Certa vez,
um amigo padre, missionário estrangeiro no Brasil, me falou o seguinte: “Vocês, brasileiros, tem uma mania de não encarar
os problemas; vocês gostam de adiar as coisas”. Ao ler as notícias de hoje,
principalmente as relacionadas à CPI da Covid, instalada hoje em Brasília, veio
à mente essas palavras do amigo padre missionário. Certamente, em todo lugar há
os omissos e os procrastinadores. Mas o Brasil tem ganhado destaque nestes dois
pontos. De fato, muitos brasileiros tem a mania de fugir dos problemas,
pensando que, dessa forma, os problemas deixam de existir.
O famoso “jeitinho brasileiro” também está inserido nesta cultura da fuga e
do adiamento. Em inúmeros setores da sociedade, é comum escutarmos as pessoas
falarem: “Depois a gente resolve isso!”,
ou “A gente dá um jeitinho”. No caso
da CPI da Covid, parlamentares investigarão as ações e omissões do governo, bem
como o repasse de verbas durante a pandemia. Uma comissão parlamentar de
inquérito tem a missão de investigar. Mas como a política brasileira é
contaminada pelo vírus da corrupção, as CPIs já nascem com suspeitas. Há os que
querem investigar, e os que querem evitar as investigações.
O cenário é evidente: houve ações e
omissões que provocaram a morte de milhares de brasileiros. Esta é a matéria das
investigações. Se os parlamentares se afastarem das posições partidariamente
apaixonadas e encararem o problema com seriedade, certamente a CPI encontrará
os culpados. E o tempo de investigar é agora. Quando se adia uma investigação,
geralmente não se investiga mais. Quando os responsáveis pelas investigações
dizem não ter encontrado elementos suficientes, sem terem se ocupado com as
investigações, então é porque, claramente, não se quer investigar. Consequência
natural e óbvia: reforça-se a cultura da impunidade.
O governo não quer a CPI da Covid,
porque teme que os trabalhos sejam levados a sério e, assim, revelem-se os
culpados. Alguém precisa ser responsabilizado pelas consequências do
negacionismo que tomou conta do país. A negação da realidade pode conduzir à
omissão. Se alguém nega que o vírus é capaz de provocar a morte das pessoas,
esse alguém pode permitir que as pessoas morram, sem tomar nenhuma providência
para evitar tal tragédia. Não querer enxergar a realidade também conduz à
omissão. Quando alguém finge não enxergar o óbvio, não assume a
responsabilidade de fazer alguma coisa para evitar o mal.
Muitas pessoas deixam de falar e
agir, porque não querem assumir responsabilidades; recusam-se a se comprometer.
Mais do que isso, torcem para o “circo pegar fogo”, mesmo sabendo que também
serão atingidas pelo fogo. Vivemos numa sociedade profundamente marcada pela
falta de responsabilidade. Muitos dos detentores de poder não exercem com
justiça o seu papel, gerando sofrimento e morte. A omissão sempre causa
vítimas, sempre gera um mal coletivo. A falta de providência, ou a providência
errada pode causar sofrimento e morte. Isso é óbvio, mas as pessoas,
geralmente, não pensam nessas coisas. Essa falta de pensamento também constitui
omissão. Evita-se o assunto.
A espiritualidade cristã também fala
de omissão. As pessoas podem pecar por pensamentos, palavras, atos e omissões. A
omissão é um pecado. Omitir-se é deixar de fazer algum bem necessário à vida em
comunidade. Também nas comunidades cristãs os problemas, muitas vezes, não são
encarados. Quando não se adia a solução, decide-se de forma equivocada,
prejudicando a comunidade. Muitas decisões não visam o bem da comunidade, mas
somente o bem individual de muitas pessoas. Tais decisões não estão em sintonia
com o projeto eclesial e comunitário, mas estão em função da satisfação do
desejo pessoal dos que delas se beneficiam.
Na Igreja Católica, apesar das
dificuldades e resistências, o Papa Francisco tem tocado em algumas feridas
abertas. Tocar na ferida é ação que provoca dor e incômodo. A reforma da Igreja
passa, necessariamente, por incômodos, porque há aqueles que não querem tal
reforma. Defendem que tudo continue do jeito de sempre. Tal posição coaduna-se
com a ideia de que o Espírito Santo nada transforma, mas somente confirma o de
sempre. Alguns alegam: “Sempre foi feito
dessa forma; por que mudar agora?” As pessoas se acostumam, facilmente, com
o mesmo, com a rotina, a mesmice, passando a gostar de uma vida insossa. Levam uma
“vida espiritual” sem dinamismo, desligada do Evangelho e da ação do Espírito
de Jesus.
Quem se habitua a esse estilo de
vida não consegue ser proativo, não tem iniciativa. Portanto, facilmente se
omite diante da necessidade de mudanças. Dominada por este espírito mundano de
ser, a Igreja se torna letárgica, uma sociedade parada no tempo,
impossibilitando a experiência dos necessários rompimentos. A radicalidade do
Evangelho passa a ser vista como exagero, passível de apaziguamento. A subjetividade
das pessoas passa a ser a norma da vida coletiva, e o gosto de cada um precisa
ser satisfeito, sacrificando o bem comum. O eu
passa a ser mais importante que o nós.
Não se decide pensando nas pessoas, mas na pessoa a ser beneficiada pela
decisão.
Qualquer pessoa pode pecar por omissão,
tanto o governo quanto os governados; tanto que tem quanto quem não tem poder
em determinada instituição. Apesar dos condicionamentos, toda pessoa goza de
uma margem de liberdade para decidir conforme a sua consciência e à luz do
Evangelho de Jesus. A experiência de Jesus mostra que a omissão não fez parte
de sua vida, pois agia sempre orientado pela vontade do Pai. Ele agia em nome
do Pai, porque era um com o Pai (cf. Jo 10,25.30). O mesmo deve fazer todo aquele
que deseja ser seu discípulo: agir conforme a vontade do Pai.
Em todas as situações que exigem decisão,
para não ser omisso, deve o discípulo pensar: “O que Jesus faria nessa situação?” Os evangelhos mostram que Jesus
pensava sempre no bem das pessoas. Ele não jogava fardos pesados nas costas de
ninguém. Também não se omitia nas situações de injustiça. Diante da exploração
religiosa, pegou o chicote e expulsões os exploradores do Templo.
Este é apenas um dos exemplos que mostra um Cristo decidido
a agir para libertar as pessoas. Até que ponto somos capazes de agir, visando a
libertação das pessoas? Ao nosso redor há pessoas sofrendo. Estamos enxergando,
ou fingimos não enxergar? Quando decidimos agir, a nossa ação colabora com a
opressão, ou com a libertação das pessoas? Ajudamos a carregar a cruz, ou
agimos para a cruz se tornar mais pesada e penosa? De nada adianta ficarmos
indignados com os políticos omissos, quando também somos omissos no cotidiano
de nossa vida. Por fim, cabe pensar nas seguintes palavras atribuídas a Martin
Luther King: “O que me preocupa não é o
grito dos maus, mas o silêncio dos bons”.
Tiago de França