sábado, 7 de fevereiro de 2009

Dom Hélder Câmara: um cristão humilde


Estamos celebrando o Centenário de Nascimento de Dom Hélder Pessoa Câmara, nascido no dia 7 de fevereiro de 1909. Falar de uma vida que durou noventa anos neste mundo é algo difícil. Na presente reflexão quero falar de duas qualidades da pessoa deste grande Bispo que marcou a história da Igreja no Brasil: seu ser cristão e sua profunda humildade. Quem conhece a História da Igreja até o Concílio Vaticano II (1962 – 1965) sabe que os Bispos sempre foram homens privilegiados, denominados “príncipes” e que residiam nos palácios episcopais. Eram homens quase que inacessíveis. Os pobres quase nunca viam os Bispos, a não ser nas festas dos padroeiros, nas ordenações, nos ritos da Crisma e nas solenidades políticas do Estado. Eram dotados de poder e prestígio, e viviam revestidos de uma aparência que não atraía aproximações.

Dom Hélder Câmara foi Bispo da Igreja, nomeado Auxiliar do Rio de Janeiro em 1952. Sempre esteve ligado aos altos escalões da hierarquia. Era um dos venerados amigos do Papa Paulo VI, com quem sempre teve ligação pessoal direta, sem protocolos. No Brasil, era temido pelos militares da ditadura. Foi um homem extremamente fascinado pela promoção dos direitos humanos e nunca temeu às ameaças de seus opositores, quer dentro, quer fora da Igreja. Ele nunca separou a fé da vida. Nunca conseguiu entender o Evangelho sem a opção preferencial pelos pobres, como opção de Jesus. Incansável voz que clamou em todo o mundo contra as injustiças praticadas pelo sistema capitalista e pelo neoliberalismo. Ele era claro em suas palavras: “Quem é despertado para as injustiças geradas pela má distribuição da riqueza, se tiver grandeza d’alma captará os protestos silenciosos ou violentos dos pobres. E o protesto dos pobres é a voz de Deus”.

Por que Dom Hélder Câmara foi cristão? Porque soube amar profundamente a Deus e ao próximo como a si mesmo. Ele amou a Deus na pessoa do pobre. Ele soube deixar-se evangelizar pelos pobres. Isto é profundamente evangélico e extraordinário na Igreja. Apesar de ser Bispo, optou por levar uma vida humilde, renunciou morar no palácio e residir em um pequeno recinto por trás de uma igreja. Dom Hélder Câmara sabia e ensinava com a vida que não é possível evangelizar os pobres sem ser humilde como os pobres. Estes possuem uma humildade característica que só a condição de pobreza material confere ao ser humano. É verdade que não basta só ser pobre de bens, mas um pobre humilde revela a presença viva de Deus na Igreja. Esta compreensão levava-o a acolher com muita atenção e ternura paterna os pobres. Seguramente, podemos dizer que a humildade de Dom Hélder Câmaraera fruto de um profundo aprendizado com os pobres. Sendo homem do diálogo e da acolhida aos injustiçados e perseguidos, ele conseguiu fazer a vontade de Deus e desta forma foi profundamente cristão.

Tendo ele recebido o terceiro grau do sacramento da Ordem na Igreja, fica como exemplo de Bispo missionário. Sendo missionário, Dom Hélder Câmara mostra que buscou ser fiel aos apelos do Vaticano II e da Conferência de Medellín, que soube traduzir muito bem aquilo que o Concílio pediu para a Igreja como Corpo Universal. Creio que diáconos, padres e bispos devem procurar fazer uma leitura mística do testemunho de vida deste grande Bispo. O clero e o povo fazem a Igreja no mundo. Dom Hélder Câmara ensinou com o próprio ministério que não pode existir clero sem o povo de Deus. O clero precisa estar com o povo. E isto significa que, se o clero não estiver ligado diretamente aos oprimidos de nossa sociedade, com certeza estará afastado do próprio Cristo que se revela em cada pessoa sofrida e oprimida pelos males de nosso tempo. É urgente uma releitura da missão dos presbíteros em nossos dias, pois a grande tentação consiste no afastamento em relação aos pobres e no isolamento nas sacristias e gabinetes. “É justo e necessário” o louvor e o culto a Deus, mas o amor a Deus vai muito além da liturgia. Esta, por sua vez, celebra a vida da comunidade. Se não existe vida comunitária numa relação paterna e fraterna dos pastores e o povo de Deus, o que a liturgia está celebrando? A memória da paixão, morte e ressurreição de Jesus presente no culto celebrado é, antes de tudo, vivida na vida da comunidade reunida. E Dom Hélder Câmara descobriu esta verdade e a viveu muito bem no cotidiano de sua vida até sua páscoa para a vida eterna.

Tiago de França da Silva
Missionário, bacharelando em Filosofia pelo ITEP.

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