Não há
muito o que comemorar neste dia 8 de março – Dia Internacional da Mulher. No
Brasil, os índices de violência contra a mulher são preocupantes. Segundo o
Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, em 2020, foram registradas
105.821 denúncias de violência contra a mulher. A maioria das vítimas é pobre,
da periferia, com pouca escolaridade e autodeclarada como de cor parda, com
idade entre 35 e 39 anos. O perfil mais comum dos agressores é de homens
brancos, com idade entre 35 e 39 anos.
A pandemia contribuiu para piorar a
situação, ou torná-la mais explícita. Segundo um levantamento realizado pelo
Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os casos de feminicídio cresceram 22,2%
em março e abril de 2020, em relação ao mesmo período de 2019. A alta dos
crimes ocorreu em 12 estados. A Lei do Feminicídio alterou o Código Penal,
incluindo como qualificador do crime de homicídio o feminicídio, que também se
tornou crime hediondo, com penalidades mais altas.
A Lei 13.104/15 (Lei do Feminicídio)
prevê duas situações para a sua aplicação: que o crime resulte de violência
doméstica, hipótese em que o autor do crime é um familiar da vítima ou já
manteve algum laço afetivo com ela; que o crime resulte de discriminação de
gênero (misoginia/coisificação da mulher), sendo o autor conhecido ou não da
vítima. A misoginia ultrapassa o machismo por se caracterizar como um tipo
específico de ódio à mulher. Trata-se de uma forte repulsa à figura feminina. O
Brasil é o quinto país do mundo com maior número de feminicídios.
Segundo estudos psicanalíticos, o
misógino sente prazer ao ferir o sentimento feminino. A situação chega ao ponto
de o cérebro liberar dopamina, neurotransmissor do prazer, o que leva o
criminoso a repetir o comportamento. Muitos misóginos são facilmente
identificados nas redes sociais, pois se aproveitam do “anonimato” para se
esconderem por trás da tela do computador ou celular. Essas redes facilitam a
ação dos criminosos, que, de forma impiedosa, extravasam ódio e ofensas às
mulheres. Os estudos também indicam que, para muitos homens, a misoginia
funciona como um escudo que os ajuda a esconder dúvidas ou problemas
relacionados à própria masculinidade.
Os misóginos costumam se aproveitar
das mulheres mais frágeis e inseguras, que sofrem com baixa autoestima e, por
isso mesmo, são menos assertivas. Inicialmente, o homem misógino é cordial,
educado, amoroso e atencioso; mas com o passar do tempo, torna-se intolerante,
possessivo, autoritário e violento. Oprime física e psicologicamente suas
vítimas. Costuma matá-las aos poucos, sufocando-as com sutileza e frieza. É um monstro
travestido de cordeiro.
A ética cristã ensina que a mulher
não é, nem pode ser considerada inferior ao homem. Ensina também que todo homem
que trata a mulher com desprezo e ódio não pode, jamais, afirmar que segue
Jesus, porque a fé cristã é incompatível com o desprezo do outro. Falsos
cristãos tratam as mulheres com desprezo e indiferença. Não há um versículo
sequer na Bíblia que possa justificar tal forma de proceder. Quem afirma o
contrário, na verdade, deturpa o sentido das Sagradas Escrituras com o objetivo
de justificar a violência contra a mulher.
Jesus se relacionou com as mulheres
com estima e respeito, promovendo a sua dignidade (cf. Jo 4,1-26; 8,1-11; Lc 7,36-50;
10,38-42) e libertando-as do poder opressor dos homens moralistas e sedentos de
violência. Maria Madalena, discípula do Senhor, foi a primeira testemunha da
ressurreição (cf. Jo 20,1-18). O próprio Jesus se encarnou no seio virginal de
Maria, uma pobre mulher de Nazaré da Galileia (cf. Mt 1,18-24; Lc 2,7; Jo
1,14). Quis Deus que seu Filho amado se encarnasse no seio de uma mulher,
bendita entre todas as mulheres (cf. Lc 1,42).
Neste Dia Internacional na Mulher é
necessário não somente reconhecer o seu lugar e importância para o
desenvolvimento da humanidade, como também apoiar todas as iniciativas de
defesa e promoção de seus direitos. É necessário também denunciar as injustiças
que as afligem e ferem. Todas as formas de violência contra a mulher são
inaceitáveis, porque jamais podem ser justificadas. Nenhum tipo de violência se
justifica.
O art. 5º, inciso I da Constituição da República é claro e
preciso ao afirmar que “homens e mulheres
são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. É
preciso lutar, incansavelmente, para que esta igualdade seja real, afetiva e
efetiva. Independentemente das circunstâncias, a violação dessa igualdade
constitui injustiça que não pode ser tolerada. O sangue das vítimas clama por justiça.
Não há cidadania autêntica, nem democracia sem o reconhecimento, defesa e
promoção dos direitos da mulher.
O Disque 100 e o Ligue 180 são canais gratuitos e
confiáveis para denúncias de violações de direitos humanos e de violência
contra a mulher. Estes serviços funcionam 24 horas por dia, incluindo sábados,
domingos e feriados. Denunciar é preciso. Omitir-se é tornar-se conivente com
as violações dos direitos e com a violência contra a mulher. Se os bons
permanecem em silêncio, os maus dominam, oprimem e matam. Todo ser humano é
chamado a ser livre e feliz; não há liberdade, nem felicidade onde reinam a
violência e a morte.
Tiago de França
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