quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa

 


          No dia 21 de janeiro de cada ano é celebrado o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Infelizmente, no Brasil, o crime de intolerância religiosa é muito cometido. Os números revelam uma vergonhosa situação, que não pode passar em branco. A maioria das vítimas do crime de intolerância religiosa pertence às religiões afro-brasileiras, e quem mais comete esse crime são pessoas que demonizam e ridicularizam os membros dessas religiões, especialmente a Umbanda e o Candomblé.

            No seio do cristianismo há pessoas que possuem uma visão distorcida dessas religiões. Com o crescimento do neopentecostalismo católico e evangélico se assiste, simultaneamente, o crescimento do preconceito religioso. Inúmeros neopentecostais afirmam que as religiões afro-brasileiras são “obra das trevas”, prestadoras de “culto a Satanás”, entre outras concepções altamente ofensivas, dignas de repúdio e punição.

            O que diz o ordenamento jurídico sobre o crime de intolerância religiosa? É preciso considerar que a liberdade religiosa é um direito fundamental. As pessoas são livres para aderir ou não a uma determinada religião. Em caso de adesão, todos tem o direito de professar, publicamente, a religião que quiser. O artigo 18 de Declaração Universal dos Direitos Humanos, diz: “Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular”.

            Portanto, as pessoas têm o direito de aderir e expressar, por meio do ensino, da prática e do culto, a religião que escolher. A Constituição Federal de 1988, no art. 5º, inciso VI, diz: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Desse modo, no Brasil, a Constituição assegura a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença (liberdade religiosa), bem como o livre exercício dos cultos religiosos. Garante, também, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

            Por isso, toda agressão, verbal ou física, que tenha motivação religiosa, a pessoas, aos símbolos e aos lugares de culto e a suas liturgias, constitui agressão criminosa, porque configura crime de intolerância religiosa. O Código Penal brasileiro, no artigo 208, prescreve pena de detenção de um mês a um ano, ou multa, ao criminoso que ultrajar, impedir ou perturbar culto religioso. Diz a lei: Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso. O escárnio público, por motivo de crença ou função religiosa, também é crime passível da mesma pena.

            Como a pena prescrita no Código Penal parece pequena e, em muitas situações, chega até ser injusta, é preferível que se aplique o que dispõe o art. 20 da Lei 7.716/89: “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Neste artigo, a pena prevista é de reclusão de um a três anos e multa. Não há previsão de trocar a pena de reclusão por multa; pelo contrário, pode-se prender e cominar multa (cumulação de prisão e multa). Se o crime for cometido na Internet, ou por intermédio de qualquer outro meio de comunicação social ou publicação de qualquer natureza, a pena é maior: reclusão de dois a cinco anos e multa.

            A educação parece ser o caminho mais acertado para que cesse o cometimento desse tipo vergonhoso de crime. Na educação básica (fundamental e médio) é preciso ensinar às crianças, adolescentes e aos jovens a importância do respeito, da tolerância e da coexistência entre pessoas de diferentes crenças religiosas. Todos precisam aprender e aceitar a diversidade religiosa presente no mundo. Este não é uniforme, mas plural. A diferença é normal e necessária, porque é uma das marcas da beleza humana e do mundo. Em matéria religiosa, deve-se considerar que há várias religiões, com seus cultos, doutrinas e diversidade de formas de manifestação da fé.

            No caso do cristianismo, tanto católico quanto evangélico, é preciso que os líderes religiosos ensinem a virtude da tolerância. O desrespeito à religião do outro é pecado grave, porque contraria o Evangelho de Jesus. A ninguém Jesus deu autoridade para julgar e condenar. No caso da Igreja Católica, a partir do Concílio Vaticano II, a promoção do diálogo inter-religioso ganhou espaço signficativo. Neste sentido, os católicos são chamados a conhecer os documentos e pronunciamentos oficiais da Igreja sobre a necessidade do diálogo com as religiões não cristãs (cf., por exemplo, a Declaração conciliar Nostra Aetate).

            Facilmente se pode constatar, principalmente nas redes sociais, muitos católicos (leigos e ministros ordenados) indo na contramão da orientação oficial e do trabalho em prol do diálogo inter-religioso, proferindo ofensas, com afirmações totalmente contrárias ao que a Igreja oficialmente ensina e busca viver. Cabe recordar o que prescreve o ordenamento jurídico, sinteticamente supracitado, com previsão de prisão para muitos desses irmãos e irmãs, que abandonando o Evangelho de Cristo, cujo centro é a caridade e a liberdade, dedicam-se a julgar, condenar e ofender os outros, por não aceitarem o legítimo e necessário pluralismo religioso.

            Cristãos que vivem em sintonia com o Evangelho de Jesus não perdem o seu tempo com ofensas ao próximo, por causa de religião, nem por nenhuma outra causa. O mais importante não é a religião, mas a vivência do amor. Ninguém será salvo por ter se dedicado à defesa e promoção da religião. Aos cristãos é preciso dizer: É Cristo que salva, não a religião! O mandato missionário de Jesus é claro: “Ide pelo mundo inteiro e proclamai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15).

Jesus não pediu para impor religião sobre as pessoas, nem para convertê-las, forçadamente. Pelo contrário, o anúncio do Evangelho é anúncio da vida plena para todos, na e para a liberdade. Quem agride os outros em nome de Jesus não compreendeu Jesus, nem o seu Evangelho. Todo agressor deve ser punido na forma da lei, porque nenhuma forma de violência pode ser tolerada. Toda pessoa é digna de respeito, estima e consideração, independentemente de religião. O mandamento de Jesus é o do amor a Deus e ao próximo, impeditivo de toda espécie de violência. Basta de intolerância religiosa!

Tiago de França

sábado, 9 de janeiro de 2021

Banhados em Cristo

 


Neste domingo, a Igreja católica celebra a Festa do Batismo do Senhor, ocasião em que convida seus membros a renovarem as promessas batismais. Com essa festa, conclui-se o Tempo do Natal e se inicia o Tempo Comum.

O evangelho para a meditação é o de Marcos 1,7-11, que traz uma bela mensagem para todo cristão. Inicialmente, aparece o profeta João Batista, apresentando Jesus como "o mais forte" e aquele que batiza com o Espírito Santo. João diz que não é digno sequer de desamarrar as sandálias dos pés de Jesus.

Essas são imagens carregadas de um profundo sentido teológico. Jesus é forte como Deus. Os judeus sabiam que Deus era forte, único capaz de realizar a libertação definitiva. Essa libertação acontece sempre nas experiências parciais de liberdade que o povo de Deus vai experimentando ao longo de sua caminhada.

O Messias esperado não é fraco, mas é a manifestação da força de um Deus que quis tornar-se gente, pessoa humana. Na humanidade de Jesus se manifesta a fortaleza de Deus. Nele, o povo de Deus tem renovada a Aliança de amor e fidelidade, que jamais foi abandonada por Deus. Por isso, Jesus, o mais forte, inaugura um tempo novo de justiça e paz para toda a humanidade.

Ele batiza com o Espírito Santo, ou seja, um batismo capaz de transformar as pessoas; uma unção que penetra o mais íntimo delas. Os que são batizados passam por essa experiência de transformação interior. Por isso, na Igreja dos primeiros séculos havia um processo exigente para a recepção do batismo. Era batizado quem estava, de fato, interessado a fazer, livremente, a experiência de transformação, de mudança radical de vida.

O evangelista segue dizendo que Jesus veio de Nazaré da Galiléia e foi batizado por João no Jordão. Em relação à apresentação feita pelo profeta, essas duas informações parecem contraditórias. De fato, são desconcertantes, porque "o mais forte" nasceu na periferia, lugar dos mais fracos. Além de insignificante, Nazaré era um lugar de gente mal falada. Deus escolheu esse lugar para armar sua renda no mundo.

Outro dado curioso é o fato de Jesus ser batizado por João. O batismo de João era para a conversão, e Jesus não precisava de conversão, pois como Filho de Deus, não tinha pecado, mesmo sendo homem. Mas Jesus procura, humildemente, o batismo de João e, desse modo, concede a todos a oportunidade de conhecerem a sua identidade messiânica.

Diz o texto que, ao sair da água, o céu se abriu. Abre-se, portanto, um canal de comunicação entre o céu e a terra. Não há mais ausência de comunicação. Jesus é o elo de ligação e comunhão entre Deus e a humanidade; é Ele o mediador. Do céu aberto, duas graças se revelam para falar de Jesus: a primeira, o Espírito Santo, em forma de pomba, desce sobre Ele; a segunda, a voz de Deus, revelando a realidade divina do Filho.

Portanto, no batismo de Jesus temos a manifestação da Trindade: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. O Pai revela o Filho: este é o Filho amado, em quem o Pai põe seu bem-querer. O Espírito desce em forma de pomba, ou seja, serenamente confirma a identidade e a missão de Jesus. Uma vez batizado, cheio do Espírito Santo, Jesus está pronto para iniciar o seu ministério, a sua missão de anunciar o Evangelho do Reino de Deus.

O mesmo pode ser dito em relação a todos os que são batizados em nome da Trindade: estão preparados para ser enviados em missão. Jesus, ao receber o batismo, não mais voltou para a casa de seus pais, mas deu início à missão para a qual foi enviado. Cada batizado precisa se perguntar, neste dia solene de renovação das promessas batismais: o que estou fazendo da minha vida? Sou um cristão que busco viver as promessas do meu batismo, ou sou cristão apenas de nome?...

O cristianismo e o mundo atuais carecem de autênticos cristãos: pessoas capazes de viver a aventura do amor que não conhece limites. O Espírito que desceu sobre Jesus permanece atuante, desejoso de conduzir aqueles que abrem seus corações e suas mentes para viver a feliz experiência do batismo. Sem essa abertura, o batismo não passa de mera formalidade, incapaz de gerar mulheres e homens que sejam sal da terra e luz do mundo. É o Espírito que mantém viva a chama batismal, impulsionadora de mulheres e homens novos para um mundo novo.

Tiago de França