recordação. Em sua vida, “Jesus assumiu em si mesmo a totalidade da esperança excepcional do seu povo. Nele ressoa essa esperança. Ele é um arauto dessa esperança de Israel” (Comblin, José. Jesus de Nazaré. São Paulo: Paulus, 2010, p. 85). Portanto, o Pai de Jesus é o Deus da consolação, que fiel às suas promessas, enviou o seu único Filho para salvar “...o seu povo dos seus pecados” (Mt 1,21).

Consciente de sua missão no mundo, a Igreja é depositária dessa mesma esperança, e procura, apesar de suas fraquezas, colocar-se a serviço de todos os empobrecidos deste mundo, que vivem essa esperança em suas dores e sofrimentos, porque “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração” (Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n.1). A Igreja prepara a celebração do Natal do Senhor vivendo a esperança do povo de Deus, porque a Igreja é povo de Deus.

Para que a celebração do Natal não seja reduzida a uma data festiva, com muita comida e bebida, e troca de presentes, cada cristão é chamado a refletir sobre a encarnação de Jesus na sua vida e na vida do mundo. Neste sentido, algumas questões podem nos ajudar a refletir sobre esse divino mistério de amor: Tenho acolhido o Cristo pobre e sofredor que sempre aparece em minha vida? Tenho buscado conhecer esse Cristo mais de perto, para crescer na fé e no amor? Minha vida é reflexo do infinito amor de Deus, ou tenho vivido distante de Deus? Estou disposto a acolher Jesus e seu projeto de amor para a vida do mundo? Integro o número daqueles que acreditam e trabalham por um mundo mais justo ou fraterno, ou reforço as forças do mal que destroem a vida humana e a natureza? Motivados por essas questões somos chamados a examinar a nossa consciência, para vivermos uma sincera conversão, “pois já é hora de despertar” (Rm 13,11).

Feliz itinerário rumo ao Natal do Senhor!

Tiago de França

sábado, 21 de novembro de 2020

Jesus: rei compassivo

 


“Vinde, benditos do meu Pai, recebei por herança o Reino preparado para vós desde a fundação do mundo” (Mt 25,34).

            Jesus, o Filho do Homem, virá em sua glória para exercer o julgamento. Mas ninguém precisa sentir medo, porque o julgamento será nos termos da lei do amor (cf. Mt 5,31-46). Longe de qualquer espírito de vingança e crueldade, Jesus é um juiz justo e compassivo, conhecedor da condição humana, porque a viveu, intensa e plenamente. Portanto, seremos julgados por alguém que participou da nossa condição. Jesus sabe do que somos feitos.

            É verdade que não se pode tomar o texto de Mateus, acima referenciado, ao pé da letra, no sentido de pensar que o juízo final será tal como o texto apresenta. O mais importante é prestar atenção às exigências que Jesus, o rei compassivo, faz ao acolher as ovelhas do rebanho do Senhor, que ficarão à direita do trono. Os benditos do Pai de Jesus são todos aqueles que praticam a lei do amor: os que dão comida aos famintos, que matam a sede dos sedentos, que recebem o estrangeiro, que vestem os nus, que cuidam dos doentes e os que visitam os encarcerados. Os que vivem nessas e em tantas outras situações de necessidade são chamados de meus irmãos mais pequeninos.

            Aqui já é possível uma séria avaliação da consciência para saber se estamos ou não servindo a esses irmãos mais pequeninos de Jesus. No texto, ele fala que tudo o que fazemos a estes irmãos é a ele que fazemos. Ou seja, o rei compassivo é um desses irmãos. Ninguém pode mudar isso. Não adianta o líder religioso pregar na Igreja que Jesus é todo-poderoso, um rei triunfante, como os reis humanos. Tal imagem de Jesus é incompatível com o Evangelho, porque ele é um irmão pequenino. Quer aceitemos, quer não, ele é assim.

            Também é possível que cada cristão cuide em rever, se for o caso, a imagem que tem de Jesus. Se ele é rei compassivo, identificado nos irmãos menores, desprovidos de poder humano, então é necessário aceitá-lo e acolhê-lo nesses irmãos menores. Do contrário, no julgamento, ouviremos a seguinte sentença: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno preparado para o diabo e para os seus anjos. Todo aquele que se fecha em si mesmo, permitindo-se dominar pelo egoísmo, buscando somente a satisfação dos próprios interesses, não será acolhido no Reino, preparado desde a fundação do mundo para aqueles que viveram neste mundo a lei do amor.

            Olhando para o mundo atual, encontramos tanto individualismo e indiferença. Com a máxima urgência, o discípulo de Jesus precisa livrar-se desses males que podem ser a causa de sua perdição eterna. Os egoístas não entrarão no Reino de Deus. Por mais religiosa que seja uma pessoa, mas se não se libertar do egoísmo, não entrará no Reino de Deus. Jesus, o rei compassivo, no juízo final, não perguntará sobre o grau de religiosidade das pessoas, mas acolherá aquelas que viveram conforme o amor. Mas não um amor de palavras, mas de gestos concretos. Os que fecham os olhos para a necessidade dos outros não poderão participar do Reino de Deus.

            Alguém poderia perguntar: se é o amor que salva, para que serve, então, religião? Certamente, não é Deus que precisa de religião, mas nós, humanos. As doutrinas, ritos, normas etc., servem para manter o discípulo de Jesus no caminho do serviço aos irmãos. A religião tem a missão de congregar as pessoas, de reuni-las para celebrar o mistério do amor. Também é missão da religião ajudar a mantê-las unidas no propósito de viver conforme o amor.

Por meio dela, o cristão aprende que ninguém é salvo afastado dos outros, mas vivendo o amor em comunidade, porque é da natureza desse amor promover o encontro entre as pessoas; encontro permanente, nunca ocasional. As pessoas devem se encontrar para permanecerem no amor. Se a religião não servir a este propósito, então não passa de uma pedra de tropeço na caminha dos discípulos de Cristo, rei compassivo. É na comunidade cristã que o discípulo do rei compassivo aprende o significado da compaixão, vivendo uma vida cheia de sentido e alegria, porque descobriu, na prática, os sentimentos que conduziam Jesus na direção dos famintos, sedentos, nus, enfermos, migrantes, pecadores etc.

Por fim, cabe-nos citar a exortação do apóstolo Tiago, que diz: Com efeito, a religião pura e sem mácula diante de Deus, nosso Pai, consiste nisto: visitar os órfãos e as viúvas em suas tribulações e guardar-se livre da corrupção do mundo. Esses órfãos e viúvas representam todos os irmãos menores de Jesus, e o discípulo sabe onde eles se encontram. A religião precisa tornar as pessoas sensíveis às causas que promovem e cuidam desses irmãos; do contrário, por mais belas que sejam as nossas liturgias, nenhuma delas agradarão ao Pai celestial se não forem acompanhadas do testemunho do amor fraterno. Nestes tempos de pandemia do novo coronavírus, onde estão os irmãos mais pequeninos de Jesus? Procuramos viver em comunhão com eles, ou lhes fechamos os olhos?...

Tiago de França