quinta-feira, 3 de junho de 2021

Irmanados no Corpo e Sangue de Jesus

 


“O sangue de Cristo purificará a nossa consciência das obras mortas, para servirmos ao Deus vivo, pois, em virtude do Espírito eterno, Cristo se ofereceu a si mesmo a Deus como vítima sem mancha. Por isso, ele é mediador de uma nova aliança” (Hb 9,14).

            A celebração do Corpo e Sangue de Jesus é memória de sua paixão, morte e ressurreição; é celebração do mistério pascal do Senhor. No centro desse mistério está a entrega de Jesus, o oferecimento de si mesmo a Deus “como vítima sem mancha”. Ele é o Cordeiro imolado, obediente até a morte, e morte de cruz. Ressuscitado, permanece no mundo, cumprindo a sua promessa (cf. Mt 28,20). Reunida em seu nome, a Igreja, comunidade de comunidades e assembleia dos chamados à santidade, observa, perpetuamente, o preceito sublime de celebrar a Eucaristia, sacramento de sua presença real e salvífica (cf. 1 Cor 11,24).

            Eucaristia é comunhão ao redor da mesa; comunhão com Jesus e com os irmãos. Na última ceia (cf. Mc 14,12-16.22-26), Jesus se reúne, partilha o pão e o vinho, canta um hino de louvor ao Criador. “Tomai, isto é o meu corpo”; “Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos”: estas são as palavras de Jesus. O Corpo e o Sangue de Jesus é mais que o pão e o vinho consagrados; é toda a sua vida doada, com total liberdade e gratuidade, para a salvação de toda a humanidade. Por isso, ao participar da mesa eucarística, o discípulo de Cristo assume o compromisso de viver de acordo com a vida doada de Jesus.

            Antes e até Jesus, celebrava-se a antiga aliança que Deus fez com seu povo (cf. Ex 24,3-8). Eram imolados novilhos “como sacrifícios pacíficos ao Senhor”. Fazendo a memória da páscoa judaica, Jesus inaugura a nova e eterna aliança, derramando o seu sangue na cruz, “o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos”. Com seu sangue, ele “entrou no santuário uma vez por todas, obtendo uma redenção eterna” (Hb 9,12). A Eucaristia contém o mistério da cruz de Cristo, que contempla a sua ressurreição. Os que nela tomam parte devem estar dispostos a vivenciar a experiência da cruz e ressurreição, experiência que transforma o discípulo em missionário do Reino de Deus.

            A Eucaristia abre os olhos dos discípulos de Jesus, para que possam enxergar a vida com os olhos da fé. Essa nova visão da realidade concede a graça da identificação da ação de Deus no mundo. Apesar dos pesares da vida, o Senhor está no mundo, trabalhando diuturnamente. A criação continua sendo recapitulada em Cristo. A celebração da Eucaristia revela este mistério amoroso de redenção da humanidade. A ação ritual da liturgia eucarística faz o discípulo enxergar, compreender, sentir e comprometer-se com a ação redentora de Jesus. A participação na mesa do Senhor realiza o mistério da unificação, ou seja, o discípulo se torna morada de Deus, e Deus faz morada no discípulo. Este se torna um outro Cristo no mundo, capaz de realizar as obras de Deus e de receber a promessa da herança eterna.

            Há um hino eucarístico que reza o seguinte: “Vamos comungar, vamos comungar; comungar na Igreja e na vida dos irmãos”. A comunhão com Jesus exige a comunhão com os irmãos; participar da vida de Jesus significa tomar parte na vida dos irmãos. Por isso, participar da mesa eucarística é assumir os riscos da comunhão fraterna. O amor e a oração aos inimigos e perseguidores estão implícitos no ato de receber a Eucaristia, bem como o serviço generoso, alegre e gratuito aos irmãos e irmãs que sofrem. Na Eucaristia não existe exclusivismos nem indiferença. Ou seja, quem deseja entrar em comunhão com Jesus na Eucaristia precisa refletir se está disposto a entrar em comunhão com o próximo, especialmente os sofredores deste mundo. Ninguém pode receber Jesus na Eucaristia se isolando dos outros, vivendo como se estes não existissem. Eucaristia e indiferença são incompatíveis. Comunga-se para vencer este terrível pecado.

            Falar em comunhão significa promover a unidade no amor. Esta unidade exige humildade, disponibilidade e reconhecimento do outro. Unidade que não significa uniformidade ou padronização, mas aceitação e promoção da diversidade no amor. Antes de comungar, todo fiel católico responde à saudação da paz, dizendo: “O amor de Cristo nos uniu”. Portanto, assume um compromisso de viver a unidade. O Corpo e o Sangue do Senhor asseguram e mantém esta unidade. É um escândalo a participação no Corpo e o Sangue de Cristo sem este compromisso com a unidade que gera a paz. Os inimigos da paz de Cristo somente podem comungar se quiserem assumir um compromisso com a unidade e a paz. Não estão em comunhão com Jesus aqueles que se dedicam às intrigas, promovendo a divisão na Igreja de Jesus.

            Na Eucaristia o Senhor nos ama e nos convida ao amor. São tantas as pessoas necessitadas de amor. Na verdade, de amor todo ser humano é necessitado. São várias as formas de expressão deste amor. Em Cristo, a expressão máxima é a doação total da própria vida nas grandes causas do Reino de Deus: justiça, solidariedade, perdão, ternura, cuidado, alegria... Em Cristo Jesus, o discípulo missionário é sal e luz, fermento na massa, presença amorosa de Deus no mundo. Hoje, milhões de brasileiros sofrem com a falta de trabalho e alimento, com os altos índices de violência, com a falta de vacina e com o luto... Muitas são as oportunidades para viver em comunhão com Jesus nos irmãos e irmãs que sofrem.

            Por estas razões bíblicas e teológicas, que revelam a grandeza e a simplicidade do mistério eucarístico na vida cristã e eclesial, a celebração da Solenidade do Corpo e do Sangue do Senhor deve ir além da beleza da celebração ritual. Os membros do Corpo Místico de Jesus precisam, de fato, sentirem-se membros, purificados e renovados no Sangue do Senhor, para manifestarem, com palavras e ações, a caridade de Cristo; para que todos tenham vida e a tenham em abundância. Em um mundo profundamente marcado pela morte, em tempos de pandemia, a participação no mistério eucarístico deve levar cada fiel discípulo missionário de Jesus a manifestar no mundo a paixão, morte e ressurreição do Senhor. Somente dessa forma, poderão colher os frutos da redenção realizada pelo Senhor.  

Tiago de França

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