“O sangue de Cristo purificará
a nossa consciência das obras mortas, para servirmos ao Deus vivo, pois, em
virtude do Espírito eterno, Cristo se ofereceu a si mesmo a Deus como vítima
sem mancha. Por isso, ele é mediador de uma nova aliança” (Hb
9,14).
A celebração do Corpo e Sangue de
Jesus é memória de sua paixão, morte e ressurreição; é celebração do mistério
pascal do Senhor. No centro desse mistério está a entrega de Jesus, o
oferecimento de si mesmo a Deus “como
vítima sem mancha”. Ele é o Cordeiro imolado, obediente até a morte, e
morte de cruz. Ressuscitado, permanece no mundo, cumprindo a sua promessa (cf.
Mt 28,20). Reunida em seu nome, a Igreja, comunidade de comunidades e
assembleia dos chamados à santidade, observa, perpetuamente, o preceito sublime
de celebrar a Eucaristia, sacramento de sua presença real e salvífica (cf. 1
Cor 11,24).
Eucaristia é comunhão ao redor da
mesa; comunhão com Jesus e com os irmãos. Na última ceia (cf. Mc
14,12-16.22-26), Jesus se reúne, partilha o pão e o vinho, canta um hino de
louvor ao Criador. “Tomai, isto é o meu
corpo”; “Isto é o meu sangue, o
sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos”: estas são as
palavras de Jesus. O Corpo e o Sangue de Jesus é mais que o pão e o vinho
consagrados; é toda a sua vida doada, com total liberdade e gratuidade, para a
salvação de toda a humanidade. Por isso, ao participar da mesa eucarística, o
discípulo de Cristo assume o compromisso de viver de acordo com a vida doada de
Jesus.
Antes e até Jesus, celebrava-se a
antiga aliança que Deus fez com seu povo (cf. Ex 24,3-8). Eram imolados
novilhos “como sacrifícios pacíficos ao
Senhor”. Fazendo a memória da páscoa judaica, Jesus inaugura a nova e
eterna aliança, derramando o seu sangue na cruz, “o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos”. Com seu
sangue, ele “entrou no santuário uma vez
por todas, obtendo uma redenção eterna” (Hb 9,12). A Eucaristia contém o
mistério da cruz de Cristo, que contempla a sua ressurreição. Os que nela tomam
parte devem estar dispostos a vivenciar a experiência da cruz e ressurreição,
experiência que transforma o discípulo em missionário do Reino de Deus.
A Eucaristia abre os olhos dos
discípulos de Jesus, para que possam enxergar a vida com os olhos da fé. Essa nova
visão da realidade concede a graça da identificação da ação de Deus no mundo.
Apesar dos pesares da vida, o Senhor está no mundo, trabalhando diuturnamente. A
criação continua sendo recapitulada em Cristo. A celebração da Eucaristia
revela este mistério amoroso de redenção da humanidade. A ação ritual da
liturgia eucarística faz o discípulo enxergar, compreender, sentir e
comprometer-se com a ação redentora de Jesus. A participação na mesa do Senhor
realiza o mistério da unificação, ou seja, o discípulo se torna morada de Deus,
e Deus faz morada no discípulo. Este se torna um outro Cristo no mundo, capaz
de realizar as obras de Deus e de receber a promessa da herança eterna.
Há um hino eucarístico que reza o
seguinte: “Vamos comungar, vamos
comungar; comungar na Igreja e na vida dos irmãos”. A comunhão com Jesus
exige a comunhão com os irmãos; participar da vida de Jesus significa tomar parte
na vida dos irmãos. Por isso, participar da mesa eucarística é assumir os
riscos da comunhão fraterna. O amor e a oração aos inimigos e perseguidores
estão implícitos no ato de receber a Eucaristia, bem como o serviço generoso,
alegre e gratuito aos irmãos e irmãs que sofrem. Na Eucaristia não existe
exclusivismos nem indiferença. Ou seja, quem deseja entrar em comunhão com
Jesus na Eucaristia precisa refletir se está disposto a entrar em comunhão com
o próximo, especialmente os sofredores deste mundo. Ninguém pode receber Jesus
na Eucaristia se isolando dos outros, vivendo como se estes não existissem. Eucaristia
e indiferença são incompatíveis. Comunga-se para vencer este terrível pecado.
Falar em comunhão significa promover
a unidade no amor. Esta unidade exige humildade, disponibilidade e
reconhecimento do outro. Unidade que não significa uniformidade ou
padronização, mas aceitação e promoção da diversidade no amor. Antes de
comungar, todo fiel católico responde à saudação da paz, dizendo: “O amor de Cristo nos uniu”. Portanto,
assume um compromisso de viver a unidade. O Corpo e o Sangue do Senhor asseguram
e mantém esta unidade. É um escândalo a participação no Corpo e o Sangue de
Cristo sem este compromisso com a unidade que gera a paz. Os inimigos da paz de
Cristo somente podem comungar se quiserem assumir um compromisso com a unidade
e a paz. Não estão em comunhão com Jesus aqueles que se dedicam às intrigas,
promovendo a divisão na Igreja de Jesus.
Na Eucaristia o Senhor nos ama e nos
convida ao amor. São tantas as pessoas necessitadas de amor. Na verdade, de
amor todo ser humano é necessitado. São várias as formas de expressão deste
amor. Em Cristo, a expressão máxima é a doação total da própria vida nas grandes
causas do Reino de Deus: justiça, solidariedade, perdão, ternura, cuidado, alegria...
Em Cristo Jesus, o discípulo missionário é sal e luz, fermento na massa,
presença amorosa de Deus no mundo. Hoje, milhões de brasileiros sofrem com a
falta de trabalho e alimento, com os altos índices de violência, com a falta de
vacina e com o luto... Muitas são as oportunidades para viver em comunhão com
Jesus nos irmãos e irmãs que sofrem.
Por estas razões bíblicas e
teológicas, que revelam a grandeza e a simplicidade do mistério eucarístico na
vida cristã e eclesial, a celebração da Solenidade do Corpo e do Sangue do Senhor
deve ir além da beleza da celebração ritual. Os membros do Corpo Místico de
Jesus precisam, de fato, sentirem-se membros, purificados e renovados no Sangue
do Senhor, para manifestarem, com palavras e ações, a caridade de Cristo; para
que todos tenham vida e a tenham em abundância. Em um mundo profundamente
marcado pela morte, em tempos de pandemia, a participação no mistério
eucarístico deve levar cada fiel discípulo missionário de Jesus a manifestar no
mundo a paixão, morte e ressurreição do Senhor. Somente dessa forma, poderão
colher os frutos da redenção realizada pelo Senhor.
Tiago
de França
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